segunda-feira, 21 de março de 2022

DOM QUIXOTE PARA CRIANÇAS

 DOM QUIXOTE PARA CRIANÇAS POR MONTEIRO LOBATO




 

Resenha Livro – “Dom Quixote Para Crianças” – Monteiro Lobato – Ed. LPM

 

“Pedrinho - E isso durou muito tempo?

Dona Benta- Durou, meu filho. Tudo que é errado dura muito. A humanidade é bem isso que a Emília vive dizendo. A história da humanidade não passa de história de horrores, estupidez e erros monstruosos. Hoje por exemplo olhamos com grande superioridade para os antigos, com dó deles, certos de que nossas ideias são certas e hão de durar sempre. Mas nossos bisnetos rir-se-ão das nossas ideias como nós nos rimos das ideias de nossos bisavôs, e os bisnetos dos nossos bisnetos rir-se-ão das ideias dos nossos bisnetos, e assim até o infinito.”

 

 

Quando Monteiro Lobato começou a escrever livros para criança, já havia praticamente publicado quase toda a sua obra para o público adulto.

 

“Urupês”, um livro de sucesso para época que corresponde a coletânea de contos regionalistas, foi publicado ainda em 1918. Já a primeira edição da coleção Sítio do Pica Pau Amarelo correspondente ao livro “O Saci” é de 1921.

 

“Este D. Quixote Para Crianças” é de 1936. Trata-se de uma versão infantil da história do herói de La Mancha contada por Dona Benta, com as intervenções do público, em especial da Emília, a boneca de pano, que se identifica particularmente com o protagonista da história.

 

Dom Quixote de La Mancha, o Cavaleiro da Triste Figura é o cavaleiro andante, que tipicamente tem a missão de correr o mundo para socorrer donzelas e desagravar os mal feitores.

 

Tido como louco pelo excesso de leitura de livros de cavalarias.

É acompanhado na sua jornada pelo simplório Sancho Pança, o fiel escudeiro que se engaja na aventura pela promessa de, ao fim e ao cabo, ser nomeado governador de sua própria ilha. Em certa passagem diz que a ilha virá no futuro, sem dúvidas, mas as suas costelas ficam pelo meio do caminho.

 

O contraste entre os dois principais personagens é sintetizado por Dona Benta:

 

“Pedrinho – Mas então, vovó, esse Sancho não era nada tolo – disse Pedrinho.

Dona Benta – Era e não era, meu filho. Há no mundo muita gente como Sancho. Ele tinha o sólido bom senso dos homens do povo e todas as qualidades e defeitos do homem do povo, isto é, do homem natural, sem estudos, sem cultura outra além da que recebe do contato com seus semelhantes. Já em Dom Quixote vemos o contrário. Possuía alta cultura. Tinha todas as qualidades nobres e generosas que uma criatura humana pode ter, apenas transtornadas em seu equilíbrio.”

 

Surpreendendo o leitor, quando o simplório Sancho é alçado à condição de governador, se mostra um ótimo e sensato julgador e administrador de conflitos, só não se colocando à altura do cargo quando instado a lutar em campo de batalha contra inimigo externo.

 

Dom Quixote é um livro particularmente adequado para o público infantil pelas possibilidades de reflexão sobre algumas lições de vida subjacentes do texto.

 

Antes de tudo, o herói de La Mancha é um otimista. Nos diversos momentos de apuros afirma que a fortuna sempre deixa uma porta aberta ou que nunca mais estamos mais próximos da vitória quando tudo parece perdido.

 

O cavaleiro andante, ainda que se porte como um nobre, está em íntima conexão com o povo, além de se referir ao dinheiro como “vil-metal”.

 

Como diz o próprio Dom Quixote: “A cavalaria é a mãe da igualdade. Deus exalta o cavaleiro que se humilha.”.  

domingo, 6 de março de 2022

Breves Notas Sobre Alexandre Púchkin

 Breves Notas Sobre Alexandre Púchkin




 

“Na época em que Púchkin nasceu (1799), o czar que reinava sobre a Rússia anda era Paulo I, o filho insano de Catarina II, que viria a ser morto dois anos depois numa conspiração palaciana, da qual tornaria secretamente parte seu filho e sucessor, Alexandre I. Moscou havia se tornado o centro da vida intelectual e artística do país. A alta sociedade, que em São Petersburgo gravitava em volta da Corte, em Moscou, via de regra, entediava-se. Os jovens promissores liam os imitadores russos de Parny, Rousseau, Racine, Voltaire, enquanto as jovens (e velhas) suspiravam com romances sentimentais que apareciam aos montes, todos iguais e de qualidade duvidosa. A mesmice dominava também o cotidiano. De manhã, praticavam equitação e, à noite, em dias certos da semana, quando não havia baile ou carteados, frequentavam salões. Os chefes de família cuidavam da administração de suas propriedades rurais, onde a família passava temporadas anuais, justamente com numerosa criadagem, parentes, servos e agregados. O povo, como sempre, sofria”. (BRNARDI, Aurora. “Púchkin e o Começo da Literatura Rua”. Caderno de Literatura e Cultura Russa. USP).

