domingo, 12 de março de 2023

CHU EN-LAI E A REVOLUÇÃO CHINESA

 CHU EN-LAI E A REVOLUÇÃO CHINESA

 




Resenha Livro – Chu En-Lai – Coleção Os Grandes Líderes – Ed. Nova Cultural

 

Quando os comunistas chineses foram alçados ao poder no ano de 1949, décadas após sucessivos conflitos com potências estrangeiras e com o Koumitang (partido nacionalista), Chu En-Lai já era um dirigente político experiente.

 

Iniciara sua militância política em 1919 no “Movimento 4 de Maio”, grupo político que se opunha à dominação colonial da China e lutava pela destituição do poder dos Senhores de Guerra, grupos familiares (ou dinastias) de tipo feudal que presidiam o país.  Três anos depois ingressaria no Partido Comunista, tendo se engajado nas principais lutas que perduraram pelo menos 20 (vinte) anos até o triunfo da Revolução Chinesa e a fundação da República Popular da China.

 

Sua importância dentro do movimento comunista chinês se revela logo após a vitória da revolução, quando é nomeado para os dois principais postos do governo: foi indicado como primeiro-ministro do Conselho de Estado, onde tinha de estruturar e supervisionar o sistema administrativo de todo o país. Além disso, foi nomeado como chefe das relações diplomáticas,  incumbindo-lhe criar e ampliar as relações da China com as outras nações do mundo, superando seu isolamento político e comercial.

 

A trajetória deste que foi talvez a segunda principal liderança da Revolução Chinesa (ficando apenas atrás de Mao Tsé Tung) se confunde com a evolução política da China desde o fim do século XIX.

 

O país em fins do século XIX era uma semi-colônia de nações imperialistas europeias e do Japão. A derrota humilhante da China na 1ª Guerra Sino-Japonesa (1894/1895) agravou ainda mais a crescente exploração do país por potências estrangeiras, principalmente a Grã Bretanha.

 

Esta situação de dominação colonial criaria as condições para a insurreição dos Boxers, uma revolta nacionalista que se opunha aos estrangeiros e à dominação imperialista sobre a China: destruíam propriedades estrangeiras, como ferrovias e linhas telegráficas, atacavam embaixadas e assassinavam missionários cristãos e cristãos chineses.

 

Esta revolta expressou o declínio e decadência da Dinastia Manchu, que seria apeada do poder após a vitória militar do Koumitang contra os senhores de Guerra entre 1911/1912. O regime político de tipo feudal dirigido pelos mandarins seria derrubado pelos nacionalistas, cujo programa político envolvia a criação de um regime republicano forte e independente.

 

Os Boxers, na verdade uma sociedade secreta chamada “Punhos da Harmonia e da Retidão”, expressavam a aversão dos chineses pela crescente influência político-cultural e pela exploração comercial europeia na China

 

Nesta primeira etapa da revolução chinesa, os nacionalistas do Koumitang e os comunistas atuavam conjuntamente contra os senhores de guerra e o feudalismo na China. O próprio Chun Em-Lai, como muitos outros militantes, pertenciam ao mesmo tempo aos dois partidos.

 

Contudo, com a morte de Sun Yat Sen (1925) e a chegada de Chiang Kai-shek, o Koumitang volta-se contra os comunistas, acarretando expurgos e assassinatos. Dentre eles, pode-se citar o levante de Xangai (1927) que fora liderado por Chu. Chiang Kai-shek ordenara uma represália brutal contra o levante, com a execução de 5.000 comunistas imediatamente após a batalha que daria a vitória ao Koumitang. “Cabeças rolaram nas valas como ameixas maduras”, observou uma testemunha ocular.

 

Em 1937 com a Invasão Japonesa na China no contexto da II Guerra Mundial, há uma nova trégua entre nacionalistas e comunistas, pleiteada com maior ênfase por estes últimos, que defendiam uma frente nacional contra os invasores.

 

A chamada II Guerra Sino Japonesa (1937/1945) foi particularmente trágica para os chineses. Naquele contexto, ficou conhecido uma das páginas mais tristes da história da China, o Massacre de Nanquim, um episódio de carnificina humana envolvendo assassinatos e estupros em massa cometidos por tropas japonesas.

