segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

“Manifesto do Partido Comunista” – Karl Marx e Friedrich Engels

“Manifesto do Partido Comunista” – Karl Marx e Friedrich Engels



Resenha Livro - “Manifesto do Partido Comunista” – Karl Marx e Friedrich Engels – Ed. Martim Claret
                
“Os Princípios Comunistas de modo algum se apoiam em ideias ou princípios inventados, ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo.
                
Eles são apenas a expressão geral das relações reais de uma luta de classes  existente, de um movimento histórico que ocorre diante de nossos olhos”. (p. 126)
                
As poucas linhas supracitadas por um lado revelam um dos vários aspectos a partir dos quais este “Manifesto” revela um caráter profético e por outro lado ilustra a especificidade do texto em face de todas as demais produções teóricas, jornalísticas e partidárias de Marx e Engels.

No que tange ao profético, constata-se que o Manifesto foi redigido em 1847 e publicado em 1848, pouco antes da derrota do levante operário parisiense de Junho de 1848: a história do manifesto, como veremos, reverbera os avanços e recuos do movimento operário. Sua disseminação em dado contexto, espaço e lugar é um barômetro das condições de organização da classe operária, observando-se maior repercussão do panfleto nas jornadas de 1871 com um novo levante desde a Comuna de Paris, ou ao um novo contexto de conformação de partidos operários. Um modelo partidário de um tipo diferente dos modelos associativos de meados do séc. XIX que até provocou a mudança do título nas edições posteriores.  

Quanto à especificidade do “Manifesto Do Partido Comunista”, deve-se aqui confrontar o texto com uma proposta de leitura científica da obra de Marx.

Durante muito tempo na história, pareceu ter sido comum uma leitura das obras de Marx sem a preocupação em face de algo que parece ser até trivial: cotejar cada produção, cada obra, cada artigo, com o momento correspondente da biografia intelectual do autor, de molde a situar as diferentes nuances teórico-metodológicas correspondentes a diferentes estágios de uma vida intelectual em evolução. Parte-se do pressuposto de que Marx não nasceu marxista e de que as grandes descobertas teóricas e contribuições para a intervenções práticas devem ser devidamente dosadas, consoante diferentes estágios, etapas de desenvolvimento intelectual: desde quando estudante de Direito de Bonn, até sua transferência à Universidade de Berlin donde Marx tem contato e se associa aos jovens hegelianos de esquerda, passando aos seus estudos de filosofia grega doutorando-se em Demócrito e Epicuro, passando pela sua atividade jornalística, já desde uma posição política progressista, até o contato junto ao movimento operário desde Paris, incrementado após os encontros junto a Engels (então já autor do “A Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra”), passando pela atividade política clandestina, os mais de dez anos dedicado aos estudos de economia política em Londres resultando nos trabalhos do “Capital”, cujas descobertas, L. Althusser equipara em relevância à contribuição de Galileu para a física e à contribuição dos gregos para a matemática.

Seria apenas em meados do séc. XX particularmente a partir de Galvano Della Vope e principalmente de Louis Althusser que se passaria de uma “leitura de orelha” das obras de Marx para uma proposta de interpretação científica do conjunto da produção do velho mouro: a conclusão a que chega Althusser, com algumas retificações ao longo da vida, é que não há uma solução de continuidade, mas antes um “corte epistemológico” dentre obras de juventude de Marx (Questão Judaica de 1843, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel de 1844, Manuscritos Econômico Filosóficos de 1844); um momento de corte (que em termos históricos é de longa duração e se situaria com a publicação de 1846 de "A "Ideologia Alemã", implicando o rompimento com a tradição do idealismo e galgando os conceitos do materialismo histórico para o repertório conceitual de Marx); um momento de maturação que se estende por obras que envolvem o “18 de Brumário” (1852) e “Contribuição à Crítica da Economia Política” (1859) até o momento de plena maturidade advindo do V. I de O Capital (1867), obra que Marx dedica mais de 10 anos para sua consecução e que possui as categorias teórico-metodológicas ausentes na fase juvenil e em fase de desenvolvimento na de maturação.

