domingo, 30 de julho de 2023

A GUERRA DOS EMBOABAS

A GUERRA DOS EMBOABAS 





Resenha livro “Maurício ou os Paulistas em São João Del Rei -  Insurreição” – Bernardo Guimarães – Ed. Itatiaia.

 

“Dos índios poucos tinham injúrias pessoais a vingar, mas fervia-lhes na alma o ódio instintivo, que os açulava contra os europeus, que lhes queriam roubar a liberdade e a terra, que Tupã lhes tinha dado. Os negros, todos escravos fugidos, queriam vingar-se dos golpes de azorrague desumano, que ainda lhes ardia nas carnes, e ao mesmo tempo quebrar os ferros da escravidão. Dos paulistas não havia um só que não trouxesse altamente gravada no coração uma cruel afronta, um esbulho o mais iníquo, a mais clamorosa injustiça.”.  (Bernardo Guimarães - “Maurício ou os Paulistas em São João Del Rei -  Insurreição”).

 

A Guerra dos Emboabas foi um conflito armado que ocorreu entre 1707 e 1710 no recém-descoberto território das Minas Gerais. Mais especificamente no território onde hoje se situam as cidades de Sabará, Ouro Preto e São João Del Rei da região centro-sul estado mineiro

 

Trata-se de uma insurreição de sertanistas paulistas em oposição aos “emboabas”, palavra que significa “forasteiros” ou “estrangeiros”, no caso, basicamente portugueses (chamados de fidalgos) e baianos, que chegaram posteriormente à região aurífera, colocando fim à atividade mineradora até então exclusivamente exercida pelos homens vindo de São Paulo.

 

Para se conhecer melhor esta Guerra é necessário retomar o fio dos acontecimentos desde a época do bandeirantismo, já em sua segunda fase, quando passam da atividade de captura e escravização de índios para o estabelecimento de bandeiras em busca das esmeraldas.

 

Esta dita segunda fase do bandeirantismo pode se situar a partir do ano de 1664 quando o Rei português Dom Afonso apresentas carta aos brasileiros estimulando-os a se engajarem na busca por metais preciosos.

 

Esta diretriz se explica pela situação de decadência econômica portuguesas que já vinha de alguns anos e fora particularmente agravada após o fim da União Ibérica (1580 a 1640). Portugal já não era a mais importante potência ultramarina europeia, perdia mercados de seus produtos das índias orientais para seus concorrentes e se tornava cada vez mais dependente da Inglaterra. Fazia-se necessário ampliar o controle político, exploração e extração de riquezas da colônia da América: foram inclusive remetidas autoridades régias para substituir os poderes locais (ficando conhecidos os “juízes de fora”) juntamente para aumentar a pressão por dividendos do empreendimento colonial.

 

Como veremos, é justamente o incremento deste controle da Coroa Portuguesa sobre a atividade mineradora o ponto de partida da insurreição dos pioneiros mineradores sertanistas de Minas Gerais.

 

As primeiras jazidas de metais preciosos daquela região foram descobertas em 1693 pelos bandeirantes paulistas. Estima-se que nos dez anos subsequentes ao achamento do ouro, cerca de 30.000,00 pessoas, em sua maioria aventureiros, se dirigiram à região movidos pela ambiciosa conquista de riquezas indescritíveis, “rios de esmeraldas” e “montanhas de ouro”, cuja existência era relatada há tempos por índios aos colonizadores,  marcando nitidamente o imaginário da época.

 

Um grande problema objetivo que surgiu deste êxodo de paulistas para as Minas Gerais (e que também seria um dos pontos de partida da Guerra) foi a grave crise de abastecimento e falta de alimentos em torno dos pequenos arraiais constituídos em paralelo à expansão das bandeiras.

 

Os caminhos até as jazidas de ouro davam-se através de vastas trilhas no meio de densas florestas, cercadas pela ameaça de ataques de índios, animais ferozes e doenças. Durante a maior parte do tempo, o acesso à região se dava exclusivamente através destes estreitos caminhos no meio do mato abertos pelos índios desde o tempos da pré história do Brasil, provavelmente milhares de anos antes da chegada dos Portugueses. O abastecimento tornava-se inviável pelo percurso, o que se agravada pela própria natureza econômica da mineração. A busca pelo ouro envolvia constantes deslocamentos territoriais, não havendo a sedentarização necessária para o estabelecimento de uma agricultura de subsistência, com criação de animais e constituição de cidades minimamente estruturadas.

