sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Breves Notas Introdutórias Sobre o Direito Tributário Brasileiro

 Breves Notas Introdutórias Sobre o Direito Tributário Brasileiro




 

O Direito Tributário é um ramo do direito público que se ocupa da arrecadação de recursos com os quais o Estado atende suas despesas, como pagamento da remuneração dos seus servidores e a prestação de serviços públicos. Trata-se de um conjunto de regras e princípios que orientam a atividade financeira do Estado, com reflexos na economia, nas instituições políticas e na vida dos cidadãos.

 

O Direito Tributário tem como objeto central a conceituação das modalidades tributárias – o tributo é o gênero que admite como espécies os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições (sociais, profissionais ou corporativas).

 

O Direito Tributário cuida da instituição, da arrecadação e da fiscalização das várias espécies tributárias. Já a justificação da tributação e a discussão da justiça tributária são temas afetos à Ciência das Finanças e ao Direito Financeiro.

 

 

O Direito Tributário tem interfaces com todos os ramos do direito, nitidamente com o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Civil e o Direito Processual Civil.

 

As normas de Direito Tributário são de natureza cogente. Prevalecem os princípios da primazia e da indisponibilidade do interesse público.  

 

Há um princípio oriundo do direito romano, aplicável ao Direito Tributário, segundo o qual a origem dos recursos é irrelevante para a tributação da renda. Consta que o Imperador Vespasiano  (século I d.C) foi censurado pelo seu filho Tito, porque cobrava tributos pelo uso de urinóis em Roma, capital do Império. Irritado com a insolência do filho, o imperador mostrou-lhe algumas moedas, dizendo que o dinheiro não cheira, ou “pecúnia non olet”. Desse modo não havia razão para deixar de cobrar o tributo pelo uso do urinou. O princípio mantém vigência até o hoje, inclusive no sistema jurídico brasileiro.

 

A tutela legislativa da tributação dos atos ilícitos encontra-se na própria Constituição Federal, mormente nos Princípios da Isonomia Tributária (art. 150, II, da CF/88) e da Capacidade Contributiva (art. 145, § 1º, CF/88), bem como na legislação ordinária, particularmente nos artigos 118 e 126, do Código Tributário Nacional-CTN (Lei 5.172/66).

 

O artigo 118, do Código Tributário Nacional, consigna:

 

"A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I- da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II- dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos."

 

Assim, praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei tributária prescreve como fato gerador, está nascido a obrigação para com o fisco. Esta obrigação subsiste independentemente da validade ou invalidade, nulidade ou anulabilidade do ato. “Pecúnia non olet”.

 

Outro princípio característico do Direito Tributário é o da igualdade ou isonomia, segundo o qual se veda o tratamento desigual de contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

 

Os tributos devem ser graduados de acordo com a capacidade econômica do cidadão.

 

 

Neste sentido, a CF/88 igualmente dispõe que os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente, conferir efetividade a esses objetivos e identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

 

Bibliografia

 

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. “Resumo de Direito Tributário”. Ed. Jhmizuno - Leme-SP.

 

Quadro – “Estudo Para Frei Caneca” – Antônio Parreiras - Óleo sobre tela - 1918

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

“Pensamento Social Brasileiro: de Raul Pompeia a Caio Prado Júnior” – Ricardo Luiz de Souza

 “Pensamento Social Brasileiro: de Raul Pompeia a Caio Prado Júnior” – Ricardo Luiz de Souza




 

Resenha Livro - “Pensamento Social Brasileiro: de Raul Pompeia a Caio Prado Júnior” – Ricardo Luiz de Souza – Editora UFU

 

“O conjunto de autores a ser analisado nas páginas seguintes – Raul Pompeia, Olavo Bilac, Lima Barreto, Couto de Magalhães, Roquette Pinto, Nina Rodrigues, Manoel Querino, Roger Batisde, Caio Prado Júnior – é deliberadamente heterogêneo, pois abrange poetas, romancistas, antropólogos, historiadores, entre outros. Trato da obra de diversos intelectuais que viveram e escreveram em um período que abrange, em linhas gerais, as últimas décadas do século XIX e a primeira metade do século XX, embora Batisde e Caio Prado tenham produzido, também, nas décadas seguintes, principalmente Batisde. Estudo, portanto, nove autores que – embora já tenham sido alvo de estudos específicos – nunca foram estudados em conjunto em uma obra especialmente dedicada a eles, o que permite uma análise comparativa e diferenciada de cada um.”.

