quinta-feira, 29 de agosto de 2019

“O Socialismo e a Guerra – A atitude do POSDR em relação à guerra” – V. I. Lênin


“O Socialismo e a Guerra – A atitude do POSDR em relação à guerra” – V. I. Lênin 




Resenha Livro - “O Socialismo e a Guerra – A atitude do POSDR em relação à guerra” – Lênin – Edições “Avante!” - Com base nas Obras Completas de V. I. Lênin, 5ª ed.

“O marxismo não é pacifismo. É necessário lutar pela mais rápida cessação da guerra. Mas só com o apelo à luta revolucionária a reivindicação de «paz» adquire um sentido proletário. Sem uma série de revoluções a chamada paz democrática é uma utopia filistina. O único verdadeiro programa de acção seria o programa marxista, que dá às massas uma resposta completa e clara sobre aquilo que aconteceu, que explica o que é o imperialismo e como combatê-lo, que declara abertamente que a falência da II Internacional foi provocada pelo oportunismo, que apela abertamente a edificar uma Internacional marxista sem e contra os oportunistas”

Já foi dito que a guerra é a continuação da política por outros meios, a saber, pela violência. A ideia, originalmente lançada por Clausewitz, é compartilhada por Lênin que, neste escrito, desenvolve uma ampla explicação sobre as relações entre a guerra mundial imperialista, então em curso, a capitulação de amplos setores da social democracia europeia ante o conflito, com a votação no parlamento dos créditos de guerra, e as tarefas do movimento.

O panfleto igualmente aborda de forma justa o problema da guerra para o marxismo revolucionário: a necessidade da mobilização ilegal nos países envolvidos na guerra, denunciando-a e a estratégia de transformar a guerra imperialista em guerra civil, desde a confraternização nas trincheiras de soldados de diferentes nações até a luta contra o governo. É preciso destacar que era necessário muita coragem para se desenvolver a atividade clandestina proposta pelos revolucionários russos: fazer campanha contra a guerra no curso da guerra era causa de pena de morte. Com isso, oportunistas e capitulacionistas se colocavam contra a atividade ilegal.

“Numa guerra reacionária a classe revolucionária não pode deixar de desejar a derrota do seu próprio governo”. Este é o ponto central sobre o qual as forças revolucionárias deveriam desenvolver sua atividade clandestina.

Este manifesto de cerca de 50 páginas foi redigido entre julho e agosto de 1915, com a guerra mundial imperialista já em curso portanto. Lênin encontrava-se então exilado mas politicamente ativo – poucos meses depois em 5-8 de Setembro de 1915 os revolucionários russos participariam da  conferência socialista internacional de Zimmerwald, por iniciativa de socialistas italianos e suíços, evento que o próprio Lênin chamaria de primeiro passo no desenvolvimento do movimento internacional contra a guerra.

A luta política em curso dentro do movimento socialista internacional dizia respeito então à capitulação dos principais partidos socialistas europeus ante sua burguesia. O social-chauvinismo denunciado por Lênin envolve a mistificação junto aos operários mais atrasados segundo a qual a defesa da pátria na presente guerra seria a política correta, em que pese trata-se, concretamente, de uma guerra inter-imperialista.

Num passado não tão remoto a burguesia vivera seu ciclo de revoluções, desde 1789 com a Revolução Francesa, até 1871, desde a Comuna de Paris. Tratava-se então da etapa em que a burguesia desenvolve e expande o capitalismo em face do absolutismo e do feudalismo. Realidade distinta da Guerra Mundial que é produto da etapa imperialista do capitalismo, quando nada menos do que 6 potências escravizam mais de 500 milhões de pessoas nas colônias.

Lênin já começa o seu artigo, por sinal, estabelecendo uma distinção clara entre a posição dos marxistas sobre a guerra e a posição de anarquistas e pacifistas. Vejamos:

“Os socialistas sempre condenaram as guerras entre os povos como coisa bárbara e brutal. Mas a nossa atitude em relação à guerra é fundamentalmente diferente da dos pacifistas (partidários e pregadores da paz) burgueses e dos anarquistas. Distinguimo-nos dos primeiros pelo facto de compreendermos a ligação inevitável das guerras com a luta de classes no interior do país, de compreendermos a impossibilidade de suprimir as guerras sem a supressão das classes e a edificação do socialismo, e também pelo facto de reconhecermos inteiramente o caráter legítimo, progressista e necessário das guerras civis, isto é, das guerras da classe oprimida contra a classe opressora, dos escravos contra os escravistas, dos camponeses servos contra os senhores feudais, dos operários assalariados contra a burguesia”.

