sábado, 30 de abril de 2022

BREVES NOTAS SOBRE JOSÉ BONIFÁCIO

 BREVES NOTAS SOBRE JOSÉ BONIFÁCIO




 

“Dirão talvez que, se favorecerdes a liberdade dos escravos, será atacar a propriedade. Não vos iludais, senhores, a propriedade foi sancionada para o bem de todos; e qual o bem que tira o escravo de perder todos o seus direitos naturais, e se tornar de pessoa a coisa, na frase dos jurisconsultos? Não é, pois, o direito de propriedade que querem defender; é o direito da força. Se a lei deve defender a propriedade muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens que não pode ser propriedade de ninguém”. José Bonifácio.

 

No ano do bicentenário da independência do Brasil, cresce o interesse em se conhecer  a trajetória de vida do principal arquiteto da emancipação política do país, José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como o Patriarca da independência.  

 

Não seria um exagero dizer que o grande político e cientista santista fora de certa maneira o pai  e mentor do nosso Sete de Setembro.  

 

Sua intervenção se deu dentro de uma conjuntura política de caráter revolucionário, desde a vinda da Família Real portuguesa em 1808, das Cortes de Lisboa com suas pretensões (ainda que dissimuladas) de recolonização do Brasil e a decisão de D. Pedro I em não retornar à Portugal (dia do fico em 09/01/1822) confrontando as determinações das Cortes,  culminando na proclamação da independência no Sete de Setembro e os conflitos militares (esquecidos pelos historiadores) que se abriram, com principais focos de na Bahia, no Maranhão e no Pará.

 

José Bonifácio, sete dias após a determinação de D. Pedro em não retornar à Portugal, foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros.

 

Era o principal conselheiro político daquele que seria o primeiro imperador do Brasil.

 

D. Pedro I era então jovem de vinte e poucos anos, que passara a maior parte da sua vida no Brasil, sem grande formação intelectual, menos atento aos livros e mais atento às aventuras de rua do Rio de Janeiro, mas altivo e muito mais corajoso que seu antecessor D. João IV.

 

Via em José Bonifácio como uma espécie de pai, e por intermédio de seu principal assessor, conseguiu-se a proeza de promover a independência e fundar um governo nacional resguardando a integridade territorial continental do país, impedindo a secessão das províncias e coordenando os impulsos revolucionários num sentido construtivo, nos marcos de uma monarquia constitucional.

 

A despeito das turbulências que se seguiram ao Sete de Setembro de 1822, com a dissolução da Assembleia Constituinte dois meses após a sua constituição, as guerras de independência, a luta pelo reconhecimento internacional da emancipação e a outorga da nossa primeira Constituição em 1824, não tivemos no Brasil a situação de fragmentação política em torno de movimentos caudilhistas e republicanos, como se deu na América Espanhola, o que daria contornos ainda mais inacreditáveis ao processo de independência do Brasil. Certamente, esta conquista não seria possível sem a qualidade intelectual do principal dirigente da independência em combinação com um Imperador enérgico e disposto à luta.  

 

Quando Bonifácio tomou parte dirigente no processo de emancipação política do Brasil, já era um senhor de 60 anos de idade, formado em Coimbra em Direito, Matemática e Filosofia, dedicado durante anos à mineralogia, química e botânica. Depois de formado, participou de uma expedição científica na Europa, para depois ser Chefe da Intendência Geral das Minas de Portugal e Professor de Coimbra. Participava de todos as principais Academias de Ciências da Europa, com amplo reconhecimento no mundo científico. Falava 6 línguas fluentemente e entendia cerca de 12.

 

Não sem razão, um insuspeito historiador estrangeiro que disse que os chamados pais fundadores da independência norte-americana (Thomas Jefferson, George Washington e Benjamin Franklin) eram caipiras semi-letrados perto do patriarca da independência do Brasil.  

 

Depois de conseguir sua dispensa dos serviços públicos em Portugal, já com quase 60 anos, começa sua carreira política assumindo a vice presidência da junta de governo de São Paulo durante o contexto da referida Revolução do Porto de 1820. Neste período, JB e os nacionalistas brasileiros ainda era partidários da manutenção do Reino Unido mantendo a autonomia e as conquistas para o Brasil decorrentes da vinda da Família Real de 1808.