Os marxistas contrários ao ponto de vista Althusseriano, em geral, buscam encontrar respaldo entre uma solução de continuidade dentre as obras de “juventude” e “maturidade”. Parece-nos que em um aspecto tais autores buscam fundamentar seu raciocínio com acerto: através do legado hegeliano em Marx que se faz presente através da dialética (recolocada desde uma orientação materialista) e que torna possível inclusive a consecução de uma análise também histórica do “Capital”, particularmente, do capítulo “Da Assim Chamada Acumulação Primitiva”, passagens não de “teoria pura” (como diz Althusser), mas da história em suas múltiplas determinações dialéticas. Lênin fez ele próprio um estudo filosófico de Hegel para afirmar que aquele que quer dominar o marxismo necessariamente precisa entender a filosofia hegeliana – e se por um lado o cotejo entre a biografia intelectual, a avaliação da densidade teórica das obras e uma proposta de interpretação científica consoante os pressupostos da própria evolução intelectual de Marx em Althusser sejam pertinentes, algumas chaves explicativas permanecem em aberto.

“O Manifesto Comunista”, um livro considerado de “maturação”, não deve ser em primeiro lugar interpretado como uma obra teórica ou conceitual, mas uma intervenção política partidária de intervenção na realidade.

A Liga Comunista, então na clandestinidade, realiza um congresso em Londres (1847) e publica o seu programa, redigido por Marx e Engels[1]. A Liga fora uma associação inicialmente alemã que posteriormente se propõe a ser um grupo internacional (Associação Operária Internacional). Ocorre que a história do Manifesto e de sua recepção/difusão parece refletir a história do movimento operário. Seu lançamento está relacionado com a derrota dos trabalhadores parisienses em Junho de 1848: inicialmente o texto é pouco divulgado em face da derrota. Nos lugares onde há Ascenso do movimento operário como a Polônia da década de 90 do séc.XIX há sinais de circulação e ampliação do circulo de leitura do documento, ocorrendo também o inverso: nos momentos de refluxo e derrota suspende-se a circulação do Manifesto.

Por outro lado, sabe-se que em 1848 Marx ainda não perfaz um estudo sistemático da “Crítica da Economia Política”. Parece haver questões conceituais silentes no texto, como o problema da mercadoria, negligenciado em detrimento da propriedade privada. O Manifesto dá centralidade à propriedade privada – que é a expressão jurídica do capital – sem fazer menção ao problema da mercadoria (tema do 1º Capítulo do Volume  I do Capital). A expropriação da propriedade privada é a primeira medida programática do programa partidário, não se colocando em questão de forma mais detida a socialização dos meios de produção desde as fábricas, a extração de mais valor e sua interdição dentro de um projeto societário alternativo e outras temáticas cujo arsenal conceitual decorreriam da crítica da economia política, algo determinado posteriormente no pensamento de Marx.  

Todavia, a leitura do livro possui passagens já de uma avançada compreensão acerca da Luta de Classes e sua universalidade na história desde sociedades pré-capitalistas; a transitoriedade da sociabilidade burguesa que naquele contexto tanto luta contra resquícios do feudalismo e da velha sociedade do Antigo Regime (para a qual conta com o apoio do proletariado) quanto já encontra embates diretos contra o proletariado – predominando em nível mundial a segunda tendência. E em dois aspectos, do Manifesto aparece o brilhantismo de uma capacidade intelectual capaz de fazer prognósticos mais de 160 depois bastante atuais:

(1)    As Crises Capitalistas: no passado as relações feudais de produção entram em contradição com as forças produtivas desenvolvidas pelo comércio e pela indústria, potencializando o advento de crises a partir das quais irrompem as novas sociedades sob o jugo da burguesia, com os novos arranjos institucionais. Marx identifica nas crises capitalistas que envolvem a superprodução que coexiste junto à miséria de uma ampla maioria um sinal de uma nova contradição, situando um aurora de uma nova sociabilidade comunista. As modernas indústrias concentram o proletariado como um exército e a burguesia cria seu próprio coveiro:

“Hoje assistimos a um processo parecido. As relações burguesas de produção e de circulação, as relações burguesas de propriedade, a moderna sociedade burguesa, que conjurou meios de produção e de circulação tão poderosos assemelha-se ao feiticeiro que não consegue mais dominar as forças infernais que evocou. Há décadas, a história da indústria e do comércio é somente a história da revolta das modernas forças produtivas contra modernas relações de produção, contra relações de propriedade que são as condições de existência da burguesia e de seu domínio”.   