 

Em pouco tempo, as fontes naturais de alimentação, incluindo animais para caça, foram se extinguindo. Sem o abastecimento dada a distância das minas em relação a São Paulo, muitos morriam de fome ou até mesmo envenenados ao comerem fungos e animais imundos, dada a situação desesperada em que se encontravam.

 

Este pioneirismo destes bandeirantes paulistas que com esforço e luta conseguiram vencer guerras contra índios, a doença e a fome, além marchar sobre um vasto território inóspito, seria abalado pela posterior vinda dos forasteiros, chamados de “emboabas”.

 

Apareceram, depois dos bandeirantes paulistas, comerciantes oriundos da Bahia interessados no comércio de gado e alimentos e também na exploração do Ouro. Quando era basicamente impossível transportar mantimentos de São Paulo às Minas, os Baianos desenvolveram uma rota comercial pelo norte, através do Rio São Francisco, atingindo as vilas e arraias sertanistas. Dada a escassez de alimentos, vendiam o gado a preços cem vezes maior do que transacionavam no litoral.

 

Outros forasteiros (ou emboabas) eram os portugueses de sangue, fidalgos enviados pela Coroa, para serem constituídos como autoridades públicas responsáveis pela administração política e judiciária das vilas e, especialmente, para fiscalizar e arrecadar, por meio de impostos exorbitantes, os diamantes encontrados pelos paulistas.

 

A Guerra dos Emboabas, um conflito que colocou especialmente em oposição sertanistas brasileiros e portugueses a mando da Coroa, pode ser entendida como um prelúdio da luta pela independência, que se concretizaria mais de cem anos depois do conflito.

 

De um lado, os paulistas, que eram como os bandeirantes eram chamados àquele tempo. Queixavam-se que os forasteiros não só lhes roubaram o ouro, mas a liberdade, impondo o direito de requestar suas casas, suas mulheres e filhas. E ao menor sinal de descontentamento, os portugueses castigavam os paulistas com prisões e com o tronco de tortura.

 

Ao lado dos sertanistas de São Paulo ficaram índios e quilombolas, ambos igualmente esmagados pelos emboabas, que também eram vistos como forasteiros que espoliaram-nos da atividade mineradora. Os sertanistas, bugres e os negros devotam ódio e sede  de vingança em face dos portugueses, apenas faltando um ou outro episódio detonador para a eclosão da Guerra Civil.

 

De outro lado da guerra estavam os emboabas, muitos portugueses de nascimento, que viam os paulistas como aventureiros e bandidos, acompanhados de índios e negros indomáveis, formando um exército furioso, ainda que insubordinado. Na guerra, apenas podiam contar com os seus escravos, a quem armavam para se defender dos paulistas. O que não parecia ser eficiente, por razões mais ou menos óbvias. Qual seria o sentido de o negro cativo pegar em armas para defender o emboaba (seu proprietário e algoz) ? E ainda lutar não só contra os paulistas, para atacar e matar seus companheiros de escravidão evadidos e transformados em quilombolas?

  

A GUERRA DESCRITA PELA LITERATURA: BERNARDO GUIMARÃES


Todo este cenário é o pano de fundo do pouco conhecimento romance “Maurício ou Os Paulistas Em São João Del Rei” (1877) do escritor mineiro Bernardo Guimarães.

 

O livro se situa dentre outras histórias de escritores ligados ao romantismo brasileiro, que descrevem grandes e heroicos eventos da História Nacional. É o que aparece por exemplo em algumas obras de José de Alencar e Franklin Távora: uma inequívoca literatura nacionalista, criada a luz e ao tempo dos próprios acontecimentos que ensejaram emancipação brasileira de 1822.   

 

No romance de Guimarães, dentro do estilo literário romântico, a Guerra dos Emboabas se contextualiza no quadro histórico supracitado, mas é desencadeada por conflitos de natureza sentimental.