 

De fato, podemos situar a instalação da sede do Império Português como o ponto de partida da nossa independência. Os portos do país, antes totalmente fechados, abriram-se ao comércio universal. Deixou de vigorar o alvará de 5 de Janeiro de 1785, que não permitia a existência de fábricas e indústrias; concederam-se aos estrangeiros que viessem morar no Brasil direitos iguais aos dos portugueses, no tocante a datas de terra por sesmarias; instalaram—se os serviços públicos – repartições e tribunais – indispensáveis ao funcionamento do governo; criou-se o Banco do Brasil; inauguraram-se instituições culturais de várias espécies; em suma, montou-se, toda a estrutura do Estado Brasileiro.

 

JB redigiu o programa político dos paulistas deputados das cortes de Lisboa. Quando se confirma a intenção das cortes de retirar os avanços do Brasil decorrentes da vinda da Família Real é que fica claro ao grupo a necessidade da independência.

 

Certamente, as ideias políticas do Patriarca eram avançadas para a sua época. Nos anos de 1820, defendia a abolição do tráfico de escravos, que apenas ocorreria em 1850. Defendia igualmente a extinção gradual da escravidão, que só se consumaria em 1888. Propunha a reforma anti-latifundiária da propriedade, a integração do índio à sociedade brasileira e a alteração da sede do Brasil para alguma cidade mais ao interior, possivelmente em Minas Gerais, com a finalidade de resguardar a defesa militar do país.

 

Formado na Universidade de Coimbra logo após as reformas de ensino anti-jesuíticas do Marques de Pombal, vivem na Europa nos anos imediatamente posteriores à grande Revolução Francesa de 1789, havendo muito de influência iluminista no seu pensamento, ainda que mantivesse até o fim uma posição pró monarquia.

 

Quanto ao temperamento, consta que era orgulhos, altivo e em alguns momentos, insolente, especialmente diante da mediocridade intelectual com que teve que lidar quando dos seus dias de ator político e servidor público.

 

E a despeito de ser o brasileiro que mais se empenhou pela Independência do país, o Brasil não exerceu a gratidão que o patriarca merecia. Com a dissolução da assembleia constituinte em novembro de 1823, as inimizades que José Bonifácio granjeou, por sua impopular (do ponto de vista das elites econômicas) defesa dos escravos, fez como que fosse exilado com seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, obrigados a morar em situação de dificuldades materiais no interior de França.

 

Após seis anos de exílio, retorna ao Brasil e é convidado por D. Pedro I a ser tutor de seus filhos. Contudo, logo voltariam as acusações de subversivo, demagogo e anarquista, razão pela qual a Regência cassou a nomeação de tutor, fazendo com que José Bonifácio terminasse sua vida no retiro em Paquetá, no Rio de Janeiro.

 

Morreria em 1838 aos 75 anos de idade.  

 

Bibliografia

SOUZA, Otávio Tarquínio. “História dos Fundadores do Império do Brasil. V. I. José Bonifácio”. Edições do Senado Federal.

domingo, 10 de abril de 2022

“Rosinha, Minha Canoa” de José Mauro de Vasconcelos

 “Rosinha, Minha Canoa” de José Mauro de Vasconcelos




 

Resenha Livro -  Rosinha, Minha Canoa – José Mauro de Vasconcelos – Edições Melhoramentos

 

“Antigamente, quando escrevia, deixava entrever minha ternura mas com muito medo. Queria que todos os meus romances cheirassem a sangue e viessem rotulados com carimbo de: Machos pra Burro. Foi preciso que chegasse aos quarenta anos para perder todo o terror de minha ternura e derramar por minhas mãos que queimam de carinho (quase sempre sem ter ninguém para o receber) a simplicidade deste meu livro. Leia-o quem quiser. De uma coisa estou certo: não tenho nada de que me desculpar perante o público. Apresento, pois, ROSINHA, MINHA CANOA.”. José Mauro de Vasconcelos

 

A ternura das personagens, o lirismo e a poesia na forma como a história é contada, e um certo realismo decorrente dos registros e experiências de vida do escritor são algumas marcas presentes dos livros do escritor fluminense José Mauro de Vasconcelos.

