segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

“Taurus” – Dir. Alexander Sukurov


 
Resenha Filme #3 - “Taurus” – (Dir. Alexander Sukurov)

“Taurus” é o segundo filme de uma trilogia do cineasta russo A. Sukurov acerca de líderes políticos influentes do séc. XX. Não se trata de obras biográficas com um sentido de análise histórica, mas antes peças de arte que narram momentos singulares e específicos da vida daquelas lideranças. Em Taurus, há uma bela e poética descrição dos últimos momentos de vida de V. I. Lênin.

Como se sabe, Lênin morreu em 1924: passara por derrame cerebral estando sua saúde agravada pelo atentado a bala que sofrera alguns anos antes. O tiro de uma contra-revolucionária esserista cravaria uma bala que não seria (não poderia ter sido) retirada do corpo de Lênin. Sua morte em parte também deveu-se aquele atentado. O que é certo é que Lênin passou os últimos instantes de sua vida em uma casa no campo de propriedade do estado; esteve a todo tempo cercado de cuidados por sua companheira de toda vida Krupskaia e por sua irmã, além de membros do partido.

Pode-se dizer de qualquer forma que os dados biográficos são secundários, mas não de todo ausentes no filme. A película contempla a visita de Stálin a Lênin, bem como o posterior comentário deste último acerca do temperamento “duro” daquele que viria a ser seu sucessor – esta informação está no chamado testamento de Lênin. O conflito entre Krupskaia e Stálin, que de fato ocorreu e repercutiu dentro do partido comunista russo, também é ilustrado, de passagem, no filme – ainda que seja válido pontuar que Krupskaia posteriormente aliou-se a Stálin contra Trótsky.

A disputa pela sucessão da direção do partido e dos rumos do estado soviético teria como ponto de partida a morte de Lênin. Assim, naquela chácara, somos levados a observar espiões, militantes do partido apurando o teor das conversas pessoais de Lênin, bisbilhotando portas, lendo correspondências, telefone cortado – tudo sob o argumento de que os temas políticos que preocupavam Lênin até a sua morte poderiam prejudicar o seu restabelecimento.

Entretanto, o filme não se reduz aos elementos históricos e se propõe a fazer uma descrição poética dos últimos momentos de vida de Lênin. A fotografia do filme certamente merece um destaque especial: a priorização das cores cinzas e imagens opacas, combinadas com o frio russo criam um ambiente que se relaciona diretamente com o objeto do filme: os últimos momentos da vida de um grande homem e, principalmente, os dilemas e as dúvidas que se projetavam para o futuro diante da morte de Lênin. Dilemas e dúvidas sombrios como aquela paisagem russa.

Aos poucos, Lênin vai perdendo sua consciência – inicialmente paralisado em um lado do corpo, vai gradualmente definhando até o fim.

Certamente, num debate historiográfico, não há espaço para a história contra factual, qual seja, a história que se remete a condicionante “se”: E se o ponto de vista leninista não tivesse prevalecido nos tratados de paz junto a Alemanha (Brest-Litoviski)? E se o ponto de vista leninista de instauração da disciplina e do sistema Taylor nas fábricas não tivesse prevalecido? E, talvez a pergunta mais instigante, qual teria sido o rumo da URSS se Lênin tivesse vivido 5, 10, 15 anos a mais do que viveu?

Definitivamente, é impossível dar uma resposta segura a qualquer uma destas perguntas. Há muitas variáveis e possibilidades de desdobramentos, mais ou menos imprevisíveis. Mas aqui não se trata de um debate historiográfico, mas de uma resenha com vocação para análises da tradição política do marxismo-leninismo. Assim, talvez seja possível especular.

Quanto a Brest-Litoviski, Lênin foi o primeiro a ter a justa percepção do problema dentro do partido bolchevique. Defendeu a imediata assinatura do tratado: referir-se-ia àquela paz forçada com a Alemanha dos Junkers como uma situação equivalente a de um homem desarmado rendido por outro que o ameaça mirando-lhe o revolver. Nada mais anti-leninista do que não saber recuar na hora certa. O que parece ser plausível é que, se o ponto de vista de Lênin tivesse sido adotado desde o início pelos bolcheviques (contra o posicionamento de León Trótsky e outros), a paz em separado com a Alemanha não teria ocorrido em condições tão catastróficas e humilhantes. Quanto ao sistema de organização do trabalho taylorista, a direção unipessoal das fábricas e a obrigatoriedade do trabalho para todos (a começar pelos ricos), caso o ponto de vista dos “comunistas de esquerda” tivesse prevalecido sobre a justa orientação leninista, o mais plausível seria a não ocorrência da brutal modernização e desenvolvimento das forças produtivas num curto espaço de tempo que assombrou até os mais céticos críticos burgueses. E, mais importante, sem o desenvolvimento da indústria, a Rússia não estaria preparada como esteve para esmagar o nazi-fascismo a partir da batalha de Stalingrado.

Agora a terceira questão parece ser a mais difícil de se especular. Qual teria sido o desdobramento do estado operário soviético e do movimento comunista mundial se Lênin tivesse vivido 5, 10, 15 anos a mais do que viveu?

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