sábado, 12 de novembro de 2022

“Oscarina” – Marques Rebelo

 “Oscarina” – Marques Rebelo




 

Resenha Livro - “Oscarina” – Marques Rebelo – Ed. José Olympio

 

“Na ficção de Marques Rebelo cumpre-se uma promessa que o Modernismo de 22 apenas começara a realizar: a da prosa urbana moderna. Com a diferença notável de que o escritor carioca não rompeu os liames com a tradição do nosso melhor realismo citadino. A sua obra insere-se, pelos temas e por alguns traços de estilo, na linha de Manuel Antônio de Almeida (de quem escreveu uma viva biografia), de Machado de Assis e Lima Barreto. Com eles, o autor de Oscarina aprendeu a manejar os processos difíceis do distanciamento, o que lhe permitirá contar os seus casos da infância e do cotidiano com uma objetividade tal que a ironia e a pena difusas não o arrastariam ao transbordo romântico.” (BOSI, Alfredo.)

 

Marques Rebelo (1907/1973) é o pseudônimo do escritor carioca Eddy Dias da Cruz. Nasceu no bairro de Vila Isabel, no subúrbio do Rio de Janeiro, mudando-se ainda criança para Barbacena/MG, onde fez o curso primário.

 

Terminado o preparatório, matriculou-se na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, sem, contudo, concluir o curso, partindo para o trabalho no comércio.

 

Os seus romances e contos mais importantes foram escritos entre 1930/1940, tendo sido eleito, em 1964, para a Academia Brasileira de Letras.

 

“Oscarina” é o seu primeiro livro, publicado no ano de 1931 e saudado positivamente pela crítica.

 

Trata-se de um livro de contos, cuja maior ênfase é a da descrição do mundo suburbano do Rio do Janeiro do início do século XX: da realidade de donas de casa, trabalhadores de empregos modestos, pequenos funcionários públicos, professoras, estudantes, moças solteiras atrás de casamento, crianças brincando na rua. Ainda que seja visível a modernização da cidade com seus bondes, jornais e comércio, o Rio de Janeiro, e especialmente o subúrbio, ainda tinhas aspectos rurais, parecidos com as cidades do interior. A revolução industrial e o frenesi imobiliário atacaram diretamente a orla das praias e a região central, mas só lentamente foram alterando a fisionomia da zona dos morros. Consta que Rebelo fora um nostálgico deste Rio de Janeiro ainda não fulminado pela modernidade, da qual ele retrata conforme suas lembranças da infância.

 

Ainda que tenha tido contato com modernistas de São Paulo e Minas Gerais, Rebelo parecer seguir uma trilha à parte do movimento de 1922. Há, antes, uma linha de continuidade de nosso autor e escritores como Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto. Poder-se-ia, todavia, situá-lo como escritor mais próximo da chamada Geração de 1930 da 2ª Fase do Modernismo Brasileiro. De uma certa forma, as descrições que Graciliano Ramos fazia dos elementos médios citadinos de Alagoas ou que Jorge Amado fazia do povo baiano  é parecida com as histórias do subúrbio carioca de Marques Rebelo. Ambas superam uma descrição estereotipada dos tipos populares da cidade.

 

No caso específico de Rabelo, os personagens são tratados de forma intimista, ainda que com uma certa objetividade e equidistância, segundo as quais o nosso escritor poderia ser caracterizado como um neorealista.

 

A reprodução da linguagem popular e a clareza da exposição se combinam com sondagens psicológicas dos personagens, cujos retratos já remetem à superação da forma com que a literatura do século XIX tratava os tipos do povo. Dentro da nova perspectiva modernista, o povo é retratado captando-se suas complexidades e contradições, nem sempre estando adaptados ao meio social em que estão inseridos. Há, aqui, uma superação da forma como os escritores naturalista tratavam os elementos oriundos do povo, qual seja, de uma forma ainda superficial, previsível,   às vezes caricatural e eventualmente pouco distinguindo as pessoais (e suas individualidades) e o meio social. Em livros como “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo, as personagens do subúrbio parecem formar uma unidade. Já no Rio de Janeiro de Rabelo, se verifica certamente uma harmonia entre as personagens e o meio carioca, com o acréscimo de retratar as cogitações íntimas de personagens, que aparecem mais humanos, ao se revelar  mais nitidamente suas contradições. E, por esta razão, é uma literatura mais realista.