 

A história se passa em São João Del Rei logo após a chegada do Capitão Mor Diogo Mendes, que cumpria a função de representante institucional da Coroa no território das Minas. Decidia os conflitos do lugar sem direito a agravo e apelação. Representava em pessoa a figura do Rei de Portugal.

 

A filha do juiz de fora se chamava Leonor, cujo casamento é ambicionado pelo Fidalgo Fernando (sobrinho de Diogo Mendes) e por Maurício, um paulista de coração nobre e espírito altivo. Paralelamente, o jovem filho do Capitão Mor deseja a bela paulista Helena, que é ama e é amada pelo artesão paulista Calixto.

 

É em torno dos triângulos amorosos que a Guerra tem o seu ponto de partida: Calixto agride o filho do Capitão Mor em defesa de Helena, acarretando um ato de violência contra toda população emboaba, cuja punição severa repercutiu sobre toda a população sertanista. Fernando, por seu lado, atiça os ânimos de guerra, buscando assim desmoralizar e até matar o paulista Maurício, tirando-o de perto da filha do juiz de fora.

 

Era o estopim de uma guerra cujas condições estavam dadas desde a chegada dos forasteiros no território das minas:

 

“O espírito de insurreição de há muito que fermentava, e como que se organizava por si mesmo no seio daquela população oprimida. Em todos os corações levedava um ódio antigo e rancoroso contra os emboabas.

 

Os paulistas, o indígena e o escravo negro a custo abafavam a sanha, que por isso mesmo se tornava mais violenta, esperando impacientes o dia da vingança. Os elementos estavam preparados para a mais horrível explosão, aguardando somente a mão audaz que lhe chegasse fogo.”.

 

Ao término do conflito, os paulistas foram expulsos da região para retomarem (com sucesso) a cata de ouro na região onde hoje se situa o Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.

 

Em todo o caso, é ao menos visível aqui um fio de continuidade histórica entre a ação desbravadora dos mares desconhecidos pelos colonizadores portugueses, passando depois pelos bandeirantes a darem continuidade a epopeia através de expedições que percorreram desde o Rio Grande do Sul até o Peru, desrespeitando, inclusive, os limites territoriais institucionalizados pelo Tratado de Tordesilhas. A altivez e insubmissão dos paulistas levaram-no à Guerra dos Emboabas e, após sua derrota, a continuar a ocupação do território através de novas expedições e bandeiras, além de criar um precedente nitidamente nativista que ensejaria 120 anos depois a constituição do Brasil Independente.

domingo, 9 de julho de 2023

A LITERATURA DE JOSÉ LINS DO REGO

 AUTOR E SEU CONTEXTO




 

“A região canavieira da Paraíba e Pernambuco em período de transição do engenho para a usina encontrou no “ciclo da cana de açúcar” de José Lins do Rego a sua mais alta expressão literária.

Descendente de senhores de engenho, o romancista soube fundir numa linguagem de forte e poética oralidade as recordações da infância e da adolescência com o registro intenso da vida nordestina colhida por dentro, através dos processos mentais de homens e mulheres que representam a gama étnica e social da região”. (BOSI, Alfredo. “História Concisa da Literatura Brasileira”. Ed. Cultrix).

 

José Lins do Rego Cavalcanti (1901/1957) nasceu no Engenho Corredor numa cidade do interior da Paraíba chamada Pilar.

 

Fez os estudos secundários em Itabaiana e na Paraíba (atual João Pessoa).

 

Aos quatorze anos, muda-se para o Recife, concluindo o secundário no Ginásio Pernambucano, prestigioso colégio nordestino, por onde passaram Ariano Suassuna e Clarice Lispector.

 

Na sequência, em 1919, matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, onde conhece e se relaciona com o escritor José Américo de Almeida, um pioneiro daquilo que ficou conhecido como a literatura modernista regionalista, da qual fizeram parte Graciliano Ramos, Jorge Amado e Rachel de Queiroz.

