sábado, 27 de novembro de 2021

OS "CONTOS AMAZÔNICOS" DE INGLÊS DE SOUSA

 OS "CONTOS AMAZÔNICOS" DE INGLÊS DE SOUSA



 



É naturalmente melancólica a gente da beira do rio. Face a face toda a vida com a natureza grandiosa e solene, mas monótona e triste do Amazonas, isolada e distante da agitação social, concentra-se a alma num apático recolhimento, que se traduz externamente pela tristeza do semblante e pela gravidade do gesto.

O caboclo não ri, sorri apenas; e a sua natureza contemplativa revela-se no olhar fixo e vago em que leem os devaneios íntimos, nascidos da sujeição da inteligência ao mundo objetivo, e dele assoberbada. Os seus pensamentos não se manifestam em palavras por lhes faltar, a esses pobres tapuios, a expressão comunicativa, atrofiada pelo silêncio forçado da solidão.”

 

Nascido em Óbidos, no oeste do Pará, na data de 28/12/1853, Herculano Marcos Inglês de Sousa ainda não é suficientemente conhecido pelo público, especialmente do sul e sudeste do Brasil, sempre tão ignorantes como somos sobre o que se passa na Amazônia.

 

Foi um intelectual, parlamentar e escritor, sendo um dos precursores do naturalismo literário.

 

Há muitos traços comuns entre os tapuias paraenses e os tipo sociais do Maranhão retratados pelo mais conhecido escritor deste corrente literária, Aluísio Azevedo e seu Mulato (1881). A mesma objetividade da narrativa e um então pouco usual enfoque e protagonismo de personagens dos extratos mais baixos da sociedade.

 

No caso de Inglês de Sousa, são os caboclos, os tapuias, os mestiços, os sertanistas ou, como se diziam de si próprios os cabanos, “os brasileiros”.

 

Aos 26 seis anos, o escritor iniciou o curso de Direito no Recife, tendo terminado o bacharelado em 1876 pela Faculdade de São Paulo.

 

Chegou a ser professor e diretor da mesma Faculdade de Direito do Largo São Francisco, até iniciar sua carreira como político. Deputado provincial em São Paulo, deputado geral pelo Pará, foi ainda presidente das províncias de Sergipe e Espírito Santo. Esta condição de homem de governo certamente radicalizaria aquele objetivismo dos naturalistas, fazendo com que algumas de suas narrativas possam ser consideradas fontes históricas da história do Amazonas.

 

Quando do movimento da Cabanagem retratada no conto “O Rebelde”, o escritor vai ao ponto de descrever como aqueles tapuias se vestiam, como se comunicavam, qual era a divisão de tarefas entre os homens e mulheres do bando, e as razões da insurreição: o ódio contra os portugueses e os maçons.

 

“Paulo da Rocha dissertou longamente sobre as causas da cabanagem, a miséria ordinária das populações inferiores, a escravidão dos índios, a crueldade dos brancos, os inqualificáveis abusos que esmagam o pobre tapuio, a longa paciência destes. Disse da sujeição em que traziam os brasileiros, apesar da proclamação da independência do país, que fora um ato puramente político, precisando de seu complemento social. Mostrou que os portugueses continuavam a ser senhores do Pará, dispunham do dinheiro, dos cargos públicos, da maçonaria, de todas as fontes de influência; nem na política, nem no comércio o brasileiro nato podia concorrer com eles. Que enquanto durasse o predomínio despótico do estrangeiro, o negro no sul e o tapuio no norte continuariam vítimas de todas as prepotências, pois que eram brasileiros, e como tais condenados a sustentar com o suor do rosto e a raça dos conquistadores.”.

 

Ainda que neste conto ficam claras as origens populares e os sentimentos de rivalidade e nativismo na cabanagem, o livro não faz proselitismo político: sua objetividade não afasta a análise do drama sob os olhares de um menino, filho de um juiz de paz, que vê sua família ser perseguia e seu pai ser morto não em crueldade por bandos cabanos.

 

Os cabanos matavam velhos, mulheres e crianças, invadiam e saqueavam povoados e, na visão do herói do conto, um veterano da Revolução Pernambucana de 1817, derramava inutilmente o sangue de brasileiros irmãos. Os movimentos populares também tem as suas imperfeições, os seus abusos e injustiças.

