terça-feira, 31 de outubro de 2017

“O Papel da Violência na História” – Friederich Engels

“O Papel da Violência na História” – Friederich Engels



Resenha Livro - “O Papel da Violência na História” – Friederich Engels – Tradução Eduardo Chitas – Obras Escolhidas em três tomos – Editorial Avante!

           
Este manuscrito foi redigido por Engels entre fins de Dezembro de 1887 e Março de 1888. Foi publicado pela primeira vez na revista Die Neue Zeit nº 22-26 entre 1897-1896.

O trabalho faz uma reflexão histórica sobre o processo de unificação tardia do estado alemão conduzido pela Prússia, bem como os arranjos diplomáticos, guerras e disposição das classes sociais em Europa ao longo do século XIX. Ao se apropriar de uma orientação teórico metodológica baseada no materialismo histórico, o relato não segue a orientação da velha história positivista dos Grandes Eventos, linear e cronológica, mas antes, uma história dotada de sentido que se perfaz a partir da luta encarniçada entre as classes sociais, num contexto em que a burguesia – já desde de a Revolução Francesa de 1789 e das Revoluções de caráter nacionalista, liberal e democrática de 1848 – granjeia posição de classe dominante.           
          
Em que pese Marx e Engels não terem dedicado um trabalho específico acerca do que se pode referir como teoria ou filosofia da história, são amplas as pistas que revelam o procedimento para uma teoria crítica com vocação a apreender as contradições e a totalidade dos fenômenos do passado desde o ponto de vista do materialismo histórico. Já na Ideologia Alemã (1945), em sua polêmica em face do sistema filosófico idealista alemão e ao materialismo contemplativo de Feuerbach, há indicação de que não são as ideias que movem a história mas antes a base material de produção a partir da qual se engendra as formas de sociabilidade, o estado e as ideias.  

Assim sintetiza Marx:

“Eis portanto os fatos: indivíduos determinados com atividades produtivas segundo um modo determinado entram em relações sociais e políticas determinadas. Em cada caso isolado, a observação empírica deve demonstrar nos fatos, e sem nenhuma especulação ou mistificação, a ligação entre a estrutura social e a política e a produção. A estrutura social e o Estado nascem continuamente do processo vital de indivíduos determinados; mas estes indivíduos não são tais como aparecem na representação que fazem de si mesmos ou na representações que fazem os outros deles, mas na sua existência real, isto é , tais como trabalham e produzem materialmente: portanto, do modo como atuam em bases, condições e limites materiais determinados e independentes de sua vontade".

Assim temos em A Ideologia Alemã especialmente presente a ideia do materialismo histórico, o combate ao idealismo da filosofia da história, de tipo especulativa, segundo a qual a Ideia ou o Homem, movem as relações materiais. Entendem Marx e Engels já em 1945 por outro lado que as relações entre os modos de troca e o desenvolvimento determinado das forças produtivas é que ao longo da história foram engendrando as representações da ideia, da noção do homem sobre si mesmo, da religião ou mesmo do estado.
            
Poucos anos depois, no Prólogo de Engels à Edição Alemã de 1883 do Manifesto Comunista, fica evidente dois aspectos dentro do materialismo histórico: uma história dotada de sentindo e mesmo uma orientação teleológica segundo a qual o caminho necessário do desenvolvimento histórico caminha para uma polarização mais aguda entre proletários e burgueses até uma resolução final.

“A produção econômica e a estrutura social que necessariamente dela se deriva em cada época histórica constituem a base sobre a qual descasa a história política e intelectual dessa época...Portanto, toda a história da sociedade da sociedade, desde a dissolução do regime primitivo de propriedade coletiva sobre o solo, tem sido uma história de lutas de classes exploradoras e exploradas, dominantes e dominadas, nas diferentes fases do desenvolvimento social. Agora esta luta chegou a uma fase em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não pode emancipar-se da classe  que a explora  e a oprime (a burguesia), sem emancipar ao mesmo tempo, para sempre, a sociedade inteira da exploração, da opressão e da luta de classes”.