(2)    Aquilo que hoje chamamos de globalização já é previsto plenamente por Marx, com detalhes, num momento em que o Capitalismo e a Burguesia ainda se debatem em Europa na constituição de Estados Nacionais, quando  é parte inclusive do próprio programa partidário a conformação de uma frente partidário junto ao “terceiro estado” em face do Antigo Regime em países atrasados. Por outro lado, dentre o eixo programático, bandeiras como “Imposto Progressivo”, “Centralização do Crédito” ou “Aumento das Fábricas Nacionais”, longe de se reduzirem ao programa comunista, seriam parte programática perfeitamente cogitadas pelos capitalistas, particularmente em contexto de acirramento de lutas de classes, como forma de contenção da revolução.  

Se o Manifesto é a expressão (consciente e madura) de um movimento real, a conclusão dentro do contexto da globalização pós URSS é a de que o movimento operário foi levado a uma derrota parcial. Todavia, a leitura do livro deve trazer sensações opostas ao pessimismo  àqueles que ainda reivindicam o horizonte comunista tantos anos depois. Trata-se da esperança depositada por Marx ao proletariado como coveiro da burguesia e sujeito protagonista da mudança no sentido da sociedade não mais cingida em classes sociais: a única classe social na história capaz de emancipar toda a humanidade. Em especial considerando o proletariado de 1847, submetido a jornadas de mais de 10 horas, habitando locais de moradia e trabalho insalubres, sem acesso aos bens culturais e comparado pelos pares liberais “a animais de carga”. São estes sujeitos que Marx deposita todas as esperanças para o Futuro, violando os ceticismo de muitos da esquerda de hoje que negligenciam a centralidade da classe que vive do trabalho. Alguns dizem “Adeus Trabalho” e proclamam um novo sujeito dentre um rastro de minorias e movimentos dispersos (mulheres, homossexuais, verdes), não unificados numa luta em torno da origem comum da exploração: o modo de produção capitalista. Eis a grande mensagem do Manifesto: o princípio da esperança em torno da centralidade e do protagonismo da classe trabalhadora. 





[1] Ou mais exatamente, o segundo reconhece ter sido o manifesto predominantemente redigido por Marx em Prefácio da Obra. 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

“Coleção O Brasil Colonial 2” (1580-1720) – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa

“Coleção O Brasil Colonial 2” (1580-1720) – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa



Resenha Livro - “Coleção O Brasil Colonial 2” (1580-1720) – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa – Ed. Civilização Brasileira


Visão Social de Mundo Dos Conquistadores Portugueses
“Da Mesma Forma, os conquistadores da América eram portadores de uma obediência amorosa dada pela disciplina social do catolicismo e sabiam que suas atividades econômicas eram do âmbito de suas famílias; sabiam que os escravos era servos civis ou ao menos servos que deviam ser cristianizados. Estes conquistadores vieram de um mundo cristão onde a vida era entendida como um fado/destino, com uma tênue fronteira com a morte. Na verdade, fosse no reino, na Madeira e depois na América, os mortos, por meio dos seus sistemas de herança na forma de morgadio[1] e obrigações testamentárias que engoliam parte da riqueza social, condicionavam parte da dinâmica social dos vivos”.  FRAGOSO, J. KRAUSE, T. 
         
Este é o II Volume da “Coleção Brasil Colonial” cujos organizadores são os historiadores João Fragoso (UFRJ) e Maria de Fátima Gouvês, falecida em 2009 e ex docente da UFF.

Trata-se de um ambicioso projeto de perquirir mais de três séculos da História do Brasil (consoante a periodização específica proposta pelo trabalho) referente ao tempo a que a historiografia designou como Brasil Colonial, tradicionalmente desde a chamada “descoberta” das terras de Santa Cruz em 1500 até a emancipação política em face de Portugal em 7 de Setembro de 1822.

O trabalho envolve artigos de historiadores de Universidades de Brasil e Europa e suscita as mais recentes linhas de pesquisa, envolvendo na maioria dos casos o re pensar de certas verdades e sensos comuns acerca da própria construção simbólica e ideológica que informa diversas passagens do Brasil Colônia. E mais. Como se sabe, as pesquisas no seio de cursos de pós graduação e particularmente na área de ciências humanas são marcados pela característica da especialização ou ultra especialização: estudar-se-á “O Capitão João Pereira e a parda Maria Sampaio: notas sobre hierarquias rurais costumeis no Rio de Janeiro, séc. XVIIII”[2] ou “O Conselho Ultramarino e a disputa pela condução da guerra no Atlântico e no Índico (1643-1661)”[3]. Observa-se a especialização, no ambiente da pesquisa na história, através de um recorte temporal bastante acentuado e uma temática delimitada. Se por um lado a pesquisa especializada ganha em profundidade, com uma atenção mais detida em documento/fontes primárias específicos, o que é profundo também é perda em envergadura: falta uma visão de conjunto frequentemente que situe as descobertas mais pontuais dentro do sentido da história.