 

Além de captar a realidade conforme sua complexidade, sem partidarismo político, as histórias envolvem o folclore, a cultura e a fisionomia psicológica da população da Amazônia.

 

O amazonense tem um semblante triste, contemplativo e gravidade nos gestos. Sua alma é tão fatalista quanto as determinações da natureza que, naquele lugar, assumem a mais absoluta exuberância e radicalidade. No que se refere ao imaginário local, temos contos como A Feiticeira ou Acauã, em que se afirmam histórias e crendices populares, semelhantes às histórias contadas no interior paulista e reproduzidas por Monteiro Lobato.

 

No caso do tapuia do norte, a possibilidade de uma tragédia (natural ou social) imanente parecem fazer com que este povo seja naturalmente mais introspectivo e menos expansivo.

 

O caboclo não ri, apenas sorri, diz Inglês de Sousa.

 

Bibliografia:

“Contos Amazônicos” – Inglês de Sousa – Iba Mendes Editor Digital – www.poeteiro.com  

sábado, 20 de novembro de 2021

A CORTE DE D. JOÃO NO RIO DE JANEIRO

 A CORTE DE D. JOÃO NO RIO DE JANEIRO POR LUIZ EDMUNDO




 

Resenha Livro – “A Corte de D. João no Rio de Janeiro” – Luiz Edmundo – 1º Volume – 2ª Edição – Ed. Conquista.

 

“D. João tinha um tipo vulgar. Era curto, era grosso, a cabeça larga e vermelha, surgindo de um conflito de roscas e papadas.

Quando aqui chegou contava quarenta anos de idade. Parecia, porém, um velho de sessenta; o ventre em bola, desentocando de duas grossíssimas coxas que faziam estalar a seda de seus calções cor de pérola. Ar tímido, gestos amolengados. A marchar, marchava como pensava, devagar. Garante-nos o escritor português Oliveira Martins na sua História de Portugal, que ele era homem de pouco asseio, “de resto, como toda a família”, acrescenta, para dizer, logo depois que, ele, que andava, sempre às turras com a mulher, pensando de modo diverso, contrariando-a, em tudo, na hora do banho, com ela, logo ficava de acordo.”.

  

A transferência da Corte Portuguesa no Brasil, decorrência das Guerras Napoleônicas e de uma estratégia, traçada de forma intempestiva, de salvar a Dinastia dos Bragança, manter a aliança política e militar de Portugal com a Inglaterra e abandonar o território do Reino e sua população aos invasores franceses liderados pelo comandante Junot, teve diversas implicações na história do Brasil.

 

Mais exato seria dizer que a fuga da família Real e a instalação extemporânea  da Monarquia no Brasil traria como benefícios aos brasileiros:

 

1   A elevação do Estado do Brasil à condição de Reino Unido de Portugal e Algavres, criando as condições políticas e jurídicas da independência de 1822;

2-      A abertura dos portos às nações amigas, decisão tomada por D. João VI ainda na Bahia, antes mesmo da sua chegada no Rio de Janeiro onde se instalaria até o fim da Guerra Europeia.

3-      Benefícios de ordem cultural como a vinda da missão artística francesa, a fundação da Academia de Belas Artes, a fundação do Banco do Brasil, a criação de escolas de medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, o Jardim Botânico e as obras de melhoramento urbano no Rio de Janeiro, que receberia de um dia para a noite cerca de 15.000 pessoas da corte portuguesa, na sua maior parte nobres e seus funcionários particulares.

4-      A criação da imprensa Régia em 13 de maio de 1808, dia do aniversário do príncipe regente D. João (1767-1826). Nela foi editado o primeiro jornal da colônia americana chamado a “Gazeta do Rio de Janeiro”.

 

Tão importantes como as condições geopolíticas da Europa que levaram a fuga da Família Real para o Brasil e os seus efeitos políticos, econômicos, sociais e culturais, é conhecer os bastidores desta grande operação, a intervenção não só do Príncipe Regente, mas das pessoas que o influenciavam, das repercussões destes fatos diante dos olhos do povo, ou melhor, dos povos de Brasil e de Portugal.

