terça-feira, 25 de março de 2014

“Introdução à Teoria e à Prática Dialética no Direito Brasileiro: a experiência da Renap” – Alberto Liebling Kopittke


Resenha livro #108 -  “Introdução à Teoria e à Prática Dialética no Direito Brasileiro: a experiência da Renap” – Alberto Liebling Kopittke – Ed. Expressão Popular



Este ensaio de Alberto Kopittke corresponde à sua monografia de conclusão de curso de Direito. O tema proposto é o da teoria e da prática do denominado “Teoria Dialética do Direito”. No polo da teoria, há alguns apontamentos acerca da contribuição de Roberto Lyra Filho e sua Nair, Nova Escola Jurídica Brasileira. No polo da prática, há levantamento de informações e reflexões sobre a Renap, Rede Nacional dos Advogados Populares. Trata-se de uma articulação de advogados populares em nível nacional que, a partir de comissões por estados, se organizam e se mobilizam junto aos movimentos sociais, além de oferecerem assistência jurídica em lides relacionadas especialmente à luta pela terra e por moradia.

A “Teoria Dialética do Direito” teria como premissa a união destes dois momentos, o teórico e o prático, buscando avançar sobre uma percepção meramente formalista acerca do direito, que ainda é dominante. Roberto Lyra Filho foi jurista, professor da Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro e da Universidade de Brasília. E foi desde a Unb que Lyra Filho lançou o seu movimento do “Direito Achado na Rua” ou “Direito Alternativo”. Aquele movimento surgia no bojo das mobilizações populares por que o país passou ao longo dos anos de 1980 ao longo da re-democratização. E, ainda que Alberto Kopittke não observe este fato em seu estudo, é interessante observar as relações entre aquela conjuntura histórica e algumas premissas teóricas do “Direito Alternativo”, particularmente no que se refere à sua relação com o marxismo.

A proposta de Lyra Filho é a de superar de um lado o referencial juspositivista a partir do qual o direito resume-se à norma jurídica estatal e de outro o referencial jusnaturalista segundo o qual alguns direitos seriam essenciais e naturais do indivíduo – uma percepção idealista de direitos negando que são, entre outras coisas, produtos de uma contingência histórica. O grande problema é que Lyra Filho tenta uma inovação metodológica “refutando” o marxismo. E sua “refutação” do marxismo e da tradição marxista não convence. Afirma Lyra Filho não ter Marx teorizado especificamente acerca do direito, no que ele está correto. Entretanto, a análise marxista da sociedade – fundamentada na ideia de infra e superestruturas – não deve autorizar um observador cauteloso a afirmar que marx, ao refutar o direito e o estado como expressões do domínio de classe da burguesia, era ora um juspositivista ora um jusnaturalista. Parece inacreditável, mas é esta a grande descoberta do jurista Lyra Filho: quando Marx aponta para a natureza de classe do direito e do estado, ele é positivista. Quando, por outro lado, Marx chama atenção para a extinção do estado e do direito na sociedade comunista, ele é jusnaturalista.

Roberto Lyra Filho hoje não é um autor frequentemente estudado nas escolas do direito. A sua Nair e os seus livros dormem um justo sono nas estantes das bibliotecas onde eventualmente um historiador do futuro poderá se divertir com aquele jurista carioca, meio poeta e completamente pretensioso, ao ponto de julgar estar “refutando Marx e Hegel”. O fato é que Marx não era um determinista da economia e Engels teve inclusive a oportunidade de refutar tal alegação esclarecendo estar Marx inteiramente ciente das múltiplas determinações engendradas pela “superestrutura”. O materialismo histórico e o materialismo dialético são outrossim ferramentas de análise da realidade, da concretização da história e, nesse sentido, também do direito. Esta percepção totalizante do direito que Lyra julga ter descoberto está plenamente desenvolvida nas ideias de Marx. 

Certamente houve uma tendência dogmática dentro do marxismo, o que, de todo modo, não diz respeito à Marx, mas ao marxismo.   

Falávamos de como as circunstâncias históricas influenciaram a teoria do Direito Alternativo e particularmente sua relação com o marxismo. Em que pese se tratar de uma conjuntura de crescimento das lutas e das mobilizações no país, das greves e da reorganização sindical, dos novos movimentos sociais na cidade e no campo, é importante ressaltar que no nível internacional o socialismo e o marxismo vinham em um período de descenso. Os anos de 1980 e 1990 são os do trinfo do pensamento neoliberal concomitante ao esforço dentro da academia e dos meios de comunicação em desmoralizar o marxismo, tanto enquanto corrente metodológica (tido como “dogmático”), quanto corrente política (tida como “burocrática” e “autoritária”).