Fica claro que tanto os defensores do social-chauvinismo e portanto da vitória do seu governo imperialista em detrimento do outro; e os defensores da palavra de ordem “nem vitória, nem derrota[1]”, adotam o mesmo ponto de vista burguês. Mais uma vez, numa guerra reacionária, a classe revolucionária não pode ter outro desejo senão a derrota do seu governo: o que parece abstrato ao leitor efetivamente se materializa com a confraternização dos soldados no front e nos desejos dos operários mais conscientes no sentido de transformar a guerra imperialista em guerra civil. Na Rússia, a maioria do proletariado apoia a fração dirigida por Lênin, contra os setores capitulacionistas e liquidacionistas.

O oportunismo perpetrado por Kautsky e Plekhanov  dizem respeito à fidelidade ao marxismo apenas em palavras e à submissão de fato da social democracia à burguesia.

Na prática, trata-se da guerra entre os opressores da maioria das nações do mundo, pelo reforço e alargamento da opressão. Nestes termos, um aspecto interessante suscitado nos últimos capítulos do panfleto diz respeito sobre a premência do marxismo revolucionário romper, naquele contexto, com o social-chauvinismo. Lênin já suscita a falência da II Internacional, diante do apoio da maioria dos partidos às suas respectivas burguesias na guerra. A atuação conjunta do marxismo revolucionário junto à social-democracia poderia engendrar confusão no seio das fileiras operárias acerca da política correta a se seguir. Numa situação dramática, a escolha da política correta assume consequências de longo alcanc, mais do que decisivas.  É como se a situação dramática da guerra exigisse que os revolucionários traçassem no chão uma linha definitiva de diferenciação entre a reforma e a revolução, a salvaguarda do capitalismo e sua destruição.

Se a guerra é a continuação da política pelos meios violentos, os critérios da guerra progressista/justa e guerra reacionária/injusta são um ponto de partida para apuração da linha a se seguir. Uma guerra de defesa à agressão imperialista como a que o Japão perpetrou contra a China entre os anos 30-40 do século passado certamente é uma guerra progressista e justa. Da mesma forma, uma agressão militar neocolonial e imperialista norte-americana sobre governos democrático-populares na américa latina devem ser justamente rechaçados. Não se trata portanto de uma condenação hipotética e idealista da guerra, mas da sua interpretação sobre o crivo da luta de classes dentro de um horizonte anticapitalista.




[1] Posição centrista adotada por Trótsky e denunciada neste panfleto por Lênin.

domingo, 25 de agosto de 2019

“Mao – O Processo da Revolução” – Márcio Bilharinho Naves


“Mao – O Processo da Revolução” – Márcio Bilharinho Naves



Resenha Livro - “Mao – O Processo da Revolução” – Márcio Bilharinho Naves – E. Brasiliense

"Na sociedade socialista continuam a existir as classes e a luta de classes, a luta entre a via socialista e a via capitalista. Não é suficiente a revolução socialista apenas na frente econômica, relativamente à propriedade dos meios de produção, o que não permite assegurar as suas conquistas. E preciso também uma Revolução Socialista conseqüente na frente política e ideológica" MAO TSÉ TUNG.

Um aspecto que certamente diferencia a revolução chinesa das demais experiências revolucionárias socialistas ao longo do século XX é o seu aspecto de longa duração. Entre 1921 quando da fundação do Partido Comunista Chinês em Xangai e a vitória final do exército vermelho sobre o Koumitang em 1949 com a proclamação da República Popular da China em Pequim por Mao passaram-se 28 anos. Praticamente três décadas de guerra civil e de mobilização geral do povo chinês contra a intervenção imperialista japonesa que vai de 1931 até 1945 com a derrota dos japoneses.

Neste contexto, este livro, dedicado ao relato da trajetória de vida e das ideais de Mao Tsé Tung, chama atenção para aquela que seria a principal contribuição do processo revolucionário chinês. Contribuição no sentido de suscitar lições históricas de seus feitos e derrotas: o problema da teoria da transição socialista que na China assumiu contornos dramáticos, particularmente diante da Revolução Cultural.