Desde aí temos mais uma importância de grande relevo a este “Brasil Colonial”: é uma das poucas iniciativas de trazer a pesquisa acadêmica para o grande público, o que por si irá exigir dos historiadores o exercício da contextualização, a imbricação da profundidade de suas pesquisas rotineiras com um trabalho historiográfico de envergadura de reflexão mais geral, que há algum tempo ficou a cargo dos ensaístas, hoje fora de moda, desde Paulo Prado e seu “Retrato do Brasil” até a tríada Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Gilberto Fryeire, autores de importantes sínteses do período supracitado.  

Tivemos a oportunidade de resenhar o primeiro volume desta coleção[4]. Desde lá observamos como o aproveitamento das mais recentes pesquisas historiográficas irão repercutir em diversas noções já arraigadas acerca do processo de conquista da América Portuguesa, a começar por certa concepção que associa à chegada de Cabral em 1500 e mesmo  a expansão ultramarina portuguesa, num sentido anacrônico, a uma atividade associada ao homem do renascimento, como se as mudanças engendradas pelos achados corroborassem e também fossem fruto de uma nova percepção social de mundo Moderno.

Em sentido oposto, a periodização do Brasil Colonial 1 tem como partida 1443, devendo-se antes, por meio dos mesmos documentos, a começar pela carta de Pero Vaz e de suas insistentes menções de missionar o gentio, associar aquela expansão ao período medieval.  A tomada de Celta em 1415 foi segundo alguns historiadores o primeiro passo para a expansão colonial. A navegação oceânica no Atlântico norte conduz os navios portugueses à ilha da madeira em 1419, treze anos antes da execução de Joana D’arc. Em função de um certo peso dado às funções sócio econômicas da atividade colonial, costumou-se negligenciar o estratégico papel da Igreja e das missões. Controverso diante de uma coroa portuguesa baseada no sistema do Antigo Regime católico. E em sentido inverso, nos aldeamentos jesuítas, seria um anacronismo acreditar haver um adocicado tratamento ao gentio, como já retratado em filme[5]. Dentre os índios, havia uma política dos índios inimigos, reduzidos à escravidão pela “guerra justa”[6]. Os índios amigos moravam nos aldeamentos e eram submetidos à religião. Eram obrigados ao trabalho. Os recalcitrantes (que praticavam a poligamia, a antropofagia, que bebiam o cauim alcóolico, etc.) poderiam ser submetidos aos castigos corporais no pelourinho. As fugas dos aldeamentos eram constantes. E em sentido inverso, as Ordens Religiosas exerceram papel extra ecumênico (com exceção dos franciscanos que faziam voto de pobreza). Jesuítas, beneditinos e carmelitas igualmente participam da economia colonial com estipêndios, propriedades rurais e urbanas. Dentre eles, os Beneditinos granjeiam fama de bons administradores e no séc. XVII possuem 11 Engenhos por todo o Brasil.

O Volume 2 tem início em 1580, data da chamada União Ibérica, período em que o reino de Portugal e Castela se unificam, mais em prejuízo do primeiro, que se submete ao rei espanhol Felipe II.

Importa-nos perquirir algumas repercussões da União Ibérica junto ao Brasil, que durará até 1640, quando da restauração da dinastia Bragança de Portugal.

A União Ibérica implicou o modelo castelhano de conquista territorial implantado no Brasil, significando uma interiorização da conquista no norte: conquista da Paraíba (1584); Rio Grande do Norte (1599); Ceará (1612); Maranhão (1615) e Pará (1614).  

A União levou para Portugal os inimigos de Espanha – França, Inglaterra e Holanda – há uma série de ataques corsários na costa da América portuguesa e o mais significativo deles é a invasão Holandesa (1630-1654).

Posteriormente, com a guerra de restauração e fim da União, Portugal se alia à Inglaterra, contra França e Espanha, com repercussões no Brasil, dentre elas a disputa da Colônia de Sacramento e algumas tréguas diplomáticas junto aos Holandeses.