 

A estimativa oficial da China é de 300.000 mortos em Nanquim. O exército imperial japonês obteve o controle total da cidade em poucas horas após o início do assalto. Todos os soldados chineses capturados foram torturados, depois fuzilados, enforcados ou decapitados. Os civis sofrem com a fúria homicida do assalto à cidade de Nanquim pelo exército imperial japonês. Homens, mulheres, crianças e idosos são mortos brutalmente nas ruas.

 

Muitas das mulheres eram estupradas pelos militares japoneses para depois serem mortas, não sem antes profanarem os seus corpos inserindo armas e artefatos de madeira nos órgãos genitais femininos.

 

Após a derrota e rendição dos japoneses na II Guerra Munidial em 1945, a China ainda passaria por mais alguns anos de guerra civil entre nacionalistas e comunistas até a vitória de Mao e seus camaradas em 1949.

 

Chu En-Lai cumpriu um papel importante na diplomacia chinesa, buscando com sucesso romper o isolamento do país após o triunfo da revolução socialista.

 

Cumpriu um papel fundamental na Conferência Afro-asiática em Bandung na Indonésia em 1955, naquilo que foi a sua maior vitória diplomática. O representante chines buscou dissipar os temores dos países asiáticos sobre o expansionismo chinês, reatou relações com inúmeros países e abrandou o isolamento ao qual a China esteve submetida deste a tomada do poder pelos comunistas.

 

Os princípios daquilo que ficou conhecido como movimento de coexistência pacífica liderado por Chu envolviam os seguintes pontos: (i) respeito recíproco pela integridade e soberania territorial das nações; (ii) acordo mútuo de não agressão; (iii) não intervenção nos assuntos internos do outro estado; (iv) igualdade e benefícios mútuos; e (v) coexistência pacífica.

 

Politicamente, Chu não pode ser caracterizado como pertencente da ala mais direitista do Partido Comunista Chinês. Contudo, era um político realista, sem se deixar guia de maneira cega pela ideologia, razão pela qual, em alguns momentos, entrava em conflito com Mao, cuja orientação política nem sempre era a mais pragmática. Por exemplo, durante a Revolução Cultural chinesa (1966), momento de radicalização ideológica que instaurou um regime de “caças às bruxas” daqueles suspeitos de desvios burgueses, Chu pareceu tentar influenciar Mao moderadamente, ao pressentir que as coisas pudessem ficar fora de controle. Como de fato ficaram.  

 

Naquele momento de radicalização política, Chu (um intelectual da cidade, cuja origem familiar era proveniente dos mandarins) chegou a ser perseguido. Cartazes nas ruas sugeriam que o líder da diplomacia chinesa devesse ser queimado vivo. Consta que uma filha adotiva de Chu foi assassinada durante a Revolução Cultural, como meio de atacar e coagir o dirigente.

 

Ao fim da vida, Chu En-Lai já não tinha o mesmo prestígio dos anos imediatamente após o triunfo da revolução.

 

Quando do seu falecimento 08 de Janeiro de 1976, poucas pessoas compareceram ao seu funeral. Contudo, desde a sua participação na guerra de libertação nacional chinesa, passando por seu pragmatismo e realismo político, especialmente nas relações exteriores, Chu Em-Lai foi um personagem decisivo para a evolução política chinesa. Chu, neste sentido, não fora tanto um marxista ortodoxo, mas um nacionalista que assimilou as ideias socialistas para a criação de uma via chinesa de desenvolvimento.

terça-feira, 7 de março de 2023

Fernão Cortez: O Conquistador do México

 Fernão Cortez: O Conquistador do México




              Resenha Livro – “Os Grandes Líderes: Cortez” – Ed. Nova Cultural


“As fantásticas histórias de Cristóvão Colombo circulavam por toda a Europa. As novas terras, misteriosas e ricas, constituíam o tema mais fascinante da época, rompendo com o mundo estreito de uma Europa semi-feudal. Índios, papagaios, macacos, bugigangas de ouro, trazidas do Novo Mundo, começavam a ser vistos nas cidades europeias, e os marinheiros que haviam aderido ao uso do tabaco, até então desconhecido dos europeus, exibiam-se soprando fumaça pela boca. Que jovem de 18 anos, cheio de vitalidade, não se sentiria atraído pelas perspectivas de conhecer essas terras distantes, que prometiam aventura, fama e ouro?”