Importante ressaltar que dentro desta ordem de ideias, as sucessões de modo de produção desde o escravismo, feudalismo e capitalismo constituem a pré-história da humanidade que em face da superação da sociedade cingida em classes sociais e com o fim da propriedade privada (expressão jurídica da forma do capital) revelaria o início da história propriamente dita.

O conceito de determinação de que fala Althusser segundo o qual a totalidade das relações de produção correspondente a determinado grau de desenvolvimento de forças produtivas constitui a estrutura econômica da sociedade sob a qual se eleva uma superestrutura jurídica/política e que engendra diferentes formas sociais de consciência. Ou nas palavras de Marx, em “Contribuição da Crítica da Economia Política”, não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário é o seu ser social que determina sua consciência.

Em face destes pressupostos teórico metodológicos, Marx e Engels redigiriam trabalhos sobre história que irão se apropriar do materialismo histórico, buscando delimitar as relações entre as mudanças correspondentes ao desenvolvimento das forças produtivas, o gradual processo de sucessão dos meios de produção e os processos políticos eivados de violência que corroboram para ascensão de novas classes sociais no Poder.

O caso alemão é considerado por suas particularidades neste “O Papel da Violência na História”: sua unificação é tardia, sua classe burguesa é fraca politicamente, fazendo com que o processo de conformação do estado nacional seja dirigido não por meios burgueses mas pelo modo bonapartista cuja figura expoente de Bismarck e os Junkers, nobreza ligada à grande propriedade de terra, é dirigente. Por outro lado, a fragmentação do território alemão, com diferentes legislações aduaneiras, diferentes moedas, diferentes tribunais e ausência de uma nacionalidade que colocasse em proteção os mercadores no estrangeiro inviabiliza o desenvolvimento econômico capitalista. A violência da Prússia ao se constituir como estado unitário e sua participação em Guerras terá como fundo o escopo de garantir a unidade nacional e franquear o desenvolvimento capitalista:

“(...), era desejo impetuoso do comerciante e do industrial práticos, a partir da necessidade prática dos negócios, de varrer toda a velharia de pequenos estados transmitida historicamente e que barrava o caminho à livre expansão do comércio e indústria; de afastar toda fricção superficial que o negociante alemão tinha primeiro de vencer no seu país se queria entrar no mercado mundial e a que eram poupados todos os seus concorrentes. A unidade alemã tinha-se tornado uma necessidade econômica”.

O que é salientado aqui é que o meios autoritários e bonapartistas com que os Junkers implantaram de certo modo o programa burguês de unidade nacional diz respeito a certa etapa do capitalismo em que a ameaça vermelha do proletariado passa ser um perigo real. Uma revolução com a participação do proletariado após a experiência de 1848 poderia, para usar uma expressão mais moderna, se desenvolver numa “revolução permanente”, em especial no caso alemão, donde a burguesia corresponde a um partido político frágil.

E quais as consequências da unificação que nos fazem visualizar o enlace entre as exigências econômicas e suas repercussões políticas e jurídicas para viabilizar a acumulação nesta etapa de transição do feudalismo à modernidade em Alemanha?

“A Constituição da Confederação subtraía as relações economicamente mais importantes à legislação de cada Estado singular e remetia a sua regulamentação para a Confederação: direito civil comum e livre circulação em todo o território da Confederação, direito de domicílio, legislação sobre ofícios, comércio, alfândegas, navegação, moedas, pesos e medidas, caminhos-de-ferro, canais, correio e telégrafos, patentes, bancos, toda a política externa, consulados, proteção ao comércio no estrangeiro, polícia médica, direito penal, processo judicial etc. A maioria destes objetos foi ordenada por leis e, no conjunto, de modo liberal. E assim foram finalmente eliminados – finalmente! – os piores abusos do sistema de pequenos Estados, que o mais das vezes obstruíram o caminho, por um lado, ao desenvolvimento capitalista, por outro, aos apetites prussianos de Dominação”.