 

Durante a Faculdade de Direito, o nosso escritor conhece Gilberto Freire, de quem receberia o estímulo para se dedicar à arte voltada para as raízes locais. Não seria exagero dizer, nesse sentido, que os romances de José Lins do Rego fossem uma expressão literária daquela civilização do açúcar tão bem descrita por Freire no seu “Casa Grande e Senzala.” (1933).   

 

Também não seria incorreto dizer que José Lins do Rego tenha sido ao mesmo tempo um romancista e um memorialista. A leitura dos livros que compõe o seu “Ciclo da Cana de Açúcar” retrata diretamente experiências da vida do escritor.

 

Desde a sua infância no Engenho de Açúcar do Avô, situado no interior da Paraíba; na sua adolescência quando é matriculado num colégio de freiras longe dos domínios da Fazenda Santa Rosa; e o seu retorno, já formado em Direito, à casa do avô. Cada um desses períodos da vida de José Lins do Rego são retratados pela literatura memorialista através do personagem Carlos.

 

A partir de sua infância em “Menino de Engenho” (1932); passando pela adolescência com “Doidinho” (1933); e a chegada da vida adulta através de “Banguê” (1934).

 

Daí a importância particular de se conhecer a trajetória da vida de José Lins do Rego, que é indicativa de boa parte das suas obras. São histórias que retratam o período de decadência econômica e civilizatória dos senhores de engenho, cujos domínios são paulatinamente degradados em função do desenvolvimento produtivo instaurado pelas Usinas.

 

Antigos potentados e grandes senhores de engenho se vêm reduzidos à pobreza por dívidas contraídas junto aos usineiros, cujas fábricas têm uma produtividade incomparável com as antigas técnicas de produção de açúcar herdadas do período colonial.

 

Os usineiros se organizam em sociedades empresariais, emprestam dinheiro aos proprietários de terra com juros usurários e endividam até as famílias mais ricas, que se vêm compelida a entregar as suas terras aos seus credores. A concentração ainda maior de terras é reflexo daquela mudança de horizontes. É justamente este momento em que a grandeza dos engenhos de açúcar já  pertencia irremediavelmente ao passado que é objeto de descrição dos livros de Lins do Rego.   

 

Efetivamente, o escritor presenciou em vida um mundo prestes a desabar: e a decadência da tradicional civilização do açúcar, cujas origens remetem aos primórdios do período colonial, é incorporada à visão de mundo do escritor e do personagem que o representa nos romances. Depois de quase três séculos de predomínio econômico no Brasil, a economia do açúcar decai de forma vertiginosa já em meados do século XIX, sendo substituído pelo café produzido no vale do Paraíba e no interior de São Paulo.

 

A decadência é algo que também aparece nitidamente em algumas histórias de Graciliano Ramos, escritor que mantinha vínculo de amizade com Lins do Rego. Há um evidente paralelo entre o velho senhor de engenho José Paulino do engenho de Santa Rosa (Lins do Rego) e Paulo Honório de São Bernardo (Ramos): o primeiro retratado por Lins do Rego de forma mais lírica e poética e o segundo retratado por Graciliano Ramos de forma mais árida e distante (não necessariamente marcada pela memória afetiva, como no caso do autor de “Fogo Morto”).

 

BANGUÊ

 

“O trem furava pelos canaviais de outros engenhos. Havia os engenhos vivos e os engenhos mortos. Lá estavam o Itapuã, de bueiro grande afrontando todas as usinas do mundo. Massangana, de senhor de engenho rico, Maraú, vivendo do algodão. O Bugari tinha cana até na bagaceira. Aquele se fora na voragem. O melão-de-são-caetano subia e desciam pelas encostas, sumiam-se várzea afora. Não se via um roçado de morador, uma vaca amarrada de corda, pastando. Para que moradores com roçados, criando gado? Queria gente para o campo e a terra toda só prestava para plantar cana. Acabara com os senhores de engenho, mas destruía também os pequenos que defendiam o algodão”  

 

“Banguê” (1934) é a sequência da história de Carlos, quando retorna ao Engenho de seu avô José Paulino, após passar cinco anos estudando Direito no Recife.

 

Recém-formado, o protagonista retorna ao Santa Roa sem qualquer plano ou ideia do que fazer de sua vida.