 

Fernão Cortez ficou conhecido por ser o conquistadoor do atual território mexicano, mediante a subjugação dos Astecas e a mais completa destruição daquela civilização. Considerado por muitos mexicanos ainda hoje como um vilão, consta que a Cidade do México, criada por Cortez após a destruição de Tenochtitlán (capital do império Asteca), não possui estatuas em homenagem ao seu fundador.

 

Como tudo o que se refere a processos históricos de longa duração, que, aqui, dizem respeito à conquista da América pelos europeus, os maniqueísmos que dividem colonizadores e colonizados entre o maus e o bons, no mínimo, reduzem a complexidade dos conflitos em jogo.

 

Para aqueles que acreditam que a história não se limita a uma mera ordem cronológica de grandes eventos, mas como um processo, nem sempre pacífico, de evolução das civilizações, o papel dos colonizadores europeus foi acima de tudo progressivo.

 

Esta evolução histórica está associada ao maior domínio do homem sobre a natureza, às transformações progressivas das formas de trabalho, ao desenvolvimento da cultura e a maior complexidade nas relações sociais.  Dentro desta perspectiva, a conquista da América não pode ser reduzida a um mero “genocídio” perpetrado por colonizadores sedentos de sangue e ouro. O empreendimento colonial criou as condições para a superação do feudalismo na Europa, promoveu desenvolvimento das artes naquilo que ficou conhecido como Renascimento, promoveu a chamada acumulação primitiva que criou as condições para a Revolução Industrial: é parte integrante daquele processo de evolução histórica que nos levou aos dias de hoje.

 

Daí a importância de compreender o papel de Fernão Cortez, como um exemplo específico do grande empreendimento colonial luso espanhol.

 

O conquistador do México nasceu em Medelin na Espanha, no ano de 1465. Era filho de um oficial do exército e de origem aristocrática.

 

Naquele tempo, as opções profissionais de um jovem se limitavam ao ingresso no exército, no clero ou ocupando cargos burocráticos de Estado. Aos 14 anos de idade, Coortez ingressou na Universidade de Salamanca para estudar Ciências Jurídicas e Latim, abandonando os estudos dois anos depois.

 

O espírito inquieto e aventureiro o levou aos 19 anos a lançar-se em busca das índias ocidentais, dirigindo-se  à Ilha de Hispaniola (hoje República Dominicana e Haiti).

 

O local agregava aventureiros que buscavam enriquecer dada as vagas notícias da existência de grandes jazidas de ouro e prata no Novo Mundo. A conquista espanhola era motivada, basicamente, pela busca destas riquezas, ainda que formalmente era justificada como uma cruzada pela disseminação do cristianismo. Muitos se lançavam nesta aventura dado as estreitas possibilidades de ascensão social na Espanha daquele tempo.

 

Após alguns anos vivendo em Hispaniola, Cortez se engaja numa expedição de conquista de Cuba quando granjeia a confiança dos chefes políticos locais. Seria, assim, nomeado pelo representante do Rei em Hispaniola (Diego Velázques) para uma expedição para Yucatán, onde teria notícias da civilização asteca.

 

O Império Asteca era na verdade uma confederação de estados independentes sob o domínio dos Astecas, que em fins do século XV já haviam imposto sua dominação sobre os Maias.

 

Aos olhos dos espanhóis, os astecas pareceram uma estranha mistura de alta civilização e barbarismo selvagem. Possuíam um governo complexo dirigido então por Montezuma, uma arquitetura magnífica e um calendário mais preciso do que o dos europeus. Não dominavam a escrita e desconheciam o uso do ferro. O canibalismo e o sacrifício ritualístico de seres humanos eram praticados por todas as tribos, e em maior escala pelos Astecas. Havia relatos históricos de celebrações nas quais 20.000 corações humanos tinham sido arrancados do peito de prisioneiros para o culto dos deuses daquele povo.

 

A prevalência militar dos espanhóis sobre aquela civilização asteca originou-se do maior domínio da tecnologia.  Na época das navegações a Espanha já utilizava armas de fogo (mosquetes e canhões), subjugando os índios que os enfrentavam de arco e flecha e pedras. Além disso, os europeus, diferentemente dos índios, já conheciam o metal e produziam espadas, punhais e adagas.