 

Aleksandr Sergeevich Púchkin é aclamado como o maior poeta russo e fundador da moderna literatura daquele país. Transitou pela poesia lírica e épica, pelo teatro e pelo romance, sendo tradicionalmente relacionado ao movimento romântico, com aproximação do realismo, especialmente nas suas obras mais tardias.

 

Pode-se dizer que sua importância está para literatura Russa de maneira equivalente ao papel de Willian Shakespeare para o teatro Inglês. É tido como iniciador da literatura Russa: inaugurou um novo modelo literário, sem se basear em heranças ou escolas literárias anteriores, posto que inexistentes na Rússia. Ele se inspirava na cultura e na poesia popular medieval russa.

 

O escritor nasceu em 6 de Junho de 1799 em Moscou. Seu pai era um jovem oficial da guarda, mal administrador, colérico e atormentado por dívidas. Sua mãe era neta de Ibraim Hannibal, conhecido como primeiro grande intelectual negro da história do ocidente. Este bisavó de Puchkin, em 1703, foi capturado e vendido ao sultão de Constantinopla, que por sua vez o deu de presente ao czar Pedro, o Grande. O imperador russo adotou Hannibal e o colocou na corte para viver como seu afilhado, posteriormente o enviado para Paris, onde conclui seus estudos, se formando em engenharia militar.

 

Hannibal conheceu em Paris Voltaire, Montesquieu e Didetor, entre outros pensadores, que o chamavam de “estrela negra do iluminismo”.

 

De modo que não é incorreto dizer que o maior dos poetas russos tinha descendência africana!

 

Na biblioteca do pai, Púchkin leu Plutarco, Homero, La Fontaine, Moliére, Corneille, Rancine, Diderot e Voltaire. Seguindo um costume da época, aprendeu francês por meio de seus preceptores, sendo patente a influência da cultura francesa na Rússia, especialmente no período de Catarina II (1762/1796), imperatriz com reputação de mecenas das artes e correspondente dos iluministas Voltaire, Diderot e D’Alambert.

 

Aos quinze anos, quando estudava num Liceu situado numa das fazendas do Czar, Púchkin escreveu os seus primeiros poemas.

 

Após sua formatura, aos 18 anos de idade, passa a residir em São Petersburgo, onde vive uma vida de poeta, que poderíamos hoje denominar de “boêmio”.

 

Granjeava popularidade na capital por conta dos seus poemas, despertando a atenção e vigilância do Czar. Por conta da interceptação de uma carta em que se dizia “ateu” e pela redação de um poema (“Ode à Liberdade”) em que faz menção a tentativa de assassinato do pai do Czar Alexandre I, o poeta foi removido para o Sul da Rússia, numa espécie de exílio, até a morte do referido czar e da ascensão de Nicolau I, que deu anistia ao escritor, mas manteve a vigilância sobre o mesmo.  

 

O conto “A Dama de Espada” é representativo de um estilo literário com certo realismo na descrição das personagens e até mesmo do cenário cultural da Rússia de fins do XVIII e inícios do XIX.

 

Em uma das cenas em que uma condessa solicita de uma criada um livro para ler, fica espantada quando é informada que existem romances russos, indicando também a previsibilidade de romances de folhetim e sentimentais – uma literatura que igualmente estaria presente no Brasil, durante o nosso romantismo, algumas décadas depois.

 

A história relata um segredo guardado por uma Condessa, já idosa, adquirido após ela perder um jogo de cartas e não ter recursos financeiros para quitar sua dívida. Após solicitar ajuda a um amante, ele, ao invés de oferecer dinheiro, lhe revelou um mistério em que bastaria que escolhesse três cartas determinadas, apostasse uma atrás da outra, e todas as três como “sônica” (no jogo francês bassette, carta que ganha ou perde assim que aparece) lhe dariam a vitória.