 

Filho de pai português e mãe indígena, o escritor apresenta histórias a partir de sua vasta experiência de vida e de viagens pelo Brasil afora, mais do que propriamente por conta de uma formação escolar e acadêmica. Nascido em Bangu em 26 de fevereiro de 1920, passou a infância em Natal/RN, onde se atirava às águas do Potengi, quase na bica do mar, a fim de treinar para as provas de grandes distâncias de natação. Como todas as crianças do lugar, gostava de futebol e de trepar nas árvores.

 

Aos quinze anos de idade saiu de casa para conhecer o mundo. No estado do Rio de Janeiro trabalhou numa fazenda em Mazomba como carregador de banana. Depois, foi viver como pescador no litoral fluminense, onde não se demorou muito, partindo em seguida para Recife. Ali exerceu o cargo de professor primário num núcleo de pescadores.

 

Da capital pernambucana, José Mauro saiu para começar um incessante vai-vem, do Norte ao Sul, e vice-versa, permanecendo um pouco em cada lugar, para em seguida enveredar pelo sertão e viver entre os índios.

 

O artista chegou até a ser artista de filme e de televisão, premiado como melhor artista coadjuvante no filme “Fronteira do Inferno”.

 

O espírito inquieto e a primazia da experiência prática de vida como fonte de seu trabalho literário se revelariam quando José Mauro ganhou bolsa de estudos e foi para a Universidade de Salamanca (Espanha). No entanto, após três dias, deixou os estudos e percorreu a Europa enquanto o dinheiro da bolsa durou.

 

“Rosinha, Minha Canoa” foi publicado pela primeira vez em 1962, seis anos antes do lançamento do mais famoso livro do escritor fluminense, meu “Pé de Laranja Lima”.

 

Nos dois livros, verificamos o lirismo e a visão poética, ora decorrentes da imaginação de uma criança no Meu Pé de Laranja Lima, ora na cabeça do pescador Zé Orocó, tido por seus pares como um louco, por conversar com sua canoa Rosinha.

 

A presença da canoa como meio de travessia de vastos rios nos rincões do Araguaia, a exuberância da floresta e sua diversidade animal, e a íntima conexão do homem com a natureza expressam uma literatura particularmente brasileira, lastreada naquelas vastas viagens realizadas pelo autor pelos rincões do país:

 

“Demorou a chegar a noite. A tarde parecia querer prolongar-se mais do que o habitual. A custo as primeiras asas passaram ruflando em busca dos ninhos; garças brancas retornaram aos bandos; marrecos adejaram resmungando roucamente; colhereiros perderam o tom róseo para se tornarem escurecidos; papagaios faziam uma algavaria dos diabos... Os olhos de Nininha foram-se fechando de tanto esperar. E a noite formada encontrou-a fechando de tanto esperar. E a noite formada encontro-a adormecida em seu sono de inocência e sem sonhos.”.

 

Além da vida de homens, árvores e animais, dotados de mesma importância na história, remeterem ao altos e baixos de uma travessia de rio, verifica-se ao fundo a noção de ciclos – a história do vegetal que inicia como semente, se torna uma exuberante árvore, é cortada pelos índios para se transformar numa canoa, até ser inutilizada pelo tempo, queimada e transformada em cinzas, que serão conduzidas ao chão, iniciando um novo ciclo. Ou Zé Orocó que quando era são estava casado com Madrinha Flor, diante de uma tragédia pessoal, se afasta dos homens para a companhia do Araguaia, dos pássaros e de sua canoa, é capturado e remetido ao Manicômio, para retornar ao sua terra natal, já velho, onde inicia um último ciclo com uma nova égua, também falante e a quem chamaria de Rosinha, Meu Amor.  

 

O tema da loucura é central na história, começando por intrigar um doutor que fica responsável por capturar, Zé Orocó, tido como demente por conversar com plantas e animais, faculdade que adquiriu após conhecer a história de São Francisco de Assis. O pescador é remetido a um manicômio onde aprende, mediante coação, a acreditar que “uma árvore é uma árvore”.

 

No seu último encontro com Rosinha, a canoa lhe diz a inversão de papeis quanto ao tema da loucura:

 

- Então eu ainda sou louco. Louco, tal como um homem que andava com os jornais debaixo do braço, como outro que se zangava toda hora com Deus.

- Louco, você? Só porque consegue entender as árvores ou falar com as coisas? Bobagem! Loucos são os outros homens que perderam a poesia de Deus, que endureceram o coração e nem sequer podem entender os próprios homens. Esses são loucos.