Mao Tsé Tung nasceu em 1893 na província de Hunan, no sul da China. Veio de uma família de camponeses dentro de uma estrutura familiar rígida e patriarcal, dentro da qual o pai era autoridade incontestada, muitas vezes surrando os filhos, privando-lhes de dinheiro e comida. Consta que a mãe de Mao, por outro lado, era uma pessoa amável e generosa. Costumava doar arroz aos pobres escondida do marido que não aceitava tal comportamento. Mao trabalhava nos campos desde o 6 anos de idade, tarefa que acumulou com os estudos aos 8 anos. Aos 16 anos o futuro revolucionário deixou sua casa definitivamente matriculando-se na escola primária de XiangXiang.

Em 1919 já em Pequim Mao Tsé Tung consegue um cargo de bibliotecário na Universidade. O futuro dirigente faz cursos e integra um grupo de estudos marxistas fundado por Lin Dazhao. Em 1921 dá-se a o primeiro congresso do Partido Comunista Chinês – apenas um ano anos antes da fundação do nosso PCB aqui no Brasil.

Compareceram ao congresso 13 militantes, entre os quais Mao Tsé Tung e representantes do Komitern. Num primeiro momento o programa do partido recusa a colaboração de classes com a burguesia nacional defendendo assim a independência política e de classe do partido. Tal orientação seria alterada já no 3º Congresso do PCC sob a influência da III Internacional. Havia uma política que poderíamos chamar de etapista no horizonte da internacional segundo a qual os modos de produção suceder-se-iam, do feudalismo, ao capitalismo, do capitalismo, ao socialismo. Países semi-coloniais com heranças feudais como a China deveriam defender não a revolução socialista mas a revolução democrático-burguesa, estabelecendo aliança com a burguesia nacional para aniquilar as classes feudais que na China efetivamente se revelavam na classe dos senhores de terra e da burguesia compradora. Este política orientada no sentido da revolução democrático-burguesa teria como resultado a defesa de uma aliança política com o partido nacionalista Koumitang.

Os dirigentes do Koumitang pertencem às classes dos proprietários, à burguesia nacional, aos bancários e aos industriais. Em 12.4.1927 ocorre o massacre de Xangai das tropas nacionalistas de Chiang Kai Shek sobre os comunistas. É importante salientar que a China tinha uma particularidade que de certa forma possibilitou a articulação do Partido Comunista e sua mobilização de milhões de camponeses e trabalhadores. A China fora alvo de uma disputa interimperialista desde tempos remotos e seu território é disputado pelo imperialismo inglês e japonês – do ponto de vista militar, os comunistas deveriam tirar proveito das divisões do campo inimigo para avançar. É a própria divisão do campo imperialista que permite a aliança do Koumitang com o PCC na luta patriótica contra o invasor Japonês.

Seja como for, foi o exército comunista que suportou o grosso das batalhas contra o invasor japonês, particularmente entre 1941-1942. De modo que no término da guerra patriótica com a derrota do Japão verificou-se que o exército comunista saiu fortalecido. Havia uma diferença mesmo de concepção do exército que fora propugnado por Mao e pelos marxistas chineses. O exército deveria ser a expressão armada dos interesses e aspirações do povo. A libertação territorial do exército vermelho era acompanhada da abolição da prostituição, fim da escravização de crianças e do comércio e consumo de ópio. Mao defendia inclusive uma política de clemência com relação aos prisioneiros de guerra japoneses. Estes não eram humilhados e mortos: eram antes convencidos pela persuasão a se integrar a tropas internacionalistas contra os japoneses ou então eram simplesmente liberados. Os japoneses explicitamente tinham a orientação de aniquilar, destruir e matar. E o Koumitang intervinha de forma arbitrária, perpetrando a violência e opressão contra as massas camponesas.  

No que se refere às ideias e formulações teóricas de Mao Tsé Tung, três temas parecem ser mais salientados, conforme a etapa da própria luta revolucionária na China. Os temas de política e da arte militar; os temas da filosofia como expressão da luta de classes na teoria, destacando-se os problemas da contradição e da dialética; e a teoria da transição que surge no contexto da Revolução Cultural.