É interessante apontar como o chamado “Direito Alternativo” vai buscar se localizar politicamente naquele contexto contraditório, marcado por lutas sociais, novos sujeitos políticos e crise teórico-metodológica do marxismo.

Emblemática algumas das proposições negativas daquilo que a Nair não é: fica aqui bastante evidente aquele esforço de se localizar politicamente: “A Nair não é um sistema de dogmas; A Nair não é um clube jacobino, com patrulheiros da consciência revolucionária; A Nair não é um grupo de gabinete, estando compromissada com campanhas por direitos”.

A centralidade da classe trabalhadora é mitigada dentro da ótica daquele movimento. Os chamados novos movimentos sociais e os seus sujeitos (negros, índios, mulheres, idosos, crianças, etc.) devem ter a mesma importância e o mesmo protagonismo que os trabalhadores. A teoria do estado e do direito desde o ponto de vista marxista também são mitigadas na medida em que há um maior reconhecimento das possibilidades de “transformação” por meio do direito e das instituições estatais. Trata-se de um viés claramente reformista, com ilusões importantes em torno do aparato repressivo-ideológico do estado burguês e do direito.


Se as conquistas democráticas são decorrências de lutas sociais nas quais comumente o direito está diretamente envolvido, isso não deve autorizar, ao menos o jurista marxista, a manter qualquer ilusão em torno da viabilidade da construção de uma sociedade livre e igualitária sem o projeto revolucionária – para além dos marcos legais, portanto. A superestimação do direito tem como contrapartida a criação de ilusões dentre os explorados e oprimidos justamente em torno dos mecanismo sociais que engendram a exploração e a opressão, o capital, a burguesia e o estado. Reconhecê-lo não significa subestimar os direitos democráticos ou deixar de defendê-los. Ocorre que a única via de defesa consequente dos direitos democráticos é por meio da revolução. Neste cenário, portanto, uma pergunta importante precisa ser feita: reforma ou revolução? O movimento do "direito alternativo" ou "direito achado na rua" claramente vai pelo primeiro caminho. O marxismo autêntico segue o segundo caminho.  

quarta-feira, 12 de março de 2014

“Trotsky – O Profeta Desarmado” – Isaac Deutscher

Resenha livro #107 “Trotsky – O Profeta Desarmado” (1921-1929) – Isaac Deutscher – Ed. Civilização Brasileira



A extensa biografia do historiador marxista polonês Isaac Deutscher acerca da vida de Leon Trótsky é dividida em três partes. Já tivemos a oportunidade de resenhar o último tombo do estudo (Ver aqui: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/02/trotsky-o-profeta-banido-1929-1940.html). Em “O Profeta Banido”, Deutscher narrará a vida de Trotsky no exílio, imediatamente após a sua expulsão de Alma Ata até o seu assassinato em 1940 no México. Na resenha do 3º volume tivemos a oportunidade de oferecer informações gerais sobre o autor da biografia, bem como propor um balanço da intervenção política de Trótsky e seus seguidores tanto para a experiência da revolução russa quanto para à realidade contemporânea. Não é necessário repetir o mesmo assunto. As informações sobre Deutscher estão lá, além de serem facilmente encontradas na internet. Já nossa opinião sobre Trótsky e trotskysmo em nada muda após a leitura do 2º Volume.

Assim, este resenha se deterá apenas acerca das principais passagens da vida de Trótsky entre 1921 e 1929.

O profeta desarmado corresponde ao processo gradual de eliminação da Oposição de Esquerda dentro do partido e do movimento russos, processo não linear e que vai expressando diferentes resultantes de uma feroz luta interna dentro do partido comunista, tendo como ponto de partida o definhamento e morte de seu líder inconteste, Lênin.

O período histórico aqui envolvido vai de 1921, com o fim da Guerra Civil, até 1929, com a expulsão de Trótsky da URSS e seu exílio na Turquia. Na verdade, um ano antes, Trótsky já havia sido enviado por Stalin e seus aliados a Alma Ata, no Kazaquistão – havia sofrido a mesma sorte de muitos outros oposicionistas que eram enviados a lugares longínquos (ocasionalmente sob o pretexto de alguma tarefa a ser realizada em benefício do partido) com a finalidade de afastar a oposição (à direita e à esquerda de Stálin) dos centros de decisão e longe de seus apoiadores.

Der todo modo, três questões são importantes de serem destacadas – o problema da democracia interna do partido e na sociedade soviética; as lutas internas e as diferentes composições de força; e o monolitismo stalinista a partir de vínculo insolúvel entre partido e estado.