 

O personagem Herman ao saber do referido segredo, passa a obsessivamente desejar contato com a condessa para, de posse do mistério jamais revelado, conseguir o dinheiro certo na aposta de cartas.

 

Para isso, simula interesse amoroso junto a uma criada da condessa, para conseguir uma entrevista com a velha, requerendo ou mesmo compelindo-a a esclarecer o mistério das cartas.

 

Este personagem Herman aparece como alguém diferenciado logo no início do conto: num salão onde jovens russos apostam, este filho de alemão, com aparência de estrangeiro, apenas observa e se mantem distante das apostas: apostar dinheiro para ele é o mesmo que “sacrificar o indispensável na esperança de obter o supérfluo.”. Se num primeiro momento, esta recusa ao jogo de cartas ao leitor parece sinal de virtude, logo depois verifica-se que Herman, descrito como alguém com “perfil de Napoleão e alma de Mefistófeles” será aquele que levará até as últimas consequências a ambição e ganâncias relacionados às apostas.  




 

Púschkin teve um casamento infeliz, surgindo escândalo de que sua esposa havia o traído, razão pela qual desafiou o desafeto a um duelo, o que ocasionou a sua morte, em fevereiro de 1837.      

quinta-feira, 3 de março de 2022

Sobre a Semana de Arte Moderna de 1922

 Sobre a Semana de Arte Moderna de 1922

 


 

 

“O modernismo, no Brasil, foi uma ruptura, foi um abandono de princípios e de técnicas consequentes, foi uma revolta contra o que era a Inteligência nacional. É muito mais exato imaginar que o estado de guerra na Europa tivesse preparado em nós um espírito de guerra, eminentemente destruidor. E as modas que revestiram este espírito foram, de início, diretamente importadas da Europa. Quando a dizer que éramos, os de São Paulo, uns antinacionalistas, uns antitradicionalistas europeizados, creio ser falta de subtileza crítica. É esquecer todo o movimento regionalista aberto justamente em São Paulo e imediatamente antes, pela “Revista do Brasil”; é esquecer a arquitetura e até o urbanismo (Dubugras) neo-colonial, nascidos em São Paulo. Desta ética estávamos impregnados. Menotti de Picchia nos dera o “Juca Mulato”, estudávamos a arte tradicional brasileira e sobre ela escrevíamos; e canta regionalmente a cidade materna o primeiro livro do movimento. Mas o espírito modernista e as suas modas foram diretamente importadas da Europa” (Mário de Andrade – “O Movimento Modernista” – Aspectos da literatura brasileira. São Paulo, 1974, p. 235-6).

 

Este ano de 2022 será marcado pelas comemorações do bicentenário da independência nacional, o segundo grande movimento de constituição da Nação Brasileira, que é precedido pela nossa conformação territorial, desde a chegada dos portugueses à região onde hoje se localiza a comarca de Porto Seguro, até a delimitação de nossas fronteiras pelo Tratado de Madrid (1750).

 

Em 25/03/1922 seria fundado o Partido Comunista Brasileiro, agrupamento que manteria certa hegemonia na esquerda brasileira até o fim do regime militar e o período da redemocratização, quando o PT passaria a ocupar o posto de principal referência deste campo político.

 

Em 5 de Julho de 1922 ocorre o primeiro levante tenentista, conhecido como “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana”, marcha heroica realizada por dezessete militares e um civil contra Epitácio Pessoa e a eleição de Arthur Bernardes, e que postulava o fim da Republica Velha, que efetivamente cairia oito anos depois, com a Revolução de 1930.

 

Entre os dias 13, 15 e 17 de Fevereiro ocorre a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. Foram três noites de conferências, audições musicais e leituras de poemas, que tiveram como pretexto a comemoração do centenário da independência.

 

Passados cem anos do evento que ficou conhecido como introdutor do modernismo nas artes brasileiras, temos que a Semana ainda é cercada de alguns mitos.

 

A despeito de sua inequívoca importância no desenvolvimento da literatura, poesia, artes plásticas e arquitetura, é certo que o evento não produziu grande repercussão e impacto na sociedade brasileira na década de 1920/30, período em que era predominantemente agrária e iletrada.

 

Fora alguma repercussão na imprensa de São Paulo e Rio de Janeiro, majoritariamente desfavorável, a Semana de 1922 passou despercebida para o restante da população.