Não estamos de acordo com de Márcio B. Naves com relação ao problema da transição na China não ter sido levado até as últimas consequenciais, por exemplo, através da política de disseminação das comunas, ignorando, assim, a natureza política da ditadura de classe desde a orientação leninista, que não prescinde do partido, do estado e do controle social dos meios de produção. Também não parece apropriado caracterizar a China de 1950 como país cuja forma social é a do capitalismo de estado.

A possibilidade da restauração capitalista através de movimentos supostamente “democráticos” foram, como demonstra os exemplos do leste europeu, nada mais do que contra-revoluções de veludo, na expressão de Ludo Martens. Contudo, parece certo que a Revolução Chinesa efetivamente levou a níveis talvez não antes vistos o problema da transição socialista, a relação entre a propriedade dos meios de produção e o partido, a questão da divisão social do trabalho e as necessidade objetiva de desenvolvimento das forças produtivas para o alcance de novas relações de produção socialistas.       




quarta-feira, 21 de agosto de 2019

“O Trotskysmo A Serviço da CIA Contra Os Países Socialistas” – Ludo Martens


“O Trotskysmo A Serviço da CIA Contra Os Países Socialistas” –Ludo Martens



Resenha – “O Trotskysmo A Serviço da CIA Contra Os Países Socialistas” –
Ludo Martens – 20 de Outubro de 1992 – Para a História do Socialismo – Tradução: Fernando A. S. Araújo



O problema da restauração capitalista na URSS e outros países do leste europeu como a Polônia e a Hungria, bem como o significado de mobilizações supostamente “democráticas” apoiadas pelo imperialismo ainda gera muita confusão nas fileiras da esquerda. Neste momento, uma onda de protestos em Hong Kong, articulada por estudantes financiados e apoiados pelo imperialismo britânico e norte-americano, é vista com simpatia por setores da esquerda pequeno-burguesa que veem os protestos como uma luta política, democrática e anti-burocrática. O PSOL lançou uma carta pública apoiando as manifestações. Considerando ser um partido de diversas tendências, subtende-se que todas as correntes internas do partido têm a mesma opinião.



Não faz muito tempo e estes mesmos setores viam com simpatia as mobilizações de rua na Ucrânia, atos que culminaram na ascensão da extrema direita naquele país e no assassinato em praça pública de militantes de esquerda. Setores mais tresloucados como o Movimento Esquerda Socialista (MES) e a Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST), ambos do PSOL, apostaram na frente única com os movimentos de rua articulados por provocadores financiados pelos EUA para desestabilizar Maduro na Venezuela.



Já o PSTU em pleno regime de estado de exceção no Brasil hesita em caracterizar os acontecimentos políticos de 2016 como um golpe de estado perpetrado pela direita e pela extrema direita, já que PT e PSDB seriam irmãos siameses, representantes ocasionais dos mesmos interesses da burguesia nacional e do imperialismo.



Toda a mistificação em torno da luta “democrática” e “anti-burocrática” da esquerda pequeno-burguesa, revisionista e trotskysta encontra explicação na própria tradição. Daí o vivo e atual interesse na leitura deste artigo do comunista belga Ludo Martens. O que há como denominador comum, neste caso, é a orientação política anti-comunista, de combate ao que se caracteriza como “stalinismo” por meio de uma frente que historicamente envolveu todos os elementos mais interessados na restauração capitalista e na aniquilação do marxismo-leninismo: do imperialismo ao nacionalismo e fascismo. A frente única com forças políticas da burguesia e da reação contra o que chamam de estados operários degenerados. A defesa de movimentos pró-imperialistas como a mobilização dos estudantes Tian Na Men no ano de 1989, a defesa pelos trotskystas (como Mandel) da Glasnost de Gorbatchov, passando pela apologia do multipartidarismo com a liberdade de criação de partidos burgueses anti-comunistas.