 

Durante o curso de Direito no Recife, se relaciona com um mundo moderno quando comparado ao velho engenho de seu avô. Na faculdade, passa aos seus colegas uma imagem idealizada de sua origem familiar: seriam terras de fidalgos, com casas de potentados e famílias que se gabam dos seus brasões.

 

O retorno ao Santa Rosa desmente por completo aquela idealização. A rusticidade, a pobreza dos trabalhadores do eito, a corrupção dos agentes do fisco, a violência dos capatazes e feitores, além de toda uma cultura e estrutura social vinculada ao regime da escravidão (recentemente extinta) se confrontam com aquela noção idílica do mundo rural. Carlos idealiza o mundo do Pilar não só perante os outros mas através do engano a si mesmo.

 

O autoengano marca os primeiros momentos do livro, quando uma forte melancolia toma conta do bacharel de retorno ao Santa Rosa:

 

“Faltava qualquer coisa na minha vida. Um entusiasmo por qualquer coisa. Olhava sem querer ver. Tinha a impressão que os meus sentidos se atrofiavam. Os moleques que haviam sido os meus companheiros, Manual Severino, João de Joana, andavam iguais aos outros. Passavam por mim como estranhos.”.

 

O Santa Rosa ainda suspira pela força e potência do velho José Paulino que aos 86 anos ainda preside pessoalmente os trabalhos dos seus nove engenhos situados na fazenda. Contudo, a velhice e a proximidade da morte do latifundiário vão representando o fim daquela civilização do açúcar.

 

Se o velho é a principal peça da engrenagem produtiva do engenho, a sua velhice remete a uma roda velha do moinho, prestes a inutilizar a máquina e paralisar a produção.

 

Esperava-se que Carlos, retornando dos estudos, assumisse o controle e direção dos trabalhos da fazenda. José Paulino é a expressão do vigor na ação, da altivez, da serenidade, da potência, e da plena confiança no que faz. É o exato oposto de Carlos, um homem emotivo, com medo paranoico da morte, hesitante, que se acovarda até diante dos cabras e trabalhadores do eito, prenunciando o início do fim do Santa Rosa.

 

Com a morte do avô, o protagonista é de fato alçado à condição de novo Senhor de Engenho. Ainda que se dedique inteiramente à gestão da produção, não consegue prosperar, talvez por lhe faltar a energia e força típica daqueles que viveram a sua vida inteira na base do trabalho pesado.

 

Há evidente incompatibilidade entre a conduta do bacharel formado em Direito e a prática enérgica dos senhores de mando do campo. E quando há similitudes, elas se dão no que existe de pior: na exploração brutal dos trabalhadores mediante cobrança de foros extorsivos pelo uso da terra; ou nas práticas sexuais com as negras trabalhadores do eito, inclusive aquelas casadas com os cabras, sendo criadas uma geração de pequenos deserdados que iriam viver na fazenda sem qualquer distinção das outras crianças sujas, magras e amarelas de doenças.

 

Não que a chegada dos usineiros criasse melhores condições aos antigos trabalhadores dos engenhos.  As Usinas funcionavam 24 horas por dia, trabalhava-se de dia e de noite como nos tempos da escravidão.

 

A chegada da usina, na verdade, é representativa de um estágio de superação capitalista do escravagismo de origem colonial. O engenho do Santa Rosa ao tempo da nossa história é uma figura de transição entre uma realidade semi-feudal e o novo modo de produção capitalista.

 

No tempo de José Paulino, trabalhava—se duro, havia castigos físicos, mas não se passava fome e os camponeses tinham a liberdade de usar a terra para produção de auto sustento. Com a chegada da usina, tem-se a contraditória impressão de uma degradação social que caminha passo a passo com o brutal incremento dos meios tecnológicos de produção do açúcar. Os trabalhadores perdem o direito à terra e viram, poderíamos dizer, proletários.  

 

Um retrato de um mundo em extinção, tratado de forma lírica, telúrica e memorialista, é o que se pode resumir do quadro pintado por Lins do Rego no seu “ciclo da cana de açúcar”.