Resta claro que a finalidade da violência com expressão em Guerras como A Guerra da Criméia (1853-1856), ou a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) denotam o frágil equilíbrio de poder dentre as nações Europeias no séc. XIX e mais importante desdobramentos tardios de lutas políticas de classes em que estavam em jogo interesses de nacionalidades, autonomia local e consolidação tardia de Estados Nacionais – conjuntura de ascensão da classe burguesa e por trás de si já a sombra de um proletariado que irá se desenvolver a partir de partidos políticos independentes já a partir de fins do século XIX. 

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

"O Estado e a Revolução" - Lênin

“O Estado e a Revolução” – Lênin



Resenha Livro - “O Estado e a Revolução” – Lênin – Tradução J. Ferreira
               
                
Este importante trabalho de Lênin foi redigido no calor da Revolução Russa, mais especificamente no intervalo entre as duas etapas, democrático-burguesa (fevereiro) e socialista (outubro) daquele magnífico acontecimento histórico . Já desde a segunda metade de 1916, o dirigente bolchevique demonstra necessidade de um estudo teórico acerca do estado:  neste ano publica um trabalho atacando as posições de Bukharin (“A Internacional dos Jovens”). Em carta a Kollontai datada de 17 de Fevereiro de 1917 Lênin informa-a ter reunido o material necessário para o livro: documentos copiados em letra fina e apertada num caderno intitulado “Marxismo e o Estado” donde se encontram citações de obras de Marx, Engels além de extractos para fins de reduzi-los a polêmicas com os social –democratas alemães Kautsky, Bernstein e o ultraesquerdista Pannekoek.
                
De fato, como é uma tendência nos trabalhos de Lênin, as reflexões teóricas irão sempre encontrar uma repercussão na prática do movimento operário internacional, aqui se ressaltando as diferenças entre a posição revolucionária (bolchevique) acerca do estado e revolução, as variantes oportunistas/reformistas que via de regra retiram sob diversas formas e pretextos o potencial revolucionário da teoria de Marx e as variantes anarquistas que não compreendem o processo de transição que envolve a ditadura do proletariado, perscrutando a simples abolição do aparato repressivo ideológico estatal sem com isso utilizar da própria máquina do estado capitalista para esmagar a resistência da antiga classe proprietária. O procedimento de Lênin envolve o resgate de passagens decisivas de Marx e Engels em que cada um tratou do problema da dominação política burguesa, a partir do Manifesto Comunista de 1848, do problema da revolução proletária e da teoria da transição (Em especial na Crítica do Programa de Gotha) ou até de alguns lances acerca de experiências reais de organização política dos trabalhadores, no caso a partir da Comuna de Paris de 1871, quando desde a “Guerra Civil em França”, Marx e o movimento operário como um todo deveriam extrair lições acerca de tarefas concretas envolvendo o que fazer após a tomada do poder efetivamente pelos trabalhadores:

“Para evitar esta transformação, inevitável em todos os regimes anteriores, do Estado e dos órgãos do Estado, servidores da sociedade na origem, em donos dela, a comuna empregou dois meios infalíveis. Primeiramente, ela submeteu todos os lugares da administração, da justiça e do ensino à escolha dos interessados por meio de eleição com sufrágio universal e, bem entendido, à revocabilidade a todo momento por estes mesmos interessados. E, em segundo lugar, ela retribuiu todos os serviços, desde os mais inferiores aos mais elevados, com salário que recebiam os outros operários”.

