sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O Futuro da Filosofia da Praxis - Leandro Konder

Resenha livro #15 O Futuro da Filosofia da Práxis: o pensamento de Marx no século XX – Leandro Konder. Ed. Paz e Terra.




As palavras, de tanto repetidas, podem eventualmente ter seu significado prejudicado, sublimado pelo conjunto de usos e entendimentos de acordo com conveniências políticas mais ou menos conscientes. Deve-se sempre atentar para o fato de que falar sobre ‘liberdade’, ‘justiça’, ‘democracia’, ‘socialismo’, ‘holocausto’, ‘direitos humanos’ ou ‘meio ambiente’ vai implicar sempre em certa adequação dos termos a determinados discursos e práticas políticas, eventualmente antagônicas entre si. A palavra ‘democracia’, aqui, assume um papel bastante emblemático. Democracia é reivindicada por quase todos, da direita neoliberal aos socialistas, passando mesmo pelos regimes de ditadura militar ou civil que igualmente justificam a repressão como forma de ‘salvar a democracia’. O significado de palavras como ‘democracia’ passa a ser definido de acordo com as convicções políticas de cada emissor em cada situação histórica específica, determinada por fins ora de legitimação ora de transformação da ordem.

Se o sentido das palavras dialoga com uma sociedade em conflito, a disputa pelos significados dos conceitos relacionados à tradição marxista (socialismo, trabalho, alienação, ideologia e, por suposto, o próprio termo ‘marxismo’) passa a ser algo determinante. Determinante para saber situar melhor nossas práticas de acordo com elaboração teórica mais detalhada das realidades complexas do trabalho e da luta por seu emancipação no século XXI. E determinante, particularmente, para fazer sobreviver e avançar o legado teórico-metodológico do marxismo frente à ideologia pós-moderna e/ou demais ‘filosofias’ que se propõem a negar em bloco qualquer atualidade das teses de Marx – corroborando, na esmagadora maioria das vezes, para a perpetuação do status quo.

Estas duas últimas preocupações, o aprofundamento teórico e a atualização do marxismo a partir da análise concreta das contradições do capitalismo do século XXI, são fontes de preocupação recorrente dos textos de Leandro Konder. Em ‘Derrota da Dialética’, o autor faz um estudo de fôlego sobre a recepção das ideias marxistas no Brasil, destacando as graves dificuldades no acesso, difusão e compreensão da filosofia da práxis como fontes da “derrota da dialética”, da conformação do marxismo sob uma forma esquemática, linear e pouco atenta às potencialidades da dinâmica da história. A dialética é substituída pelo evolucionismo e a teoria passa a ser mera forma de legitimação das práticas política determinadas pela orientação das direções políticas dos instrumentos de luta. Em “Marxismo e Alienação”, Konder dedica dois capítulos ao problema da alienação dentro das organizações de esquerda, no mundo e no Brasil. Já em o ‘Futuro da Filosofia da Práxis’, o objeto do autor é simples, e ao mesmo tempo ousado: partindo do fato de Marx ter disso um pensador do séc. XIX, que influenciou diversos movimentos e autores ao longo do séc. XX, pergunta-se Leandro Konder em que aspecto a filosofia de Marx mantém sua atualidade no séc. XXI. O sentido da palavra “marxismo” tem um tratamento especial no ensaio. Mais uma vez, se as palavras são fontes de disputas políticas, o resgate das principais teses de Marx, relacionando-as com seus usos (e abusos) ao longo dos anos, cumpre o papel de desmistificar certo entendimento dogmático das ideias do filósofo alemão.

Revisitar as ideias de Marx

‘Marx foi um pensador do século XIX’ é o nome do primeiro capítulo do ensaio. Aqui, a constatação, aparentemente óbvia, implica levar em consideração os próprios limites do autor, dado o universo cultural e o repertório de ideias acessíveis a um pensador naquele momento e naquelas circunstâncias históricas. Trata-se, acreditamos, do velho problema do ‘anacronismo’ discutido pelos historiadores. Anacronismo, em primeiro lugar, correspondendo à análise de personagens do passado que não leva em consideração o fato de que aqueles mesmos personagens não terem tido acesso aos acontecimentos subsequentes à sua produção em vida, contrariando eventualmente seus prognósticos. Anacronismo, em segundo lugar, em certa recepção das ideias de Marx como uma doutrina a partir da qual a realidade deve se adequar de maneira esquemática.