 

Para além da pura dominação pela força, havia uma articulação política e uma espécie de “diplomacia” entre Cortez e as lideranças indígenas locais, capitaneadas por Montezuma. Muitas das tribos eram dominadas pelos astecas e viam nos espanhóis um aliado para a sua própria libertação.  

 

Quando os espanhóis chegaram em Tenochtitlán, foram recebidos de forma hospitaleira por Montezuma, ainda que nas comunicações travadas antes desta chegada, o líder dos astecas variava entre a cordialidade e a ameaça. A hospitalidade foi logo se tornando hostilidade, especialmente após os espanhóis profanarem os rituais religiosos bárbaros dos índios: mesmo havendo o interesse primordial pelo ouro e pela prata, a expedição ainda se ocupava de promover o cristianismo e superar a cultura pagã dos índios.

 

Em 25/07/1520, eclode a guerra aberta entre espanhóis e astecas que acarretaria na destruição de Tenochtitlán e na dizimação da sua populaação: os que não morreram pela espada e pólvora dos espanhóis, faleceram de epidemia de varíola, doença contra a qual os índios não tinham imunidade.

 

Para se ter uma dimensão da destruição promovida pelos espanhóis, temos que as estimativas mais conservadoras da população da capital Asteca era de 90.000. Era uma cidade mais populosa do que Paris e Londres do séc. XV que contavam com 65.000. Praticamente toda a população foi dizimada, a cidade destruída e sobre ela construída a atual Cidade do México.

 

Após a vitória sobre a mais desenvolvida civilização indígena do México,  ou mais exatamente em 15/10/1522, o rei espanhol Carlos V declarou Cortez governador na Nova Espanha. Contudo, havia uma desconfiança de que as habilidades militares do conquistador não eram necessariamente traduzidas em aptidão para a administração pública.

 

O seu poder foi esvaziado e Cortez foi gradualmente sendo preterido pelo Rei da Espanha, até a sua morte em 02 de Dezembro de 1547, já de volta à Espanha, onde se preparava para uma nova expedição já com mais de 60 anos de idade.

 




Cortez e Montezuma cumprimentam-se em Tenochtitlan em meio a um cerimonial em 1519. Montezuma reconheceu rapidamente a autoridade do rei da Espanha sobre o México, enquanto Cortez alegava ser amigo e não conquistador. Os dois mantiveram um estranho relacionamento de amigos e inimigos.

segunda-feira, 6 de março de 2023

“Canaã” – Graça Aranha

 “Canaã” – Graça Aranha




 

Resenha Livro – “Canaã” – Graça Aranha – Iba Mendes Editor Digital – www.poeteiro.com

 

No ensino de literatura no ensino médio somos ensinados e compreender a evolução da literatura brasileira de acordo com “escolas” que se sucedem de forma cronológica e linear: do romantismo ao realismo; do realismo ao naturalismo; do naturalismo ao simbolismo, etc. etc.

 

Dentre estas categorias, uma daquelas mais discutíveis é a de pré-modernismo, que se situaria entre 1900 e 1922, tendo como termo final a primeira irrupção modernista oriunda da Semana de Arte Moderna. Dentro desta categoria residual se situam autores absolutamente diferentes em termos de estilo e objetos de análise e descrição: Lima Barreto, Euclides da Cunha e Graça Aranha são comumente associados ao dito pré-modernismo.

 

Contudo, pode-se de fato pensar este período da trajetória da nossa literatura como um momento de transição: nela ainda se observam aspectos caros do naturalismo, perspectiva em que o homem olha objetivamente a realidade, sem enfeites de imaginação que, frequentemente, resultam da impossibilidade ou da impotência em explicá-la. Tal qual um cientista que analisa os fatos da natureza, o escritor naturalista expressa o mundo onde pousa os seus pés. Ao menos em Canaã, estão igualmente presentes os pressupostos teóricos da escola naturalista envolvendo determinismo, o darwinismo social e as teorias evolucionistas.