Quanto ao problema da democracia, sabe-se que a Revolução Russa enfrentara, imediatamente após a tomada do poder em outubro de 1917, a mais furiosa reação contra-revolucionária – aliás, mesmo antes, em Julho, a reação branca quase derrubara o governo provisório e Lênin havia sido obrigado a fugir temporariamente da capital. Com a Guerra Civil apoiada pelas classes derrotadas na Rússia e pelo imperialismo, não haveria de se supor haver alguma possibilidade de um regime político aberto e amplamente “democrático” – o risco real da contra-revolução estava bem presente no imaginário dos bolcheviques que já tinham como exemplo a derrota da comuna de paris de 1871.

Assim, inicialmente, apenas os partidos que reivindicavam a revolução de outubro seriam permitidos. Na prática, estes eram os bolcheviques e os esseristas de esquerda, e posteriormente, estes últimos também romperiam com os bolcheviques, passando abertamente à contra-revolução. Até o fim do período leninista, vigorava um sistema unipartidário, mas que muito se diferenciava em relação ao monolitismo stalinista que seria colocado em marcha gradualmente a partir de 1924, com a morte de Lênin.

O modelo leninista corresponde ao centralismo democrático – total fidelidade à revolução e às deliberações coletivas e liberdades democráticas nos fóruns de decisão partidários. Este modelo pressupunha a existência de facções internas e a luta política ainda não era esmagada pela força. Gradualmente, a democracia seria cada vez mais mitigada em benefício de uma disciplina que se baseava menos nos argumentos poderosos e mais na obediência, no servilismo burocrático e na ameaça de defecções e expulsões. De um “unipartidarismo plural” em Lênin, o partido russo caminhava para um monolitismo. E do monolitismo partidário caminharia para o poder pessoal de Stálin, sendo irônico que não só trotskystas e zinovievistas tenham sido perseguidos, mas mesmo stalinistas que divergiam em algum ponto da linha oficial.

Certamente, o autoritarismo pode chocar a percepção comum bem como alimentar alguns discursos acerca da “natureza” autoritária do socialismo. Porém, é pouco provável que a intensa industrialização e a eliminação da agricultura particular na Rússia pudessem ter sido alcançadas por métodos democráticos. E sem aquele desenvolvimento tecnológico e espiritual, a URSS não estaria preparada para enfrentar e derrotar no nazifascismo na Segunda Guerra mundial.

Como dizíamos, a centralização do poder político na URSS foi gradual e a resultante de uma luta política entre facções da velha guarda bolchevique. Esta era o repositório moral da revolução e se impunha como autoridade inconteste. Inicialmente, a co-relação de forças internas do partido russo esteve de certa maneira encoberta pela liderança inconteste de Lênin – esta liderança seria tão importante que após a sua morte, todos os dirigentes, da direita e da esquerda, diziam estar trilhando o justo caminho do Leninismo. Após o desaparecimento de Lênin em 1924, a direção do partido passa às mãos de um triunvirato composto por Zinoviev, Kamanev e Stálin. Contra o triunvirato ficam Trótsky e seus seguidores, além de outros grupos à esquerda, como os decembristas, e à direita como os Bukharinistas.

Dentre as polêmicas que surgiam então havia o problema da relação entre a Rússia e as pequenas nações – Trótsky criticava o tratamento dado por Stálin aos georgianos e já discorria sobre a questão do internacionalismo, que seria contrabalanceada pela teoria do socialismo num só país. Os choques se prosseguiriam: a revolução na China opunha mais uma vez os dirigentes russos, sendo a posição do grupo dominante russo o apoio ao kuommitang e a subordinação dos comunistas chineses à liderança nacionalista – os comunistas chineses seriam traídos e perseguidos pelos seus antigos aliados criando grandes embaraços ao Comitern e ao partido russo.

Posteriormente, o arranjo de forças políticas de modifica. O triunvirato se rompe. Kamanev e Zinoviev vão para a oposição e sinalizam apoio à Trótsky. Este, mesmo oferecendo enormes resistências a Kamanev e Zinoviev, via o perigo termidoriano pairando a revolução russa. Havia uma “direita” representada nos últimos anos da década de 1920 por Bukharin (que ironicamente fora um “comunista de esquerda” nos anos de Lênin) e o resultado termidoriano significava a restauração capitalista a partir dos Kulagas no campo e dos homens da NEP (Nova Política Econômica) na cidade. Stálin ocupava uma posição de centro, buscava evitar golpear ao a esquerda e a direita, nunca ao mesmo tempo, buscando lançar uma contra a outra. Investia na divisão dos seus adversários e ganhava tempo para paulatinamente ganhar influência e poder no partido e porteriormente, correr para a ofensiva com defecções e expulsões dos adversários.