 

Uma primeira obra, pioneira, do estudo da história das ideais políticas e sociais do Brasil é o livro do jurista e professor de direito da antiga Escola de Recife, Nelson Saldanha.

 

O seu  “História das Ideias Políticas no Brasil”, publicado em 1968, abrange a história das ideias políticas desde o Brasil Colônia até a etapa ligada ao pensamento desenvolvimentista, durante o governo JK (1956-1961). O problema, difícil de ser contornado, é que a história das ideias políticas acabam necessariamente estando diretamente associadas com as instituições políticas vigentes.

 

Ao se falar de ideias políticas, deve-se levar em conta que as mesmas são condicionadas por instituições e determinadas em última análise pelas realidades sócio-econômicas. Assim, chega a ser mesmo difícil de se cogitar das ideias políticas brasileiras nos 300 primeiros anos de colônia. A imprensa, por exemplo, só surgiria em 1808 com a vinda da família real ao Brasil. Não havia escolas e o ensino era de tipo doutrinário e religioso, levado a cabo pelos jesuítas. O analfabetismo não era só a realidade de índios e negros, mas mesmo dos senhores de engenho. Neste passado remoto, o que havia de ideias políticas não podia deixar de estar dissociadas das instituições – o Estado Português, as Ordenações do Reino, as Câmaras Municipais.

 

Assim, a história das ideias políticas de Nelson Saldanha corresponde à história das instituições políticas brasileiras, das constituições, dos ato oficiais emanados do estado, e, frise-se, também de revoltas e rebeliões que de certa maneira se apropriaram de ideias liberais, republicanas ou federalistas, como uma linguagem para promover agitações pela independência, por direitos de nacionalidade, pelo fim da escravidão ou pela república.

 

Já o trabalho de Ricardo Luiz de Souza se volta não tanto para as ideias políticas mas para o pensamento social brasileiro: analisando artistas, jornalistas e intelectuais que pensaram o Brasil entre os fins do XIX e meados do XX, o leitor terá acesso a diferentes propostas de interpretação do país e da identidade nacional, diferentes opiniões sobre o problema racial, sobre a questão do negro e do índio, bem como da mestiçagem, sobre o problema do passado colonial e a forma como a herança colonial atribui um certo sentido ao nosso desenvolvimento histórico.

 

“O acentuado grau de concentração da propriedade fundiária que caracteriza a generalidade da estrutura agrária brasileira é reflexo da natureza de nossa economia, tal como resulta da formação do país desde os primórdios da colonização, e como se perpetuou, em linhas gerais e fundamentais, até os nossos dias.”. (PRADO JR., Caio. 1979).

 

Uma boa parcela dos autores escolhidos por Ricardo Luiz de Souza como representativos do pensamento social brasileiro irão pensar especificamente a questão do negro na sociedade brasileira.

 

Nina Rodrigues, ele próprio um mulato, foi professor de medicina legal na Faculdade de Medicina da Bahia de 1891/1906, e está fortemente influenciado pelo evolucionismo e pelo determinismo racial. Hoje suas ideias estão em completo desuso, mas foi amplamente reconhecido em seu tempo.

 

Claramente, Nina Rodrigues entende, como era comum na sua época, que a raça negra é inferior à branca, chegando mesmo a sugerir a inimputabilidade criminal do preto e a adoção de um código penal específico para pessoas desta raça.

 

Por outro lado, Nina Rodrigues, efetuou uma apaixonada e pioneira defesa dos pacientes portadores de doenças mentais: “a experiência nos mostra que os alienados entre nós precisam de garantias contra todos; contra famílias e particulares que os queiram explorar, contra os próprios poderes públicos que os submetem a tratamentos desumanos”.

 

Nina Rodrigues elabora igualmente uma contundente crítica ao Código Penal Republicano de 1981, questionando a igualdade de direitos e obrigações fundada no direito clássico, que seria somente possível num meio social (e também racial) homogêneo, o que não se verifica no Brasil.