 

Quando da saída dos Barcos do Tejo em 1807, caia uma chuva triste e monótona e os portugueses tentavam esconder sua completa indignação diante do abandono de suas elites ante o invasor francês:

 

“- Patifes! Cobardes! Súcia! Então o povo é que fica? Nós o que somos? Abandonam-nos como se fossemos cães!

Há punhos no ar e os monitores do Sr. Intendente da Polícia suplicando calma.”.

 

Já a reação do povo brasileiro à chegada da Corte foi o exato oposto:  festas e folganças, clamores e vivas, foguetes e festas verdadeiramente populares com o povo “cantando, berrando, em meio à patuleia tumultuosa”.

 

Neste livro do escritor carioca Luís Edmundo de Melo Pereira da Costa, o que vemos é uma versão verdadeiramente brasileira dos fatos. A narrativa se parece com um romance, ou uma reportagem, tendo como fontes os arquivos históricos da cidade do Rio de Janeiro e as memórias de pessoas da nobreza e da elite política que tiveram contato direto com D. João IV, sua mãe, Maria I a louca, a libertina Carlota Joaquina, e os filhos D. Pedro e D. Miguel.

 

O livro é de fácil leitura e traz informações sobre os detalhes da viagem, o cotidiano do Rei e de sua família no Rio de Janeiro, as festas e cerimônias, dentre elas, a mais relevante: o beija mão, momento em que todos os tipos sociais, ricos e pobres, podiam fazer requerimentos diretos ao grande Rei.

 

Por expressar um ponto de vista brasileiro, e não português, o livro é de certa forma simpático ao D. João IV, retratado como aquela figura já conhecida: meio grotesca, glutão, pusilânime, mas com um bom coração, misericordioso, amante do Brasil, desconfiado, supersticioso, com medos de trovões, amante da comida (especialmente frangos), triste por ser obrigado pelas Cortes de Lisboa a retornar ao Reino.

 

Um Rei sem nenhuma originalidade ou ideias políticas próprias, levado a tomar decisões pelas pressões e forças dos acontecimentos. Mas, um monarca que não inspirava medo nos seu súditos, mas franca simpatia.  

 

SOBRE O AUTOR

 

Luís Edmundo foi jornalista, poeta, cronista, memorialista, teatrólogo e historiador. Nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 26 de junho de 1878, e faleceu na mesma cidade em 8 de dezembro de 1961. Era definitivamente apaixonado por sua cidade, dedicando boa parte do seu trabalho na pesquisa e publicações de crônicas sobre a cidade. Voltou seu interesse para o século XVIII e imaginou um vasto painel do Rio de Janeiro no tempo dos Vice-reis. Foi a Portugal, pesquisou em arquivos, bibliotecas e conventos de província, depois à Espanha, reunindo material, inclusive iconográfico, para as obras que iria escrever.

 

 

domingo, 14 de novembro de 2021

SOBRE O ROMANCE “PHILOMENA BORGES” DE ALUÍSIO AZEVEDO

 SOBRE O ROMANCE “PHILOMENA BORGES” DE ALUÍSIO AZEVEDO

 




Aluísio Azevedo é inequivocamente o maior expoente do naturalismo literário no Brasil.

 

 

Esta etapa da evolução histórica da literatura acentuou um sentido geral de objetividade que advinha já da 3ª Fase do Romantismo e do Realismo. No caso do naturalismo, a objetividade ganha contornos de cientificidade, havendo mesmo uma proposta de fusão entre a arte e a ciência. Enquanto na escola romântica, a salvação humana está no retorno do homem ao seu estado natural, no Naturalismo, a salvação dá-se em torno da explicação científica do mundo, mediante a descrição empírica dos fenômenos sociais. Não raramente, fatos sociais se equivalem aos fatos da natureza, revestidos da mesma fatalidade.

 

Este tipo de arte suscita evidentes fontes históricas para o leitor dos dias de hoje. A descrição do Cortiço no mais famoso romance de Aluísio Azevedo possibilita um contato direto com a realidade do subúrbio do Rio de Janeiro do século XIX, descrevendo os tipos populares, como o taverneiro português João Romão, a quintandeira Bertoleza ou a mulata sensual Rita Baiana.