 

Consta que apenas na década de 1940, a partir de uma análise retrospectiva daqueles eventos e, em especial, da palestra proferida por Mário de Andrade no Itamaraty e artigos publicados pelo autor de Macunaíma no Estado de São Paulo em 1942, é que a Semana de 22 foi alçada a grande momento de modernização artística, de certa forma antecedendo a modernização política e econômica da Era Vargas.

 

É certo que aquele movimento tinha como norte a oposição ao academicismo e à arte puramente decorativa. O modernismo refletia as incertezas sociais do contexto da I Guerra Mundial, da Revolução Russa de 17 e da ascensão do fascismo na Europa ( a Marcha sobre Roma de Mussolini efetivamente ocorreu 9 meses após a Semana de 22).

 

Além disso, o novo grupo de artistas expressava as novas realizações tecnológicas de fins do século XIX e início do XX: os automóveis velozes circulando nas cidades, o advento do cinema, a fotografia, o telefone, o gramofone, os bondes elétricos, a revolução causada pelo desenvolvimento da aviação, implicaram num conceito dinâmico da arte associada à velocidade e à simultaneidade, em oposição ao conceito estático tradicional, baseado no equilíbrio e na ordem.

 

Contudo, outro mito que cerca o movimento é o de que teria havido um rompimento com a orientação elitista de arte, desde o parnasianismo e do simbolismo, contra o qual os novos artistas de fato se opunham.

 

As próprias condições sociais do país fariam com que aquele movimento fosse produzido pela elite e para elite, ainda que poemas como “Ode ao Burguês”, indicassem uma rebeldia em face das coisas existentes.

 

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,

o burguês-burguês!

A digestão bem-feita de São Paulo!

O homem-curva! o homem-nádegas!

O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,

é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

 

Na prática, a Semana foi patrocinada por aristocratas de São Paulo, em especial Paulo Prado, da tradicionalíssima família cafeicultora Silva Prado. Igualmente, consta que o evento causou enorme prejuízo aos seus patrocinadores.

 

Também não é inteiramente correto dizer que o movimento modernista significa uma ruptura com as escolas literárias estrangeiras e a constituição de uma arte inteiramente nacional.

 

Tratou-se antes de tudo de uma manifestação tardia de novas ondas renovatórias da arte na Europa, no caso o futurismo italiano, o dadaísmo francês e o expressionismo alemão.

 

Posteriormente, quando da redação do “Manifesto Antropofágico” (1928) de Oswald de Andrade, esta dialética entre o estrangeiro e o nacional seria mais bem equacionada. Baseando-se na história do Brasil colonial quando os índios, em ritual de guerra, ingerem o estrangeiro, temos que o indígena, na prática, incorpora elementos e atributos do inimigo, eliminando diferenças entre eles.

 

 

O último e não menos importante mito que cerca a Semana de 22 é o de que aquele evento teria constituído uma ruptura brutal com as tendências artísticas anteriores. Talvez por isso, muitos classificam autores anteriores ao movimento como “Pré-Modernistas”: Lima Barreto e Monteiro Lobato como principais exemplos.

 

Na verdade, estes escritores de certa forma antecederam preocupações dos modernistas, como o abrasileiramento e popularização da linguagem. O destaque dos problemas cotidianos, as expressões populares e um certo regionalismo estão presentes tanto em Lobato quanto em Lima Barreto, e se se desdobrariam em versos como este de Oswald de Andrade:

 

“Dê-me um cigarro. Diz a gramática. Do professor e do aluno. E mulato sabido. Mas o bom negro e bom branco. Da Nação brasileira. Dizem todos os dias. Deixa disso camarada. Me dá um cigarro.”.

 

Aliás, é digno de nota que as famosas críticas de Monteiro Lobato à Anita Malfatti datam de 1917, ou seja, cinco anos antes da Semana. Também é certo que o escritor de Taubaté foi o primeiro a ser convidado pelos jovens modernistas como patrono da Semana.

 

Por conta da recusa de Lobato, para quem o modernismo era “brincadeira de crianças inteligentes”, foi escolhido o escritor Graça Aranha para desempenhar o papel de padrinho do movimento.

 

Cem anos depois, olhando-se em perspectiva, verifica-se que a Semana de 1922 foi um ponto de partida para o desenvolvimento de uma literatura não acadêmica, regionalista e atenta à realidade popular, criando as condições para a aparição de escritores como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, João Guimarães Rosa, entre outros.

 

Bibliografia

 

CAMARGO, Márcia. “Semana de 22: entre vaias e aplausos”. Paulicéia. Boitempo Editorial. 2003.