 

Roger Batisde, posteriormente, viria a desenvolver uma teoria social muito mas refinada e acurada sobre o problema racial no Brasil.

 

“Ao mesmo tempo ele (Batisde) define como problemática a inserção do negro – do escravo primeiro, do liberto, depois – nesta sociedade, estudando-a a partir de diferentes prismas. A situação de inferioridade e discriminação na qual o negro foi colocado teria sido introjetada por ele, gerando uma autoimagem negativa. Batisde (1983, p. 143) assinala então, a existência de um “sentimento de inferioridade, que rói o negro”, e acrescenta: “É verdade que, quando se vê que nada vale esse servilismo, revolta-se e é por isso que dissemos que há uma ambivalência nas representações que o preto faz da sua própria cor: dissimula-a e exalta-a ao mesmo tempo”.

 

Contudo, o antropólogo francês, radicado no Brasil, ainda reproduz teses de uma historiografia tradicionalista segunda a qual a escravidão no Brasil teria sido um regime mais brando, ao menos se comparado ao regime escravista em países protestantes, como os EUA[1].

 

Batisde reconhece inclusive a validade da expressão “democracia racial”, mostrando uma filiação ao pensamento de Gilberto Freire. Neste sentido, uma sugestão ao autor deste “Pensamento Social Brasileira” é a de que numa nova edição deste livro, acrescente um capítulo específico de Florestan Fernandes, trabalhando a forma como o sociólogo tratou do problema do negro, com a perspectiva que Emília Viotti denominou de “revisionismo histórico paulista” das teses da democracia racial no Brasil.

 

* Quadro de Françoise Biard - Deux indiens dans un canoë / Deux indiens en pirogue - Séc. XIX - Brasil 



[1] Até mesmo o historiador marxista Caio Prado Júnior de certa forma “capitula”, endossando discretamente esta tese: “Constitui-se assim no grande domínio um conjunto de relações diferentes das de simples propriedade escravista e exploração econômica. Relações mais amenas, mais humanas, que envolvem toda sorte de sentimentos afetivos. E se de um lado estas novas relações abrandam e atenuam o poder absoluto e o rigor da autoridade do proprietário, doutro lado elas a reforçam, porque a tornam mais consentida e aceita por todas”. (PRADO JR., Caio. 1976, p. 289).

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

“Da Monarquia à República” – Emília Viotti da Costa

 “Da Monarquia à República” – Emília Viotti da Costa




 

Resenha Livro - “Da Monarquia à República” – Emília Viotti da Costa – Ed. Unesp – 6ª Edição.

  

“A despeito das transformações ocorridas entre 1822 e 1889, as estruturas socioeconômicas da sociedade brasileira não se alteraram profundamente, nesse período, de modo a provocar conflitos sociais mais amplos. O sistema de clientela e patronagem que permeava toda a sociedade minimizou as tensões de raça e de classe. O resultado desse processo de desenvolvimento foi a perpetuação de valores tradicionais elitistas, antidemocráticos e autoritários, bem como a sobrevivência de estruturas de mando que implicaram a marginalização de amplos setores da população. (...). Reunimos neste volume ensaios escritos em diferentes momentos sobre temas vários relativos à história do Brasil. Nasceram eles de uma preocupação que lhes dá unidade: a de entender a fraqueza das instituições democráticas e da ideologia liberal, assim como a marginalização política, econômica e cultural de amplos setores da população brasileira, problemas básicos do Brasil contemporâneo.”.   

 

Emília Viotti da Costa é natural de São Paulo, formada pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP e livre docente da mesma instituição até 1969 quando foi aposentada pelo Ato Institucional n. 5. 


Lecionou posteriormente em universidades nos EUA. Este livro, que na verdade corresponde a um conjunto de artigos redigidos em momentos diferentes, foi dedicado pela historiadora a Florestan Fernandes, “sem cujo estímulo este livro jamais seria publicado”. 