É interessante destacar que já nos anos de 1930, Joseph Stálin chamava atenção para o fato de que a luta de classes persiste como uma realidade objetiva e concreta na construção do socialismo, sendo possível a restauração capitalista, seja por meios violentos, seja por meios paulatinos e graduais. Trótsky posicionou-se de forma oportunista afirmando ser impossível a restauração capitalista na URSS sem um nível de violência dez vezes mais contundente do que a revolução de outubro. Os fatos da história dariam razão a Stálin: o socialismo na URSS foi sendo minado paulatinamento por dentro a partir de 1956, num processo que Ludo Martens caracteriza como contra-revolução de veludo. A Glasnost de Gorbatchov preparou de forma sistemática os espíritos para a restauração integral do capitalismo e, sintomaticamente, é no período da chamada abertura que nomes como Trótsky, Zinoviev e Bukharin são reabilitados na URSS.  Em 1989 no momento do assalto final da contra revolução na URSS os trotskystas da IV Internacional dirigidos por Mandel lançam a palavra de ordem de “solidariedade com a revolução que começa no leste”.



O trotskysta Mandel defende o solidariedade da Polônia, instrumento político que engendrou a aniquilação do socialismo e a restauração do capitalismo naquele país, tudo sempre sob a fraseologia esquerdista típica dos oportunistas, tratando o movimento como uma luta “anti-burocrática”, ou de jovens contra velhos, etc. O mesmo apoio foi dado à chamada primavera de praga de 1968 que nada mais foi do que uma contra-revolução de caráter social democrata. Vale dizer que Fidel Castro apoiou a repressão soviética, revelando sua coragem e coerência nos momentos difíceis.



Não é preciso salientar que o multipartidarismo defendido já pelos trotskystas nos anos de 1930-40 vai em sentido contrário da experiência soviética ao tempo de Lênin:



“Sim, é verdade que Lénine proibiu os partidos sociais-democratas, isto é, os mencheviques e os socialistas-revolucionários. Isto porque, na guerra civil, eles combateram ao lado do tsarismo, da burguesia e das forças intervencionistas; e porque foram esmagados juntamente com as forças feudais e burguesas. Lénine sublinhou várias vezes que um representante inteligente da grande burguesia, como Miliukov, compreendia perfeitamente que, numa primeira fase, só um partido de «esquerda», social-democrata, teria possibilidades de arrastar as massas para a luta antibolchevique. É por isso que Miliukov contentar-se-ia com mera legalização de um partido social-democrata...”



Mais recentemente, segundo Ludo Martens, trotskystas buscaram infiltrar-se em organizações como a Frente Sandinista e o Partido Comunista Cubano, denunciado sempre aqueles que são seus inimigos principais: não os fascistas que apoiaram desde a Ucrânia, nem os interesses multi-milionários do imperialismo britânico e norte americano na China, mas ao movimento comunista internacional.



Contudo, a prática é o critério da verdade e a vida vai ensinando os desavisados que o trotskysmo efetivamente continua sendo aquilo que Stálin o caracterizou há mais de meio século: “o trotskysmo é a socialdemocracia de direita, adornada com um fraseado de esquerda”.  

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

“O Menino Grapiúna” – Jorge Amado


“O Menino Grapiúna” – Jorge Amado



Resenha Livro - “O Menino Grapiúna” – Jorge Amado – Ed. Companhia das Letras

O Menino Grapiúna foi livro publicado em 1981 quando Jorge Amado já era um escritor consagrado no país e no estrangeiro. Vinte anos antes o escritor baiano assumira a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras (1961).

Jorge Amado é provavelmente o escritor brasileiro mais conhecido e lido fora do país – no ano de 1971, por exemplo, o autor é convidado para acompanhar um curso sobre sua obra na Universidade de Pensilvânia nos EUA. O que é notável, neste caso, é a forma como o autor consegue suscitar obras tanto reconhecidas pela crítica especializada quanto pelo público: em que pese as nuanças que marcam a evolução de sua obra, há sempre uma abordagem de pessoas e ambientes que realçam aspectos da cultura popular.

No caso uma narrativa não só sobre o povo, mas para o povo: “Gabriela, Cravo e Canela” de 1958 e “Tieta do Agreste” de 1977 foram retratadas na forma de novela televisiva, possibilitando um vínculo raro entre arte popular amplamente acessível, sem, com isso, redundar em narrativas improváveis, em personagens superficiais antes parecidos com caricaturas. Aliás, se há algo a ser reiterado nos livros de Jorge Amado é um certo realismo regionalista que o escritor tivera como referência a partir da geração modernista nordestina… No caso, geração crítica dos modernistas paulistas de 1922 – tendo como expoente Gylberto Freire[1] na sociologia, além de Rachel de Queiróz, Graciliano Ramos e José Américo de Almeida. Aliás, consta que o “A Bagaceira” de José Américo marcaria profundamente Jorge Amado.