 

Além disso, no mais conhecido romance de Graça Aranha já se antecipa uma preocupação central do modernismo brasileiro. Nem tanto a experimentação formal influenciada pelas vanguardas europeias mas a preocupação subjacente daquele movimento de se explicar o Brasil através de sua experiência histórica para assim apontar perspectivas de futuro do país.  

 

Canaã pode ser entendido como um romance de tese, que expressa o debate intelectual da época.

 

O livro trata das colônias alemãs situadas no interior do Espírito Santo. As colônias decorriam de um movimento iniciado ainda no século XIX de estímulo da vinda de imigrantes europeus ao Brasil, não só como meio de substituir o trabalho escravo, cuja abolição deu-se em 1888, mas por conta de considerações raciais relacionadas ao debate intelectual da época.

 

Os dois principais personagens, os alemães Milkau e Lentz, expressam dois pontos de vistas distintos relacionados às discussões do período em torno de raça, cultura e o futuro do Brasil.

 

Milkau, desiludido com a Europa, busca no Brasil o recomeço de sua existência na virgindade de um mundo que estava para ser construído. Via na miscigenação brasileira algo positivo, já que pensava a evolução humana relacionada à confluência de raças. Rejeitava o patriotismo alemão e entendia que as guerras e a luta entre os homens, no futuro, seriam superadas pela solidariedade e o amor.

 

Há quem diga que este personagem fora inspirado em Tolstói e de fato suas intervenções remetem a algo próximo de um socialismo utópico.

 

Lentz parece ser o exato oposto de seu amigo Milkau. Via a imigração alemã como uma oportunidade de subjugar os negros e mestiços do país. Línguas, culturas e civilizações duelam até a prevalência da raça mais forte, no caso a alemã. Enquanto seu companheiro via beleza na harmonia entre o homem e a exuberância da natureza brasileira, Lentz enxerga a beleza na luta e na vitória do mais forte, na dominação do homem sobre a natureza. Pode-se relacionar as suas ideias com a moral nietzschiana: a apologia do mais forte, o desprezo pelos fracos e pela caridade cristã.

 

“Milkau era agricultor por instinto, e todas as suas faculdades de atenção, de imaginação, as empregava com desvelo e ardor no trabalho com as próprias mãos, que enobrecia o seu destino humano. Lentz era o caçador. Restringindo a um círculo de limitada atividade, o seu espírito, sempre retrógrado, buscava expandir-se nessa forma inicial e selvagem de civilização. Caçava, lutava com os animais, devastava matas, e aliado a outros colonos de igual inclinação, em poucos meses para ele já não havia segredos na floresta brasileira. No mesmo teto esses dois homens exprimiam duas culturas diferentes. Um oferecia um mundo de façanhas, matanças, sacrifícios de sangue, e o outro, simples lavrador, frutos da terra, flores do seu jardim...”.

 

Expressando o debate intelectual da época, em Canaã se percebe que a categoria de raça e cultura eram mais centrais do que o conceito de sociedade, para os sociólogos e antropólogos de fins do XIX e início do XX.

 

 

A despeito da história retratar uma colônia de camponeses alemães, o debate que a obra suscita diz respeito aos dilemas do desenvolvimento brasileiro: os personagens principais oriundos de uma país distante, ao tecer cada um os seus pontos de vista sobre a realidade nacional, possibilitam uma visão mais equidistante acerca das possibilidades da civilização brasileira. Isso sem dizer das passagens do livro que retratam o relacionamento dos colonos estrangeiros com os brasileiros, especialmente as autoridades políticas corruptas.

 

Válido ressaltar que Graça Aranha, na condição de diplomata, participara pessoalmente do projeto de incentivo da imigração europeia do Brasil.

 

O que não significa dizer que o livro chega a conclusões eugênicas envolvendo o a prevalência da raça branca sobre mestiços e mulatos.

 

Ao longo da história, ao se depararam com as corriqueiras tragédias sociais relacionadas à pobreza e à intolerância humana, cada um dos personagens revê as suas próprias ideias iniciais. Ao fim e ao cabo, o livro não apresenta respostas senão aquilo que foi definido pela crítica de “pessimismo esperançoso”: a miscigenação permitiria o desenvolvimento através da criação de um povo com características próprias; e, por outro lado, esta miscigenação transformaria os nativos ao ponto de se tornarem irreconhecíveis em relação ao seu próprio país.