Seria o caso de situar o trabalho de Viotti da Costa dentro de um grupo maior de historiadores “revisionistas” que buscaram quebrar alguns mitos história do Brasil, especialmente quanto aos temas da escravidão, do abolicionismo e das relações raciais no Brasil. Do grupo fazem parte Otavio Ianni, Floresan Fenandes, além da própria Emília: eles questionam ideias como as da democracia racial, da brandura dos nossos senhores de engenho em relação ao  elemento negro, da harmonia das raças consubstanciadas na figura do mulato, de narrativas que buscam atribuir aspectos simpáticos à tradição patriarcal e ao escravismo. Uma historiografia que inequivocamente encontra sua expressão máxima no Casa Grande e Senzala (1933) de Gilberto Freire. 


Em sentido contrário, uma nova geração de pensadores que buscavam aproximar a história das ciências sociais, argumentava que “os mitos dominantes numa sociedade eram sempre aqueles que ajudariam a manter a predominante estrutura de interesses econômico-comerciais e de convenções sociais”, nas palavras de Otávio Ianni.

 

Esta geração se situa num momento de transformações do pensamento social brasileiro, especialmente com o advento de novas escolas de ciências sociais no país:

 

“Os revisionistas eram produtos da Universidade de São Paulo e de outras instituições análogas, que tinham sido criadas nos anos 30 com a finalidade de formar a nova elite de profissionais e burocratas relativamente independentes das oligarquias tradicionais. Muitos dos cientistas sociais treinados nessas novas instituições tinham saído da classe média e alguns poucos de famílias da classe inferior. Alguns eram mulatos, mas não sentiam o mesmo embaraço de Machado quando falavam a respeito de suas origens modestas. Não dependiam do tradicional sistema de clientela e patronato. Adquiriram seu status mediante sua afiliação com as novas instituições. Sua audiência também era diferente. Como parte do processo de criação de uma nova elite cultural, o ensino universitário tinha sido democratizado. Cursos noturnos iniciaram-se em 1946, imediatamente após a queda de Vargas. Os novos estudantes, como seus professores, representavam um novo estrato social e também estavam prontos para participar da crítica aos mitos tradicionais”.

 

O acerto de contas com as tradições intelectuais do passado, com a história oficial, que apenas enuncia os grandes eventos em sequencia cronológica, bem como o combate a alguns mitos (como o da democracia racial) perpassam os artigos da historiadora reunidas neste volume. 


Por exemplo, quanto ao tema do advento da República no Brasil. Os dois últimos capítulos do livro, “Sobre as origens da República” e “A proclamação da república”, discutem exaustivamente a forma como a historiografia tradicional buscou explicar o 15 de Novembro.  


A maior parte da historiografia consolidada sobre o fim do império e o advento da república se baseia na interpretação partidária da crônica da época, ora pró ora contra a República. Monarquistas como Oliveira Vianna, Eduardo Prado e Visconde de Taunay e republicanos como Felício Buarque e Silva Jardim, acabaram sendo as fontes prioritárias com que os historiadores buscaram explicações para o fim do II Império, deixando de lado as transformações econômico e sociais, o desenvolvimento de ferrovias, da navegação a vapor, a introdução de novas técnicas de produção na agricultura, o esboço ou primeiros passos de um capitalismo industrial, a crise do sistema escravista, a imigração, a diversificação da economia, o aumento da população de 3 milhões (1822) para 14 milhões (1880), a urbanização,  a organização de instituições de crédito, estabelecimentos industriais: tudo a sugerir que a instituições políticas do Império não mais acompanhavam as transformações econômico e sociais que se processaram durante a segunda metade do século XIX, com novas aspirações e novos conflitos sociais em cena. 


Neste ponto, a historiadora chama atenção para o fato de que historiadores marxistas como Nelson Werneck Sodré, Leôncio Basbaum e Caio Prado Júnior acabaram sendo pioneiros na busca de explicações sobre o fim do II Império através dos sentidos materiais do processo histórico, da inadequação do regime político diante das transformações sociais e econômicas, indo além das múltiplas narrativas criadas pelos personagens do momento.

 

Após a democratização a professora recebeu em 1999 o título de professora emérita da USP. Emília Viotti da Costa faleceu em 2 de novembro de 2017, aos 89 anos, de em São Paulo.