Resenha Filme #3 - “Taurus” – (Dir.
Alexander Sukurov)
“Taurus” é o segundo filme de uma trilogia do cineasta russo A.
Sukurov acerca de líderes políticos influentes do séc. XX. Não se trata de
obras biográficas com um sentido de análise histórica, mas antes peças de arte
que narram momentos singulares e específicos da vida daquelas lideranças. Em
Taurus, há uma bela e poética descrição dos últimos momentos de vida de V. I.
Lênin.
Como se sabe, Lênin morreu em 1924: passara por derrame cerebral
estando sua saúde agravada pelo atentado a bala que sofrera alguns anos antes.
O tiro de uma contra-revolucionária esserista cravaria uma bala que não seria
(não poderia ter sido) retirada do corpo de Lênin. Sua morte em parte também
deveu-se aquele atentado. O que é certo é que Lênin passou os últimos instantes
de sua vida em uma casa no campo de propriedade do estado; esteve a todo tempo
cercado de cuidados por sua companheira de toda vida Krupskaia e por sua irmã, além
de membros do partido.
Pode-se dizer de qualquer forma que os dados biográficos são
secundários, mas não de todo ausentes no filme. A película contempla a visita
de Stálin a Lênin, bem como o posterior comentário deste último acerca do
temperamento “duro” daquele que viria a ser seu sucessor – esta informação está
no chamado testamento de Lênin. O conflito entre Krupskaia e Stálin, que de
fato ocorreu e repercutiu dentro do partido comunista russo, também é ilustrado,
de passagem, no filme – ainda que seja válido pontuar que Krupskaia
posteriormente aliou-se a Stálin contra Trótsky.
A disputa pela sucessão da direção do partido e dos rumos do estado
soviético teria como ponto de partida a morte de Lênin. Assim, naquela chácara,
somos levados a observar espiões, militantes do partido apurando o teor das
conversas pessoais de Lênin, bisbilhotando portas, lendo correspondências,
telefone cortado – tudo sob o argumento de que os temas políticos que preocupavam
Lênin até a sua morte poderiam prejudicar o seu restabelecimento.
Entretanto, o filme não se reduz aos elementos históricos e se propõe
a fazer uma descrição poética dos últimos momentos de vida de Lênin. A
fotografia do filme certamente merece um destaque especial: a priorização das
cores cinzas e imagens opacas, combinadas com o frio russo criam um ambiente
que se relaciona diretamente com o objeto do filme: os últimos momentos da vida
de um grande homem e, principalmente, os dilemas e as dúvidas que se projetavam
para o futuro diante da morte de Lênin. Dilemas e dúvidas sombrios como aquela
paisagem russa.
Aos poucos, Lênin vai perdendo sua consciência – inicialmente paralisado
em um lado do corpo, vai gradualmente definhando até o fim.
Certamente, num debate historiográfico, não há espaço para a história
contra factual, qual seja, a história que se remete a condicionante “se”: E se
o ponto de vista leninista não tivesse prevalecido nos tratados de paz junto a
Alemanha (Brest-Litoviski)? E se o ponto de vista leninista de instauração da
disciplina e do sistema Taylor nas fábricas não tivesse prevalecido? E, talvez
a pergunta mais instigante, qual teria sido o rumo da URSS se Lênin tivesse
vivido 5, 10, 15 anos a mais do que viveu?
Definitivamente, é impossível dar uma resposta segura a qualquer uma
destas perguntas. Há muitas variáveis e possibilidades de desdobramentos, mais
ou menos imprevisíveis. Mas aqui não se trata de um debate historiográfico, mas
de uma resenha com vocação para análises da tradição política do
marxismo-leninismo. Assim, talvez seja possível especular.
Quanto a Brest-Litoviski, Lênin foi o primeiro a ter a justa percepção
do problema dentro do partido bolchevique. Defendeu a imediata assinatura do
tratado: referir-se-ia àquela paz forçada com a Alemanha dos Junkers como uma
situação equivalente a de um homem desarmado rendido por outro que o ameaça
mirando-lhe o revolver. Nada mais anti-leninista do que não saber recuar na
hora certa. O que parece ser plausível é que, se o ponto de vista de Lênin
tivesse sido adotado desde o início pelos bolcheviques (contra o posicionamento
de León Trótsky e outros), a paz em separado com a Alemanha não teria ocorrido
em condições tão catastróficas e humilhantes. Quanto ao sistema de organização
do trabalho taylorista, a direção unipessoal das fábricas e a obrigatoriedade
do trabalho para todos (a começar pelos ricos), caso o ponto de vista dos “comunistas
de esquerda” tivesse prevalecido sobre a justa orientação leninista, o mais
plausível seria a não ocorrência da brutal modernização e desenvolvimento das
forças produtivas num curto espaço de tempo que assombrou até os mais céticos
críticos burgueses. E, mais importante, sem o desenvolvimento da indústria, a
Rússia não estaria preparada como esteve para esmagar o nazi-fascismo a partir
da batalha de Stalingrado.
Agora a terceira questão parece ser a mais difícil de se especular. Qual
teria sido o desdobramento do estado operário soviético e do movimento
comunista mundial se Lênin tivesse vivido 5, 10, 15 anos a mais do que viveu?
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