Em que pese a fraseologia marxista, são diversos os pontos em que setores da esquerda em especial ligados à falida II Internacional (cujo derradeiro fim deu-se com o apoio dos respectivos partidos aos seus países de origem na 1ª grande guerra) demonstram abandonar a perspectiva revolucionária do estado e revolução. Encaram o estado não como um órgão de dominação de uma classe por outra, mas como um meio de conciliação de classes. Segundo Marx, Engels e Lênin, o Estado é órgão por meio do qual uma classe domina e oprime outra classe:

“O Estado é o produto e a manifestação do facto de as contradições das classes serem inconciliáveis. O Estado aparece precisamente no momento e na medida em que objetivamente as contradições das classes não podem ser conciliadas. E inversamente a existência do Estado prova que as contradições das classes são inconciliáveis.”

Com relação aos anarquistas, o eixo da divergência gira em torno do problema da transição, ou mais especificamente da ditadura do proletariado. No limite as teorias anti-autoritarias caem num utopismo e perfilam aqui uma posição oportunista, com palavras de ordem irrealizáveis. Na prática corroboram com a orientação oportunista, que em Rússia se faz representar pelos mencheviques e social-revolucionários:

“Nós não somos utopistas. Não “sonhamos” com dispensar de golpe toda a administração, toda a subordinação; estes sonhos anarquistas, baseados na incompreensão das tarefas que incubem à ditadura do proletariado, são fundamentalmente estranhos ao marxismo e não servem na realidade senão para protrair a revolução socialista para o dia em que os homens tenham mudado. Pelo que nos respeita, nós queremos a revolução socialista com homens tais como ele são hoje, os quais não dispensam a subordinação, o controle, os fiscais e contabilistas”.

Para além de demarcar posição, o tema do Estado e Revolução naquela conjuntura envolvia concretamente as palavras de ordem, a direção que o partido de Lênin deveriam imprimir no contexto revolucionário russo. Consta que o último capítulo do opúsculo deveria versar sobre a revolução russa, a começar por 1905, projeto interrompido pelos acontecimentos de Outubro de 1917. Para a satisfação de Lênin, que afirma ser mais recompensante fazer a revolução do que escrever sobre ela.

Nosso desafio 100 anos depois da Revolução em Rússia poderia partir de algumas assertivas de Lênin e confrontá-las com o próprio desenvolvimento histórico da URSS. Um capítulo inteiro é dedicado à base econômica da extinção do estado, o que envolve a socialização dos meios de produção: não se trata necessariamente de um sinônimo de estatização dos meios de produção, para não falar de políticas contingenciais que envolveram o recrudescimento do “Estado Contabilista” como a NEP. Certamente, deve-se levar em consideração que quando Lênin escrevia estas linhas, ainda tinha a expectativa que a Revolução Russa deveria ser o prelúdio da Revolução na Europa, consideração que os fatos o forçariam a abandonar alguns anos depois. Mas o que fica aqui é a ortodoxia com que Lênin lida com os clássicos do Marxismo e revela falsificações pela esquerda de noções afins com o marxismo que, por outro lado, retiram seu conteúdo revolucionário. Um debate bastante atual envolve até a democracia e o sufrágio universal, de fato, situações políticas mais favoráveis para a luta dos trabalhadores, reconhece Lênin, mas ainda baseadas na existência do estado capitalista e portanto da dominação/opressão política da burguesia.  


São estes trabalhos teóricos que demonstram como Lênin representa uma solução de continuidade, com ideias originais, claras e contundentes, em relação a Marx e Engels, trazendo para o bojo da etapa imperialista do capitalismo novas reflexões sobre política, revolução e teoria da transição. 

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

“Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano” – Carlos Marighella


 “Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano” – Carlos Marighella

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Resenha Livro - “Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano” – Carlos Marighella
           
            Carlos Marighella iniciou sua militância na Bahia quando estudante de Engenharia em Salvador no ano de 1933 – para ser mais exato, um ano antes, no contexto político da Era Vargas, já fora preso em manifestação de rua. De qualquer forma, pode-se dividir sua trajetória política em dois períodos: desde a sua adesão ao Partido Comunista Brasileiro, organização em que granjeou posição dirigente, tendo participado da bancada comunista da Assembleia Constituinte de 1946. E, posteriormente, o rompimento com o PCB, a adesão à tática da guerrilha urbana no contexto da luta contra a ditadura militar.