Nesse sentido, um fato bastante emblemático tratado por Leandro Konder refere-se às ambigüidades entre as ideias revolucionárias de Karl Marx sobre o problema da consciência política e alienação e a sua conduta própria em vida. Marx lança as bases de um entendimento revolucionário do homem e sua formação de consciência, avançando sobre certa tradição, marcadamente ideológica, que busca encontrar traços mais ou menos universais do ser humano num plano distante das relações de trabalho e sociabilidade. Para Marx, a consciência é produto da experiência humana concreta que se dá, de forma privilegiada, a partir das relações de trabalho, que se modificam e possuem certa dinâmica correspondente aos estágios do desenvolvimento histórico. Ocorre que o indivíduo Marx também é produto de seu tempo. Mesmo lançando as bases de uma teoria crítica radical da realidade, ainda tem seu universo cultural relacionado ao conjunto de ideias disponíveis a um intelectual do séc. XIX e reproduz as práticas sociais de um homem da Inglaterra vitoriana. É conhecido, por exemplo, o etnocentrismo com que o velho Marx tratou as lutas de emancipação na América Latina. Em carta escrita ao genro cubano Paul Lafargue, relatada por Konder, Marx soa claramente racista. E, na verdade, as próprias ideias de Marx, particularmente suas análises sobre a alienação, o estranhamento do homem em relação à vida individualista e solitária no capitalismo, cria condições para se entender as contradições de sua prática em vida.

“O fato de ter sido um desmistificador genial dos fenômenos típicos de uma esfera decisiva da atividade alienada (a esfera da produção e da apropriação) não assegurava a Marx uma consciência isenta de “alienação” na esfera da vida familiar e da moral privada”. (Pg. 32)

Radicalizar o marxismo

Revisitar as ideias de Marx significa, portanto, aplicar até as últimas conseqüências o método crítico de Marx sobre o próprio marxismo. A crítica radical da realidade combinada a um profundo desejo e sincera disposição em engajar-se nas lutas pela superação do capitalismo foram igualmente fundamentais nos séculos XIX e XX. Hoje, a luta pelo socialismo é mais do que nunca necessária. O ‘Futuro da Filosofia da Práxis’, ao fazer o elo do pensamento de Marx ao longo dos séculos, certamente mereceria uma nova edição, quem sabe, pela Expressão Popular.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ensino Jurídico e Mudança Social - Antônio Alberto Machado

Resenha#14 “Ensino Jurídico e Mudança Social” – Antônio Alberto Machado. Ed. Expressão Popular





Sobre a Obra

Antônio Alberto Machado é professor de direito da UNESP de Franca e coordena naquela universidade o NEDA – Núcleo de Estudos de Direito Alternativo. O Direito Alternativo nasceu como uma proposta de contraponto à cultura jurídica dominante, associada ao pensamento liberal, ao formalismo e à tradição positivista. Faz oposição portanto a certa perspectiva que entende o direito como ciência cuja centralidade está na norma jurídica positivada formalmente pelo Estado: esta oposição parte especialmente da análise crítica das instituições jurídicas, reconhecendo-as portanto como parte de uma superestrutura política que opera dentro de um quadro de dominação e conformação do poder.

O sentido histórico do direito

O direito entendido como “técnica”, como “conjunto de normas positivadas pelo Estado”, ou como “ciência pura” (que é ainda o entendimento dominante nas escolas de direito e na cultura jurídica como um todo) vincula-se a estágio específico de desenvolvimento histórico da burguesia, de classe revolucionária à classe dominante. Isto significa que todo o aspecto ideológico que perpassa as grandes ideias de justiça, igualdade e liberdade mantém correspondência às lutas e revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX, à consolidação e generalização do capitalismo e do domínio burguês. Uma vez consolidado o poder político da nova classe dominante, processa-se a adequação dos discursos às exigências políticas. Não deixa de ser sintomático que a chamada “exegese jurídica”, entendido como expressão do rigor máximo da aplicação das normas jurídicas de acordo com seu enunciado textual e literal, tenha como referência o direito civil napoleônico. Após as lutas revolucionárias que derrubaram o antigo regime francês, a nova conformação de classes exigiu naquele momento histórico um novo arranjo jurídico que daria sustentação e legitimidade política ao Estado moderno e constitucional, não se admitindo, por suposto, uma prática jurídica que aceitasse, por exemplo, interpretações minimamente flexíveis dos textos legais. Como ponto de partida para o seu estudo, Machado identifica neste modelo positivista-liberal – forjado, portanto, num momento de revoluções e mudanças da conformação do poder político – um esgotamento, ou “uma crise”.


