segunda-feira, 23 de outubro de 2017

"O Estado e a Revolução" - Lênin

“O Estado e a Revolução” – Lênin



Resenha Livro - “O Estado e a Revolução” – Lênin – Tradução J. Ferreira
               
                
Este importante trabalho de Lênin foi redigido no calor da Revolução Russa, mais especificamente no intervalo entre as duas etapas, democrático-burguesa (fevereiro) e socialista (outubro) daquele magnífico acontecimento histórico . Já desde a segunda metade de 1916, o dirigente bolchevique demonstra necessidade de um estudo teórico acerca do estado:  neste ano publica um trabalho atacando as posições de Bukharin (“A Internacional dos Jovens”). Em carta a Kollontai datada de 17 de Fevereiro de 1917 Lênin informa-a ter reunido o material necessário para o livro: documentos copiados em letra fina e apertada num caderno intitulado “Marxismo e o Estado” donde se encontram citações de obras de Marx, Engels além de extractos para fins de reduzi-los a polêmicas com os social –democratas alemães Kautsky, Bernstein e o ultraesquerdista Pannekoek.
                
De fato, como é uma tendência nos trabalhos de Lênin, as reflexões teóricas irão sempre encontrar uma repercussão na prática do movimento operário internacional, aqui se ressaltando as diferenças entre a posição revolucionária (bolchevique) acerca do estado e revolução, as variantes oportunistas/reformistas que via de regra retiram sob diversas formas e pretextos o potencial revolucionário da teoria de Marx e as variantes anarquistas que não compreendem o processo de transição que envolve a ditadura do proletariado, perscrutando a simples abolição do aparato repressivo ideológico estatal sem com isso utilizar da própria máquina do estado capitalista para esmagar a resistência da antiga classe proprietária. O procedimento de Lênin envolve o resgate de passagens decisivas de Marx e Engels em que cada um tratou do problema da dominação política burguesa, a partir do Manifesto Comunista de 1848, do problema da revolução proletária e da teoria da transição (Em especial na Crítica do Programa de Gotha) ou até de alguns lances acerca de experiências reais de organização política dos trabalhadores, no caso a partir da Comuna de Paris de 1871, quando desde a “Guerra Civil em França”, Marx e o movimento operário como um todo deveriam extrair lições acerca de tarefas concretas envolvendo o que fazer após a tomada do poder efetivamente pelos trabalhadores:

“Para evitar esta transformação, inevitável em todos os regimes anteriores, do Estado e dos órgãos do Estado, servidores da sociedade na origem, em donos dela, a comuna empregou dois meios infalíveis. Primeiramente, ela submeteu todos os lugares da administração, da justiça e do ensino à escolha dos interessados por meio de eleição com sufrágio universal e, bem entendido, à revocabilidade a todo momento por estes mesmos interessados. E, em segundo lugar, ela retribuiu todos os serviços, desde os mais inferiores aos mais elevados, com salário que recebiam os outros operários”.

Em que pese a fraseologia marxista, são diversos os pontos em que setores da esquerda em especial ligados à falida II Internacional (cujo derradeiro fim deu-se com o apoio dos respectivos partidos aos seus países de origem na 1ª grande guerra) demonstram abandonar a perspectiva revolucionária do estado e revolução. Encaram o estado não como um órgão de dominação de uma classe por outra, mas como um meio de conciliação de classes. Segundo Marx, Engels e Lênin, o Estado é órgão por meio do qual uma classe domina e oprime outra classe:

“O Estado é o produto e a manifestação do facto de as contradições das classes serem inconciliáveis. O Estado aparece precisamente no momento e na medida em que objetivamente as contradições das classes não podem ser conciliadas. E inversamente a existência do Estado prova que as contradições das classes são inconciliáveis.”

Com relação aos anarquistas, o eixo da divergência gira em torno do problema da transição, ou mais especificamente da ditadura do proletariado. No limite as teorias anti-autoritarias caem num utopismo e perfilam aqui uma posição oportunista, com palavras de ordem irrealizáveis. Na prática corroboram com a orientação oportunista, que em Rússia se faz representar pelos mencheviques e social-revolucionários:

“Nós não somos utopistas. Não “sonhamos” com dispensar de golpe toda a administração, toda a subordinação; estes sonhos anarquistas, baseados na incompreensão das tarefas que incubem à ditadura do proletariado, são fundamentalmente estranhos ao marxismo e não servem na realidade senão para protrair a revolução socialista para o dia em que os homens tenham mudado. Pelo que nos respeita, nós queremos a revolução socialista com homens tais como ele são hoje, os quais não dispensam a subordinação, o controle, os fiscais e contabilistas”.

Para além de demarcar posição, o tema do Estado e Revolução naquela conjuntura envolvia concretamente as palavras de ordem, a direção que o partido de Lênin deveriam imprimir no contexto revolucionário russo. Consta que o último capítulo do opúsculo deveria versar sobre a revolução russa, a começar por 1905, projeto interrompido pelos acontecimentos de Outubro de 1917. Para a satisfação de Lênin, que afirma ser mais recompensante fazer a revolução do que escrever sobre ela.

Nosso desafio 100 anos depois da Revolução em Rússia poderia partir de algumas assertivas de Lênin e confrontá-las com o próprio desenvolvimento histórico da URSS. Um capítulo inteiro é dedicado à base econômica da extinção do estado, o que envolve a socialização dos meios de produção: não se trata necessariamente de um sinônimo de estatização dos meios de produção, para não falar de políticas contingenciais que envolveram o recrudescimento do “Estado Contabilista” como a NEP. Certamente, deve-se levar em consideração que quando Lênin escrevia estas linhas, ainda tinha a expectativa que a Revolução Russa deveria ser o prelúdio da Revolução na Europa, consideração que os fatos o forçariam a abandonar alguns anos depois. Mas o que fica aqui é a ortodoxia com que Lênin lida com os clássicos do Marxismo e revela falsificações pela esquerda de noções afins com o marxismo que, por outro lado, retiram seu conteúdo revolucionário. Um debate bastante atual envolve até a democracia e o sufrágio universal, de fato, situações políticas mais favoráveis para a luta dos trabalhadores, reconhece Lênin, mas ainda baseadas na existência do estado capitalista e portanto da dominação/opressão política da burguesia.  


São estes trabalhos teóricos que demonstram como Lênin representa uma solução de continuidade, com ideias originais, claras e contundentes, em relação a Marx e Engels, trazendo para o bojo da etapa imperialista do capitalismo novas reflexões sobre política, revolução e teoria da transição. 

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