Outro aspecto diz respeito às relações dentre as elites políticas de Portugal e Castela (Habsburgo) – a União deu-se da mesma forma que consolidou-se a União de Aragão 100 anos antes – foram conservadas as leis, principais instituições e o sistema monetário, o que garantiu alguma estabilidade política.

Outros temas tratados pelos artigos é a economia da Cana de Açúcar – que se desenvolve com melhores condições no nordeste, com solo de massapê, vantagens climáticas, além de ser mais apreciado que seu concorrente caribenho (holandeses produzem açúcar mascavo e menos apreciado no mercado mundial); as Invasões Holandesas, que devem ser estudas com um olhar atento particularmente no que diz respeito às jornadas de resistência, seja pelos mais de 10 anos de luta de duração; seja pela formação de milícias negras e indígenas na condução desta guerra de expulsão; seja em particular pela iniciativa dos nativos pernambucanos na expulsão batava (que se processa a partir de 1643-4 com a crise do setor do açúcar e o endividamento dos Senhores de Engenho em face dos mercadores holandeses), levando-se em consideração que os nacionais levaram a cabo o conflito a despeito das vacilações dos portugueses – O Padre Antônio Vieira era da posição de que Portugal devia capitular.

Lênin dizia em artigo de maio de 1913 para o Pravda[7]: “A questão nacional requer um equacionamento claro e uma clara solução por parte de todos os operários conscientes”.

Ao mesmo tempo, quando dizia sobre a “análise concreta da situação concreta” falava tanto da especificidade e da não generalização, quanto também de se suscitar o problema da questão nacional.

Parte destes esforços um estudo mais aprofundado da história do Brasil, incluindo do Brasil Colonial. Não parece coincidência que este foi também o movimento do comunista Caio Prado Jr. que ambicionou escrever uma História da “Formação do Brasil Contemporâneo” e apenas conseguiu concluir o primeiro volume sobre o Brasil Colonial. Ao falar sobre o sentido da nossa colonização[8] procurava suscitar problemas objetivos do presente. Este é o tipo de história que os marxistas devem buscar para se informar e também produzir trabalhos, preferencialmente para além da academia.

Nobilitação Indígena 
Séc. XVI - Arariboia - batizado como Martim Afonso de Souza - Lutou pela expulsão dos franceses no Rio de Janeiro na expedição de Mem de Sá. Recebeu do Rei D. Sebastião o prestigioso hábito da Ordem de Cristo - recebe patente de Capitão mor de sua aldeia e sesmaria de duas léguas de terra. Os privilégios e mercês são formas de reconhecimento de lealdade junto ao rei: os conquistadores almejam títulos e rendas; o rei depende de leais vassalos para manter as possessões territoriais. Houve número reduzido de índios/pretos efetivados com cavaleiros de Ordem e houve prática de ludibriar com hábitos falsos (dados por governadores e não pelo rei), concessão de fantasias/roupas ou bens alternativos como medalhas, símbolos de hábitos costurados em lapelas (que eram re significados pelo gentio). Em uma sociedade estamental como a do Antigo Regime português, os bens materiais e simbólicos raramente eram franqueados aos súditos de "sangue impuro", inclinados a hábitos controversos.



Frans Post (1612-80) - Artista que integrou missão de artistas e naturalistas de Maurício Nassau (1637-1644) durante Invasão Holandesa. Retrato de um Engenho de Açúcar.



[1] Regime jurídico sucessório em que os bens do morto são inalienáveis, indivisíveis e não suscetíveis a partilhas, concentrando patrimônio em determinada linhagem, com repercussões na economia política, inclusive do Brasil Colonial. Historiadores atestam que a pobreza do solo em Portugal e o morgadio são fatores que influíram ao movimento de colonos às possessões ultramarinas portuguesas. Outrossim, as Casas de Misericórdia e de Órfãos, no Brasil Colonial, por lidarem com bens pecuniários testamentários, seriam importantes fontes de crédito para atividade econômica: foram credores de senhores de Engenho e demais proprietários.
[2] RIBEIRO, Marta. ALMEIDA Carla. Obra Cit.
[3] BARROS, Edval de Souza
[5] “A Missão” dirigido por Roland Joffé com participação do ator Robert De Niro
[6] “Guerra Justa” é conceito que advêm das jornadas de luta pela reconquista territorial portuguesa em face dos Mouros, mais um elemento que traduz como os albores da colonização diz respeito ao contexto medieval.
[7] “A Classe Operária e a Questão Nacional” https://www.marxists.org/portugues/lenin/1913/05/10.htm
[8] “O sentido da colonização” volta-se ao atendimento dos interesses comerciais portugueses e é com base neste comércio – já antes explorado pelos lusitanos nas índias – que se conformará toda estrutura social, política, administrativa, etc. A colônia nada mais é, nesta perspectiva, do que uma empresa comercial destinada exclusivamente à grande exportação. Como um “resquício” deste passado colonial, enxerga-se a ausência de preocupação pela metrópole em desenvolver internamente sua colônia

