“O Estado e a Revolução” – Lênin
Resenha Livro - “O Estado e a Revolução” – Lênin – Tradução J.
Ferreira
Este
importante trabalho de Lênin foi redigido no calor da Revolução Russa, mais
especificamente no intervalo entre as duas etapas, democrático-burguesa
(fevereiro) e socialista (outubro) daquele magnífico acontecimento histórico .
Já desde a segunda metade de 1916, o dirigente bolchevique demonstra
necessidade de um estudo teórico acerca do estado: neste ano publica um trabalho atacando as
posições de Bukharin (“A Internacional dos Jovens”). Em carta a Kollontai datada
de 17 de Fevereiro de 1917 Lênin informa-a ter reunido o material necessário
para o livro: documentos copiados em letra fina e apertada num caderno
intitulado “Marxismo e o Estado” donde se encontram citações de obras de Marx,
Engels além de extractos para fins de reduzi-los a polêmicas com os social –democratas
alemães Kautsky, Bernstein e o ultraesquerdista Pannekoek.
De
fato, como é uma tendência nos trabalhos de Lênin, as reflexões teóricas irão
sempre encontrar uma repercussão na prática do movimento operário
internacional, aqui se ressaltando as diferenças entre a posição revolucionária
(bolchevique) acerca do estado e revolução, as variantes
oportunistas/reformistas que via de regra retiram sob diversas formas e
pretextos o potencial revolucionário da teoria de Marx e as variantes
anarquistas que não compreendem o processo de transição que envolve a ditadura
do proletariado, perscrutando a simples abolição do aparato repressivo
ideológico estatal sem com isso utilizar da própria máquina do estado
capitalista para esmagar a resistência da antiga classe proprietária. O
procedimento de Lênin envolve o resgate de passagens decisivas de Marx e Engels
em que cada um tratou do problema da dominação política burguesa, a partir do
Manifesto Comunista de 1848, do problema da revolução proletária e da teoria da
transição (Em especial na Crítica do Programa de Gotha) ou até de alguns lances
acerca de experiências reais de organização política dos trabalhadores, no caso
a partir da Comuna de Paris de 1871, quando desde a “Guerra Civil em França”,
Marx e o movimento operário como um todo deveriam extrair lições acerca de
tarefas concretas envolvendo o que fazer após a tomada do poder efetivamente
pelos trabalhadores:
“Para evitar esta transformação, inevitável em todos os
regimes anteriores, do Estado e dos órgãos do Estado, servidores da sociedade
na origem, em donos dela, a comuna empregou dois meios infalíveis.
Primeiramente, ela submeteu todos os lugares da administração, da justiça e do
ensino à escolha dos interessados por meio de eleição com sufrágio universal e,
bem entendido, à revocabilidade a todo momento por estes mesmos interessados.
E, em segundo lugar, ela retribuiu todos os serviços, desde os mais inferiores
aos mais elevados, com salário que recebiam os outros operários”.
Em que pese a fraseologia marxista, são diversos os pontos
em que setores da esquerda em especial ligados à falida II Internacional (cujo
derradeiro fim deu-se com o apoio dos respectivos partidos aos seus países de
origem na 1ª grande guerra) demonstram abandonar a perspectiva revolucionária
do estado e revolução. Encaram o estado não como um órgão de dominação de uma
classe por outra, mas como um meio de conciliação de classes. Segundo Marx,
Engels e Lênin, o Estado é órgão por meio do qual uma classe domina e oprime outra
classe:
“O Estado é o produto e a manifestação do facto de as
contradições das classes serem inconciliáveis. O Estado aparece precisamente no
momento e na medida em que objetivamente as contradições das classes não podem
ser conciliadas. E inversamente a existência do Estado prova que as
contradições das classes são inconciliáveis.”
Com relação aos anarquistas, o eixo da divergência gira em
torno do problema da transição, ou mais especificamente da ditadura do
proletariado. No limite as teorias anti-autoritarias caem num utopismo e
perfilam aqui uma posição oportunista, com palavras de ordem irrealizáveis. Na
prática corroboram com a orientação oportunista, que em Rússia se faz
representar pelos mencheviques e social-revolucionários:
“Nós não somos utopistas. Não “sonhamos” com dispensar de
golpe toda a administração, toda a subordinação; estes sonhos anarquistas,
baseados na incompreensão das tarefas que incubem à ditadura do proletariado,
são fundamentalmente estranhos ao marxismo e não servem na realidade senão para
protrair a revolução socialista para o dia em que os homens tenham mudado. Pelo
que nos respeita, nós queremos a revolução socialista com homens tais como ele são
hoje, os quais não dispensam a subordinação, o controle, os fiscais e
contabilistas”.
Para além de demarcar posição, o tema do Estado e Revolução naquela
conjuntura envolvia concretamente as palavras de ordem, a direção que o partido
de Lênin deveriam imprimir no contexto revolucionário russo. Consta que o
último capítulo do opúsculo deveria versar sobre a revolução russa, a começar
por 1905, projeto interrompido pelos acontecimentos de Outubro de 1917. Para a
satisfação de Lênin, que afirma ser mais recompensante fazer a revolução do que
escrever sobre ela.
Nosso desafio 100 anos depois da Revolução em
Rússia poderia partir de algumas assertivas de Lênin e confrontá-las com o
próprio desenvolvimento histórico da URSS. Um capítulo inteiro é dedicado à
base econômica da extinção do estado, o que envolve a socialização dos meios de
produção: não se trata necessariamente de um sinônimo de estatização dos meios
de produção, para não falar de políticas contingenciais que envolveram o
recrudescimento do “Estado Contabilista” como a NEP. Certamente, deve-se levar
em consideração que quando Lênin escrevia estas linhas, ainda tinha a
expectativa que a Revolução Russa deveria ser o prelúdio da Revolução na
Europa, consideração que os fatos o forçariam a abandonar alguns anos depois.
Mas o que fica aqui é a ortodoxia com que Lênin lida com os clássicos do
Marxismo e revela falsificações pela esquerda de noções afins com o marxismo
que, por outro lado, retiram seu conteúdo revolucionário. Um debate bastante
atual envolve até a democracia e o sufrágio universal, de fato, situações
políticas mais favoráveis para a luta dos trabalhadores, reconhece Lênin, mas
ainda baseadas na existência do estado capitalista e portanto da dominação/opressão
política da burguesia.
São estes trabalhos teóricos que demonstram como Lênin
representa uma solução de continuidade, com ideias originais, claras e
contundentes, em relação a Marx e Engels, trazendo para o bojo da etapa
imperialista do capitalismo novas reflexões sobre política, revolução e teoria
da transição.
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