Com relação a este primeiro período de Marighella dentro do PCB há uma boa fonte de textos e discursos do inimigo número um da ditadura militar, trabalho publicado pela Fundação Dinarco Reis, ligada ao PCB[1]. Desde a Constituinte (1946), os comunistas defendem as posições mais progressistas, como a efetiva separação entre o Estado e a Igreja, o Ensino Laico e a instituição do Divórcio. Como se sabe, o Partido Comunista Brasileiro teria curta vida durante o Governo Dutra e seria proscrito sob o argumento de se tratar de uma organização filiada à URSS.

O rompimento de Marighella com o PCB envolve dois fatos políticos fundamentais: a Revolução Cubana (e a viagem do revolucionário baiano aquele país em 1967) e a derrota das esquerdas em face do golpe militar de 1964. Por um lado a vitória da revolução de 1959 re-orientou uma parcela significativa da militância de esquerda na América Latina acerca da viabilidade dos métodos da guerrilha como forma de fazer frente à ditaduras apoiadas ou não pelo imperialismo norte-americano. Levou ao ê xito neste sentido uma Revolução na Nicarágua em 1979.

É certo que o Golpe Militar no Brasil contara com participação direta de Washington, incluindo exercícios paramilitares de direita e movimentações de frotas navais em caso de reação aos golpistas, de modo que a via pacífica certamente seria um caminho sem êxito para se derrotar uma Ditadura no coração da América Latina, sob a vigilância do imperialismo, num contexto de Guerra Fria – e neste mini manual é reiterado o fato de que os inimigos são não só os militares mas os imperialistas norte-americanos.

Por outro lado, a análise da co-relação de forças não levou em consideração que o regime político dos militares encontrou relativa estabilidade por meio de uma situação de crescimento econômico: já a ditadura sanguinária de Batista em Cuba chegou a ser abandonada dada a sua impopularidade pelos mesmos EUA conquanto a Guerrilha Urbana brasileira não teve fôlego e força de mobilização para desgastar politicamente o regime militar que se serviu de métodos de censura e repressão de forma eficaz. Sintomaticamente, é com a entrada em cena da classe trabalhadora a partir das greves do ABC em 1978 que se vislumbra o início do fim do regime autoritário: as greves lançam as bases para a re-organização dos movimentos sociais e de massa, já nos anos 1980, com mobilizações de massa em face da morte do Jornalista Herzog e do operário Manuel Fiel Filho, da ampla campanha pela Lei de Anistia[2], desde a fundação do Partido dos Trabalhadores e do Movimento pelas Diretas.

Quando de sua ruptura com o PCB, Marighella em sua carta de desligamento suscita 3 argumentos essenciais: (i) reboquismo dos comunistas e do proletariado à burguesia, ou a certa fração supostamente progressista da burguesia, representada por Goulart, fato que se demonstra equivocado na prática desde que esta burguesia transige e não reage ao golpe; (ii) confiança no dispositivo militar diante de uma não compreensão marxista da natureza de classes das forças armadas e de sua cúpula; ilusões de classe também relacionadas à não compreensão do papel da burguesia nacional, o que leva o PCB em dados momentos a apoiar políticos como Juscelino Kubitschek e o anti-comunista Marechal Lott.

Este Mini Manual foi escrito em Junho de 1969, 5 meses antes da morte de Marighella. Trata-se literalmente de um manual com instruções acerca das qualidades, das características, das habilidades necessárias de um guerrilheiro urbano. Sua leitura traduz não só os caracteres de uma militância disposta a sacrificar sua vida em nome da Revolução Brasileira, mas sinaliza também algo sobre uma concepção política – distinta dos tradicionais partidos comunistas – ancoradas na noção de ação direta, propaganda através da violência revolucionária e expectativa de que a guerrilha evolua no sentido de um exército revolucionário para a libertação nacional – através da junção com o movimento revolucionário no campo.