 

É certo, contudo, que este protagonismo dos tipos populares ainda é parcial neste romance, publicado em 1890. O grande protagonista d’o Cortiço é o próprio espaço territorial, que se apresenta ao leitor como um organismo social, com uma vida própria, tendo, ironicamente, os personagens o caráter mais paisagístico. A comparação com um formigueiro, dentro da perspectiva naturalista, não seria de todo errada.

 

Além disso, os personagens do Cortiço são retratados de uma maneira caricatural, havendo um evidente diálogo entre a escrita de Azevedo e o seu trabalho anterior como chargista de jornal. A sátira e a comédia dão o tom do pouco conhecido romance “Philomena Borges”.

 

“Philomena Borges”

 

“Estranha existência a dessas duas criaturas que a natureza fez tão diversas, tão contrárias, mas que o acaso laçou no mesmo destino, abraçadas a uma só onda, sofrendo e gozando promiscuamente, sem nunca poderem determinar onde principiava a dor, onde terminava o gozo.

A mesma cousa, que a um fazia padecer, dava ao outro transportes de alegria. Daí esse equilíbrio da lágrima e do riso, que era a fonte de toda a sua coragem e de toda a sua força. Não podia sucumbir nunca, porque um deles estava sempre de pé para amparar o companheiro, quando este por ventura vacilasse.”.

 

“Philomena Borges” é um livro menos conhecido do nosso escritor naturalista, cujo estilo está mais próximo da sátira e das caricaturas, do que dos projetos literários inequivocamente naturalistas. Trata-se de uma comédia divulgada em Folhetim na “Gazeta de Notícias” no começo do ano de 1884.

 

A história descreve a vida de um casal improvável pela completa oposição de personalidades: de um lado Borges, um quarentão pacato, até mesmo cândido, todo ele dedicado ao trabalho como mestre de obras, à rotina e à avareza. Já Philomena, filha de um Conselheiro de Estado que, antes de morrer, gastara toda a fortuna da família “no jogo e nas confeitarias”, desde pequena herdaria uma tendência à ambição pelas grandes realizações, uma altivez aristocrática, um gosto estético refinado, tudo em oposição ao pragmatismo burguês de seu marido.

 

Esta oposição de gênios, no início do romance, leva o leitor erroneamente à ideia de que o casamento redundaria num fracasso: mas esta oposição leva gradualmente as partes a um amor verdadeiro, que é colocado à prova diante de momentos de riqueza e miséria, como quando o casal, fugindo de credores, chega ao limite da fome, na província de São Paulo.

 

Philomena Borges, no primeiro dia do casamento, fecha-se no quarto onde se dariam as primeiras núpcias e mantém desde então uma atitude de reserva em relação ao marido, que teria de provar ser digno de seu amor. A dedicação do marido, o “João Touro” levava-o ao cômico de aprender, aos quarenta anos, a dançar, a encenar peças de teatro ou até mesmo experimentar pela primeira vez o charuto, abandonando o hábito do rapé.

 

A bela Philomena, por outro lado, prova o seu amor ao Borges acompanhando-o nos momentos de dificuldade financeira, recusando todos os cortejos, e sempre incentivando o marido aos mais altos voos: de capitalista à bancarrota comercial, de ator de circo à diretor de  representações teatrais na Europa, de Barão à Visconde de Itassu, de conselheiro de D. Pedro II à, finalmente, derrotado pelo Partido Conservador. É o final do livro, em 1878, quando o João Touro, finalmente se vê livre da política (que ele odeia) e retorna a sua querida Paquetá. Infelizmente, sua derrota na política implicaria, para Philomena, o fim das ilusões em torno das suas próprias ambições e sonhos grandiloquentes, representada por sua morte.

 

A história de temperamentos tão diferentes que, num primeiro momento parece improvável e com o tempo, convence e comove o leitor acerca do enlace, também seria retratado em outro romance pouco conhecido do nosso escritor maranhense, o “Coruja”, cuja resenha, remetemos o nosso leitor: http://esperandopaulo.blogspot.com/2019/05/o-coruja-aluisio-azevedo.html