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

“Coleção Brasil Colonial Volume I (1443 – 1580)” – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (Org.)


“Coleção Brasil Colonial Volume I (1443 – 1580)” – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (Org.)

Resenha Livro - “Coleção Brasil Colonial Volume I (1443 – 1580)” – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (Org.) – Ed. Civilização Brasileira – Rio de Janeiro – 2014



RESISTÊNCIA DOS TUPINAMBÁS
“O avanço da colonização não se faz, porém, sem conflitos e resistências por parte dos indígenas. A primeira mobilização ocorreu em 1554 e durou quase dois anos, sendo útil acompanhar as suas fases para ter um panorama dos motivos alegados para as “guerras justas”, de seus métodos de ação e de seus resultados. Chegaram aos ouvidos do governador, Duarte da Costa, em maio desse ano, notícias de que os tupinambás estariam atacando engenhos e fazendas na Margem direita do rio Paraguaçu, pretendendo reaver terras que lhes haviam sido usurpadas. Após discutir o assunto no Conselho, ordenou a ida de uma expedição punitiva, composta por 70 homens e seis cavaleiros, comandados por seu filho, Álvaro. Encontraram no caminho algumas armadilhas, mas nenhuma resistência ativa, capturaram o morubixaba e incendiaram duas aldeias vizinhas, que lhe teria dado apoio. Pouco tempo depois, surgiram notícias de que seis aldeias tupinambás teriam se reunido e feito um cerco a um engenho de um dos mais destacados colonos. A expedição punitiva partiu dessa vez com cerca de 200 homens, também sob comando de Álvaro da Costa, travando uma batalha com cerca de mil tupinambás, que foram vencidos e tiveram suas aldeias queimadas”. OLIVEIRA, João Pacheco.
               
A noção de “Brasil Colonial” é uma construção da História associada a alguns momentos chave do processo histórico Brasileiro: costuma-se tradicionalmente abarcar as datas de 1500, da conquista ou achamento das terras de Santa Cruz (posteriormente denominada Brasil) até o 7 de Setembro de 1822 com a emancipação política brasileira em face de Portugal, precedida da vinda da Família Real portuguesa em 1808 e da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815. Esta “Coleção Brasil Colonial” consiste num ambicioso projeto de abordar todo período colonial a partir de uma divisão em três volumes, consoante as mais recentes novidades e debates historiográficos – uma história escrita por professores universitários, historiadores e cientistas sociais, de universidades Brasileiras e Europeias. Profissionais especializados que se debruçam em temas específicos propiciando a cada capítulo o aprofundamento que distingue a  pesquisa acadêmica e desde a leitura do conjunto da obra oferece uma visão geral e consistente do passado colonial brasileiro.
                
Este primeiro volume propõe desde já uma nova periodização, de 1443 à 1580 (Quando se dá a União Ibérica). A proposta de se aferir os contornos do passado colonial para os remotos meados do século XV dizem respeitos a artigos como “A Europa da Expansão Medieval – Séculos XIII a XV”. Aqui como em diversos momentos as pesquisas e debates historiográficos recentes abalam algumas convicções arraigadas. Uma delas é a de que a expansão Ultramarina portuguesa está atrelada à visão social de mundo do Renascimento, como se a busca por novas rotas comerciais estivesse exclusivamente associada às atividades mercantis. Havia isso sim um espírito de cruzada envolvido na expansão ultramarina, havendo interfaces importantes entre a expansão, a conquista, a noção de guerra justa (que foi utilizada em face dos mouros e igualmente em face do gentio). A tomada de Celta em 1415 foi segundo alguns historiadores o primeiro passo para a expansão colonial. A navegação oceânica no Atlântico norte conduz os navios portugueses à ilha da madeira em 1419, treze anos antes da execução de Joana D’arc.
                