Leon Trotsky foi expulso em 14 de novembro de 1927 do partido russo. O pretexto foi o de um apelo às massas feito por seu grupo e o de Zinoviev no dia 7 de novembro, quando o país comemorava 10 anos da revolução. Seu apelo continha as bandeiras da oposição: industrialização do país, luta contra os kulags, democracia interna no partido. Sua intervenção foi julgada como divisionista e desleal. Dois anos depois seria expulso da URSS e mais 10 anos passariam, marcados por intensa luta política de ideias a partir de sua defesa frente aos ataques stalinistas, até seu assassinato.     

domingo, 2 de março de 2014

“Várias Histórias“ – Machado de Assis


Resenha livro #106 - “Várias Histórias” – Machado de Assis – Ed. Ática



Tenho em mãos este livro de contos de Machado de Assis. Na capa há uma etiqueta com o meu nome completo e a inscrição “3MA3”, indicando que li estes contos no 3ª colegial do ensino médio, quando tinha 16 anos. Mais de 10 anos se passaram. Esperava uma reação diferente, mais “madura” talvez, a partir de uma nova leitura, tanto tempo depois. Mas a sensação foi antes a de recordação do prazer já obtido ao ler contos como A Cartomante ou a Causa Secreta. O fato é que a literatura de Machado de Assis é bastante acessível (mesmo para um garoto de 16 anos) e nem por isso o texto perde em profundidade, especialmente quando se dedica às análises psicológicas. O poder de extração de sentido a partir de fatos banais ademais é outro traço vivo da literatura de Machado de Assis.
O Mestre do Cosmo Velho foi genial no romance e no conto. Acresce-se que esta coletânea de contos data de 1896, 7 anos depois, portanto do seu magistral “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. E, na verdade, a crítica equipara as “Memórias” com as “Várias Histórias” na medida em que ambas sinalizam um salto de qualidade a partir do qual é possível falar de um jovem Machado de Assis e um Machado de Assis em sua fase de maturidade e plenitude artística.
O que mudou?
Na primeira fase há romances como Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874) e Iaiá Garcia (1878). Já os contos da primeira fase são Contos Fluminenses (1870), Histórias da Meia Noite (1873) ou Histórias sem data (1884). Trata-se aqui do Machado da terceira fase do romantismo da literatura nacional.  Uma fase que na verdade já é uma transição em direção ao realismo. Abandona-se o subjetivismo típico do romantismo anterior, há menor atenção com relação à expressão sentimental particular dos personagens e volta-se a uma perspectiva mais objetiva, no sentido da análise social. Importante relacionar o condoreirismo (outra forma de denominar esta nova fase da literatura) com mudanças importantes na vida política e social do país: a decadência do segundo império, a urbanização relacionada com a importação de novos valores culturais europeus, o advento da republica e a abolição da escravatura.

“Várias Histórias” porém já expressa em sua totalidade as linhas mestras do realismo Machadiano. O realismo é entendido por alguns como expressão artística da pequena-burguesia que nas cidades aparecem na figura do bacharel, do comerciante, do militar, do médico, do político e do advogado. Certamente, figuras bastante presentes nas saborosas histórias de Machado de Assis. Em seus contos, predomina a cidade do Rio de Janeiro, a corte e capital cultural do país no séc. XIX. O realismo volta-se para à análise do cotidiano e os romances, nesse sentido, de Machado de Assis ou Eça De Queiróz, revelam-se documentos singulares para o historiador dos costumes e das ideias de fins do séc. XIX. Em contraponto ao romantismo, abandona-se o idealismo em detrimento de uma narração fiel (realista) das personagens. Evoca-se menos o tom emocional e mais o tom da ironia que, em Machado, tem um sabor particular: a ironia machadiana é frequentemente tragicômica, tem um pingo de alegria e um pingo de melancolia.

Buscando mostrar a sociedade tal como ela se apresenta – sem a idealização romântica – os temas realistas frequentemente incidem sobre a vulnerabilidade do caráter, o adultério, a inveja, o egoísmo, o interesse pecuniário e o triângulo amoroso. Se na tradição romântica ganha destaque a figura de um herói infalível, no realismo engendra-se narrativas que criam maior empatia no leitor, na medida em que a descrição do homem e das relações sociais desde o ponto de vista objetivo – lançando luz sobre as hesitações, as fraquezas e os erros humanos – criam maior identidade entre personagem e leitor.  Duas obras são consideradas como precursoras do realismo na literatura Brasileira dela. Uma delas é as “Memórias” de Machado de Assis. A outra é “O Cortiço” de Aluísio Azevedo, este último com um traço particularmente naturalista, contendo influência de correntes filosóficas em moda no fim do séc. XIX, o positivismo e o cientificismo.