Resenha livro
#108 - “Introdução à Teoria e à Prática Dialética no Direito Brasileiro: a
experiência da Renap” – Alberto Liebling Kopittke – Ed. Expressão Popular
Este ensaio de
Alberto Kopittke corresponde à sua monografia de conclusão de curso de Direito.
O tema proposto é o da teoria e da prática do denominado “Teoria Dialética do
Direito”. No polo da teoria, há alguns apontamentos acerca da contribuição de
Roberto Lyra Filho e sua Nair, Nova Escola Jurídica Brasileira. No polo da
prática, há levantamento de informações e reflexões sobre a Renap, Rede
Nacional dos Advogados Populares. Trata-se de uma articulação de advogados
populares em nível nacional que, a partir de comissões por estados, se
organizam e se mobilizam junto aos movimentos sociais, além de oferecerem
assistência jurídica em lides relacionadas especialmente à luta pela terra e
por moradia.
A “Teoria
Dialética do Direito” teria como premissa a união destes dois momentos, o
teórico e o prático, buscando avançar sobre uma percepção meramente formalista
acerca do direito, que ainda é dominante. Roberto Lyra Filho foi jurista,
professor da Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro e da Universidade
de Brasília. E foi desde a Unb que Lyra Filho lançou o seu movimento do “Direito
Achado na Rua” ou “Direito Alternativo”. Aquele movimento surgia no bojo das
mobilizações populares por que o país passou ao longo dos anos de 1980 ao longo
da re-democratização. E, ainda que Alberto Kopittke não observe este fato em
seu estudo, é interessante observar as relações entre aquela conjuntura histórica
e algumas premissas teóricas do “Direito Alternativo”, particularmente no que
se refere à sua relação com o marxismo.
A proposta de
Lyra Filho é a de superar de um lado o referencial juspositivista a partir do
qual o direito resume-se à norma jurídica estatal e de outro o referencial
jusnaturalista segundo o qual alguns direitos seriam essenciais e naturais do
indivíduo – uma percepção idealista de direitos negando que são, entre outras
coisas, produtos de uma contingência histórica. O grande problema é que Lyra
Filho tenta uma inovação metodológica “refutando” o marxismo. E sua “refutação”
do marxismo e da tradição marxista não convence. Afirma Lyra Filho não ter Marx
teorizado especificamente acerca do direito, no que ele está correto.
Entretanto, a análise marxista da sociedade – fundamentada na ideia de infra e
superestruturas – não deve autorizar um observador cauteloso a afirmar que
marx, ao refutar o direito e o estado como expressões do domínio de classe da
burguesia, era ora um juspositivista ora um jusnaturalista. Parece
inacreditável, mas é esta a grande descoberta do jurista Lyra Filho: quando
Marx aponta para a natureza de classe do direito e do estado, ele é
positivista. Quando, por outro lado, Marx chama atenção para a extinção do
estado e do direito na sociedade comunista, ele é jusnaturalista.
Roberto Lyra
Filho hoje não é um autor frequentemente estudado nas escolas do direito. A sua
Nair e os seus livros dormem um justo sono nas estantes das bibliotecas onde
eventualmente um historiador do futuro poderá se divertir com aquele jurista carioca,
meio poeta e completamente pretensioso, ao ponto de julgar estar “refutando Marx
e Hegel”. O fato é que Marx não era um determinista da economia e Engels teve
inclusive a oportunidade de refutar tal alegação esclarecendo estar Marx
inteiramente ciente das múltiplas determinações engendradas pela “superestrutura”.
O materialismo histórico e o materialismo dialético são outrossim ferramentas
de análise da realidade, da concretização da história e, nesse sentido, também
do direito. Esta percepção totalizante do direito que Lyra julga ter descoberto
está plenamente desenvolvida nas ideias de Marx.
Certamente houve uma tendência
dogmática dentro do marxismo, o que, de todo modo, não diz respeito à Marx, mas
ao marxismo.
Falávamos de
como as circunstâncias históricas influenciaram a teoria do Direito Alternativo
e particularmente sua relação com o marxismo. Em que pese se tratar de uma
conjuntura de crescimento das lutas e das mobilizações no país, das greves e da
reorganização sindical, dos novos movimentos sociais na cidade e no campo, é
importante ressaltar que no nível internacional o socialismo e o marxismo
vinham em um período de descenso. Os anos de 1980 e 1990 são os do trinfo do
pensamento neoliberal concomitante ao esforço dentro da academia e dos meios de
comunicação em desmoralizar o marxismo, tanto enquanto corrente metodológica
(tido como “dogmático”), quanto corrente política (tida como “burocrática” e “autoritária”).
É interessante
apontar como o chamado “Direito Alternativo” vai buscar se localizar
politicamente naquele contexto contraditório, marcado por lutas sociais, novos
sujeitos políticos e crise teórico-metodológica do marxismo.
Emblemática algumas
das proposições negativas daquilo que a Nair não é: fica aqui bastante evidente
aquele esforço de se localizar politicamente: “A Nair não é um sistema de
dogmas; A Nair não é um clube jacobino, com patrulheiros da consciência
revolucionária; A Nair não é um grupo de gabinete, estando compromissada com
campanhas por direitos”.
A centralidade
da classe trabalhadora é mitigada dentro da ótica daquele movimento. Os
chamados novos movimentos sociais e os seus sujeitos (negros, índios, mulheres,
idosos, crianças, etc.) devem ter a mesma importância e o mesmo protagonismo
que os trabalhadores. A teoria do estado e do direito desde o ponto de vista
marxista também são mitigadas na medida em que há um maior reconhecimento das
possibilidades de “transformação” por meio do direito e das instituições estatais.
Trata-se de um viés claramente reformista, com ilusões importantes em torno do
aparato repressivo-ideológico do estado burguês e do direito.
Se as
conquistas democráticas são decorrências de lutas sociais nas quais comumente o
direito está diretamente envolvido, isso não deve autorizar, ao menos o
jurista marxista, a manter qualquer ilusão em torno da viabilidade da
construção de uma sociedade livre e igualitária sem o projeto revolucionária –
para além dos marcos legais, portanto. A superestimação do direito tem como
contrapartida a criação de ilusões dentre os explorados e oprimidos justamente
em torno dos mecanismo sociais que engendram a exploração e a opressão, o
capital, a burguesia e o estado. Reconhecê-lo não significa subestimar os
direitos democráticos ou deixar de defendê-los. Ocorre que a única via de
defesa consequente dos direitos democráticos é por meio da revolução. Neste
cenário, portanto, uma pergunta importante precisa ser feita: reforma ou
revolução? O movimento do "direito alternativo" ou "direito achado na rua" claramente vai pelo primeiro
caminho. O marxismo autêntico segue o segundo caminho.
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