Ademais, é através da leitura dos capítulos de historiadores dedicados às pesquisas mais específicas sobre cada problema deste primeiro momento do Brasil colônia que parece cair por terra certa vulgarização economicista de nosso passado. Vulgarização segundo o qual “a história da  América Portuguesa dos dois primeiros séculos foi um simples canavial habitado por prepostos do capital mercantil e semoventes (escravos) conectados com o mundo por rotas marítimas”.

Não queremos aqui colocar uma pá de cal no importante (e àquela altura inovador) conceito de “Sentido da Colonização” do “Formação do Brasil Contemporâneo” de Caio Prado Jr. que muito serviu para se observar o nosso passado desde um pressuposto teórico metodológico materialista com ênfase nas relações de produção, destacando a função do trabalho escravo, do latifúndio, do exclusivismo comercial (da produção que atende os interesses da metrópole). O que se constata todavia é que no Brasil colônia há também um peso considerável da política e da religião: já desde a carta de Pero Vaz de Caminha se conclama ao rei pela conversão do Gentio. Como veremos, houve uma política para os índios que foi além da mera aculturação/extermínio, envolvendo alianças e articulações comerciais (escambo) e políticas sem as quais Portugal dificilmente teria mantido sua soberania territorial, havendo nesse sentido um papel fundamental do missionário e do aldeamento. A troca do Pau Brasil envolveu negociações em que o gentio barganhava a qualidade e a quantidade dos bens. E para além do econômico, a nova historiografia debruça-se sobre o político, identificando os arranjos institucionais das posses do ultramar: da capitania hereditária (1534), do Governo Geral (1549), das vilas, dos concelhos, etc. Tais arranjos políticos e jurídicos visavam a garantia do povoamento, a expulsão de estrangeiros e corsários, o controle jurisdicional com algumas regras, dentre as quais a proibição da venda de armas aos índios (norma frequentemente descumprida).

Questão Indígena

Ainda que o senso comum ainda reitere a ideia de “descobrimento” do Brasil, tal conceito não se sustenta mais em face dos atuais conhecimentos sobre a América pré-colombiana. Nos albores da historiografia brasileira, o grande historiador brasileiro Capistrano de Abreu discorreu em poucos parágrafos sobre o índio no primeiro capítulo de seu “Capítulos de História Colonial” (1907) sintomaticamente junto à descrição da paisagem do país: vegetação, relevo e clima. Desde aqui exsurge a ideia de “descobrimento”, remetendo à noção de uma terra pouco ou não habitada, a ser povoada pelo português, quando antes, no limite, havia um elemento bárbaro que se confundia com as árvores e pássaros.  

Após muitas pesquisas, hoje o número mais aceito dentre os historiadores estima 2,4 milhões de índios no Brasil em 1500. Um censo foi feito no final do século XV no Reino de Portugal  contabilizando 1,4 milhões. Isto significa que os “descobridores” provinham de uma nação que tinham quase a metade da população que habitavam a terra que seria denominada Brasil.

Mas dentre as pesquisas feitas sobre o assunto, pode-se aferir também uma outra armadilha – uma noção que também opera no senso comum segundo a qual o índio foi uma vítima passiva de aculturação (sem oferecer resistência, sem capacidade de reflexão acerca das relações ou mesmo imposições culturais e sem identificar os diversos casos de miscigenação cultural ou mesmo de aculturação às avessas, como veremos).

Deve-se aqui evitar uma dupla armadilha: polarização entre extermínio e proteção que supõe a hipossuficiência irremediável do gentio – enquanto o índio negociava e mesmo reivindicava até mercês junto à coroa. A nova historiografia aponta no sentido de que os índios foram na medida do possível protagonistas da história do Brasil Colonial – com isso, certamente não se deixa de atestar o seu extermínio, especialmente por doenças, como varíola. Já os Portugueses não são povoadores mas conquistadores.

A política indianista partia das inimizades que pré existiam entre os autóctones. Os colonizadores se serviam destas divisões ou mesmo a fomentavam de maneira a conquistar aliados. Havia assim os indígenas “amigos” que deviam ser levados às aldeias sob os auspícios dos inacianos. E os indígenas “inimigos” que eram escravizados. Nas guerras de conquista, sempre os colonos levam consigo indígenas, que manejam como arma o arco e flecha. Muitos se destacam em embates como Filipe Camarão na expulsão dos holandeses e Arariboia, líder indígena de tribo de São Lourenço que está na linha de frente na guerra de conquista do Rio de janeiro sob o jugo dos Franceses.