O senso comum pode pensar que basta coragem e uma profunda convicção política para aderir a uma causa revolucionária e morrer pela revolução brasileira. O Mini-Manual expressa uma concepção profissional de militantes revolucionários que remete à concepção de Lênin – menos no sentido da construção de uma vanguarda, e mais no sentido de militantes inteiramente dispostos, sem qualquer tipo de vacilação, com caráter profissional de atuação:

“O guerrilheiro urbano somente pode ter uma forte resistência física se treinar sistematicamente. Não pode ser um bom soldado se não estudou a arte de lutar. Por esta razão o guerrilheiro urbano tem que aprender e praticar vários tipos de luta, de ataque e de defesa pessoal.

Outras formas úteis de preparação física são caminhadas, acampar, e treinar sobrevivência na selva, escalar montanhas, remar, nadar, mergulhar, pescar, caçar pássaros, e animais grandes e pequenos.

É muito importante aprender a dirigir, pilotar um avião, manejar um pequeno bote, entender mecânica, rádio, telefone, eletricidade, e ter algum conhecimento das técnicas eletrônicas”.

O Brasil vive neste momento uma conjuntura em que a intervenção dos militares já é uma realidade nos morros e favelas do Rio de Janeiro. Só em 2017, 700 já foram mortos pela polícia no RJ[3]. Diante das bravatas do General Antônio Hamilton Mourão, do Sargento Roseno[4]  e Villa Boas, a possibilidade de um novo regime militar transparece como uma realidade palpável.

Neste contexto, que lições extrair dos movimentos revolucionários que combateram em armas a ditadura de 1964?

Desde já, sinalizamos que os grupos não conseguiram desenvolver uma política que criasse lastro e se massificasse, não colocou em cena a classe trabalhadora, com seu protagonismo e métodos de luta, através das greves e ocupações de fábricas, sendo aqui insubstituível um programa que envolva a construção de uma direção que dispute efetivamente o poder. As Guerrilhas Urbanas se propunham, numa conjuntura bastante difícil, “a exterminação física dos chefes e assistentes das forças armadas e da polícia” e “a expropriação  dos recursos do governo e daqueles que pertencem aos grandes capitalistas”. Não foram tão longe aqui quanto os próprios revolucionários cubanos – em que pese terem promovido uma revolução de “fevereiro” em 1959 com a derrubada de Batista, as próprias contradições da realidade engendraram em alguns anos uma revolução de “outubro”. Havia no Movimento 26 de Julho uma clareza política que ia além de se bater em assaltos e ações diretas com os homens de Batista, mas uma guerrilha com fulcro em derrubar pelas armas Batista, através de um amplo trabalho de propaganda desenvolvido pela Rádio Rebelde desde a Sierra M. Qual seja a disputa pelo poder conjugada com a adesão popular ao movimento revolucionário, que se inicia como guerrilha rural. 

Classe trabalhadora como sujeito histórico e uma força política dirigente vocacionada à disputa ao poder são elementos que precisam se colocados como premissa para uma atualização de um novo projeto de enfrentamento com um regime ditatorial. Quanto às qualidades, habilidades e características essenciais do Guerrilheiro Urbano, Marighella elenca uma que nos parece essencial: ausência de vacilação, posição decisiva, intransigência.






[1] Ver Resenha: “Escritos de Marighella no PCB” – Milton Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG) – Coleção Biblioteca Comunista – Fundação Dinarco Reis - http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/10/escritor-de-marighella-no-pcb-milton.html

[2] Em que pese os resultados objetivos da campanha terem sido desvirtuados em favor de torturadores e demais algozes, anistiados até hoje por meio da lei 6683/1979
[4] Autor da declaração: “Muitos Comunistas bandidos estão com  medo porque sabem que a chibata vai comer solta”