É comum situar a evolução da produção literária de Jorge Amado em duas etapas. A primeira fase dialoga explicitamente com o envolvimento pessoal do escritor com o Partido Comunista Brasileiro.  Ainda muito jovem o escritor se aproxima do partido e, em 1936, é preso sob a acusação de ter participado da chamada “intentona comunista” um ano antes. Com o advento do Estado Novo em 1937 é detido mais uma vez e consta que seus livros teriam sido queimados em praça pública em Salvador.

Nos anos de 1940, Jorge Amado viaja à Argentina e Uruguai, dedicando-se à pesquisa sobre a vida de Luís Carlos Prestes, pesquisa que resultará no livro “A vida de Luís Carlos Prestes”, posteriormente rebatizado como “O cavaleiro da esperança”. Em 1946 é eleito deputado pelo Partido Comunista – em 1947 seu mandato é cassado pouco após o PCB ser colocado na ilegalidade no Governo Dutra.

Como relataria posteriormente, Jorge Amado assumiria as tarefas político-partidárias antes como uma imposição da situação do que por uma vocação pessoal. Consta que o escritor afastou-se definitivamente da militância político-partidária em 1954, dois anos antes do fatídico XX Congresso do PC soviético quando Kruschev levou adiante a política liquidacionista de “denúncia contra os crimes de Stálin”. A verdade é que o escritor baiano abandonou a militância para poder dedicar-se com exclusividade à literatura – mas o certo é que a tonalidade política das obras mudam. É o caso de cotejar Gabriela, Cravo Canela de 1956 com obras que tinham entre seus aspectos decisivos a denúncia das iniquidades sociais, como a dura vida das crianças de rua em “Capitães de Areia” (1937) e a situação dos trabalhadores das fazendas de cacau em “Cacau” (1933).

“Menino Grapiúna” corresponde a lembranças de infância do escritor. Nascido em 1912 em Itabuna na Bahia, uma das primeiras imagens que lhe exsurge foi uma tentativa de emboscada de jagunços quase perpetrando o assassinato do pai. A vida no sul da Bahia valia pouco, muito menos do que um torrão de terra ou uma aposta no baralho.  

O relato tem a forma de momentos e não uma narrativa com começo, meio e fim. Os momentos são descritos sob a forma de imagens, luzes sobre o passado que vão sugerindo a formação do homem dentro daquelas condições sociais desde o sul interiorano da Bahia. 

A infância de Jorge Amado dá-se em meio aos matutos, coronéis, padres do seminário e prostitutas que acolhiam a criança nos seus seios como se suas mães fossem.

“Entre jagunços, aventureiros, jogadores, o menino crescia e aprendia. Aprendeu a ler antes de ir à escola, nas páginas do jornal A Tarde"

O livro remete aos aspectos culturais do Brasil colonial retratado por Gyberto Freire e que ficariam conhecidos como o sistema da democracia racial: a religião tendo forma doméstica, os santos nos interiores das casas, o catolicismo misturado com crendices, a miscigenação racial, o poder patriarcal vinculado ao domínio da terra, a aparente lhaneza no trato e cordialidade convivendo com a violência arbitrária dos coronéis. Um retrato comovente, mas parcial, na medida em que omite, mais ou menos intencionalmente, as lutas sociais, sob pena de se incorrer num relato ideológico:

“Não serão as ideologias por acaso a desgraça do nosso tempo? O pensamento criador submergido, afogado pelas teorias, pelos conceitos dogmáticos, o avanço do homem travado por regras imutáveis?

Sonho com uma revolução sem ideologia, onde o destino do ser humano, seu direito a comer, a trabalhar, a amar, a viver a vida plenamente não esteja condicionado ao conceito expresso e imposto por uma ideologia, seja ela qual for. Um sonho absurdo? Não possuímos direito maior e mais inalienável do que o direito ao sonho. O único que nenhum ditador pode reduzir ou exterminar”.  

A violência relacionada à luta pela terra surge na memória da criança como uma fatalidade: a ausência de uma teoria implica com frequência na naturalização da arbitrariedade.


[1] Em 1926, o Congresso Regionalista, encabeçado por Gilberto Freyre, condena o modernismo paulista por “imitar inovações estrangeiras”