Diversas ordens religiosas estiveram no Brasil como Franciscanos, Beneditinos e Carmelitas. Mas de longe os missionários da Companhia de Jesus eram maioria. Tal ordem foi fundada em 1534 Inácio de Loyola e encarna o espírito da Contrarreforma, por exemplo, combatendo as heresias, e reverenciando santos (combatidos pelos protestantes como forma diabólica de adoração). A música e o teatro são as melhores formas de cativar o gentio e um dos missionários confecciona uma gramática do tupi ainda no séc. XVI. É reprovado pelos jesuítas beber o cauim (bebida alcoólica), a nudez, a poligamia e o canibalismo: os relatos constam que uma das características dos índios é a inconstância, de molde que ora parecem aderir aos preceitos cristão, oram voltam aos seus rituais tradicionais. Há nas aldeias fugas em massa e o uso do pelourinho para os renitentes – é interessante observar que é outro índio que aplica o castigo. Em outro contexto, na escravidão do negro, o preposto que aplica o castigo também tem a pele de cor preta.
Frise-se que os índios aliados ainda assim trabalhavam em obras de interesse da Coroa como fortificações e Igrejas. Nas aldeias dos missionários, além de trabalhar, passavam pelo processo da conquista espiritual.

Quanto à religião consta que no Brasil dos primeiros séculos, Santo Antônio fosse o mais popular da colônia. Santo protetor de Portugal, Patrono dos Iletrados, Guardião dos amantes, noivas e maridos desaparecidos e além de Santo Casamenteiro para quem se fazia promessas.

Mas importa-nos aqui relatar alguns casos de sincretismo, a guisa de conclusão. Eles ilustram como a nova historiografia vem propondo uma nova abordagem para a história dos albores do Brasil. Distinta da narrativa longínqua de Capistrano de Abreu em que o índio aparece como um elemento paisagístico – ou que desconsidera a miscigenação cultural encoberta pela discurso de “aculturação”. A “Aculturação às avessas” por exemplo dizia respeito a degredados que eram deixados nas costas (muitos em prantos) para se unir a tribos indígenas, aprender a língua e os costumes e contribuir com a colonização. Foi também o caso de náufragos: alguns foram devorados pelo gentio; outros foram incorporados, tiveram filhos e até fizeram fama.     

          

Felipe Camarão - Líder Indígena proveniente de aldeia missionária da capitania do Rio Grande (RN) que se destacou nas lutas pela expulsão dos Holandeses. Como ele houve Tibiraçá da Capitania de São Paulo de Piratininga, amigo de João Ramalho. Camarão não foi o único índio que obteve no período colonial condecoração régia.




Santidade de Jaguaribe (Séc. XVI) – Movimento religioso indígena de caráter rebelde – expressa a situação de revolta e recusa da catequese e da ordem colonial, incluindo o batismo, identificado como fonte das epidemias. (Os pajés de inúmeras tribos associavam o batismo dos missionários às epidemias de varíola, e estavam relativamente certos, já que a origem da mortandade era o contato das gentes, brancos, negros e índios). A Santidade de Jaguaribe atesta o máximo de sincretismo religioso no Brasil colonial havendo a fusão de elementos católicos (santos, práticas, ainda que distorcidas) e da tradição do gentio. Este movimento fomentou inúmeras fugas e teve como líder um indígena proveniente de um aldeamento chamado Antônio. Foi dizimado pelas autoridades em 1585.



Theodoro De Bry (1528 – 1598)

Cena de canibalismo provavelmente de índios tupinambás (tradicionais aliados dos franceses, sendo a França a nacionalidade do artista). A Antropofagia foi prática comum dentre as várias tribos do Brasil colonial e uma das atividades mais combatidas pelos missionários. Muitos mamelucos (filhos de brancos com índios) ou mesmo brancos, em geral degredados ou náufragos, que viveram junto às tribos, praticaram a antropofagia. A atividade era feita por meio de rituais festivos e os homens pintavam-se para o evento.




Caramuru (Diogo Álvares) Tupinizou-se e prestou auxílios à coroa em guerras, direcionando os colonizadores nos territórios e em traduções. Viveu 22 anos entre os índios. Papel semelhante presta João Ramalho da Capitania de São Vicente. Ambos receberam condecoração Régia.