A Crise do direito liberal e o alternativismo

A “crise” do modelo positivista e liberal é o seu ponto de partida. Ainda que no estudo o autor não trabalhe especificamente o tema do Direito Alternativo, sua pesquisa pode ser também interpretada como parte daquele movimento de juristas, estudantes e demais profissionais da área. Os alternativistas, ao se depararem com o direito ideologizado, entendido pelo senso comum como “neutro”, operando basicamente como meio de controle social e manutenção da ordem, vão apontar para um movimento oposto que coloca a prática jurídica como fonte de transformação social. Antônio Alberto Machado denomina a nova proposta de atuação como “praxis”, expressão que sugere a conjugação da teoria e prática numa dialética que envolve um norte político frente aos conflitos de classes.

Os limites e potencialidades do direito enquanto meio de transformação social vão sendo entendidos de uma forma bastante variada: tal qual aqueles movimentos de frente única no âmbito da política da esquerda (reformista ou revolucionária), o direito Alternativo vai admitir maior ou menor aceitação da tese da atuação institucional, ora como forma de transformação ora como forma de consentimento e pacificação dos conflitos, da praxis jurídica para a justiça social mais ou menos associada à luta revolucionária pelo socialismo, aos distintos entendimentos sobre o papel e significado político do Estado burguês. As variadas perspectivas sinalizam, por ora, que o debate reforma e revolução ainda está na ordem do dia. As distintas filiações políticas, neste caso, vão ter conseqüências práticas na forma como se pensa os fins do direito e, particularmente, os seus limites históricos.

Reivindicamos a importância das críticas ao modelo positivista lançadas pelo movimento alternativista como parte de uma estratégia geral de despertar da consciência política dos estudantes ou mesmo profissionais da área do direito. Como o próprio texto de Machado nos mostra, a maioria dos operadores, doutrinada e deformada por ensino e cultura jurídica meramente cartorial, burocrática, ideologizada, etc, tem uma percepção bastante despolitizada da realidade, o que implica, analisando casos jurídicos individualmente, em decisões judiciais ou outras manifestações de operadores claramente reacionárias. Eventualmente, o posicionamento do judiciário sobre determinadas questões é radicalmente conservador, mesmo ao senso comum e ao conjunto de idéias dominantes – aqui nos vem à mente penas privativas de liberdade para crimes de bagatela, uso de violência policial em manifestações públicas, ações de reintegração de posse com claríssima sinalização da prevalência do poder econômico. Não raro, os exemplos acima vão sendo justificados/legitimados pela “literalidade da lei”. Dura lex, sed lex.

Duas Problematizações

Para os fins da nossa humilde e rápida resenha, faremos duas problematizações. A primeira diz respeito ao sentido da “crise do modelo positivista-liberal”. A segunda diz respeito aos limites do próprio papel do direito enquanto forma de transformação social.

A proposta de mudanças curriculares surge na pesquisa de Alberto Machado como sendo parte de uma “exigência” da própria realidade do cenário político e jurídico do país. A exigência é fruto de uma crise do modelo liberal-positivista. A constituição de 1988, a promoção de uma nova série de direitos coletivos e difusos, os graves problemas sociais decorrentes do neoliberalismo e as pressões por mudanças na situação de desigualdade do país criaram nova conjuntura que exige do profissional do Direito certa maturidade política para compreender que sua intervenção enquanto jurista, promotor, advogado, etc., deve contemplar as novas exigências do Estado Democrático de Direito.

Em certa passagem da pesquisa, o autor sugere que os direitos sociais enunciados pelo texto constitucional brasileiro implicariam num regime socialista. Temos aqui um problema que não parece ter sido fechado pelo estudo. A admissão de que a efetivação dos direitos sociais elencados ideologicamente pelo extenso rol de direitos sociais e econômicos “socialistas” da constituição de 1988 exclui o que há de mais essencial na estruturação destes direitos: a existência de relações capitalistas de produção, alienação e exploração do trabalho, propriedade privada (ainda que tenha "função social"), o imperialismo, ou seja, a dominação econômica a partir da relações centro e periferia, além da própria conformação desigual e combinada do capitalismo mundial, entre outros.

A “eficácia” do Estado ou do direito quando medida pela “eficácia das normas jurídicas dentro do capitalismo” pressupõe aceitação tácita de que a transformação social seja possível dentro do marco institucional: uma consequência desta perspectiva é a não compreensão de que a alternativa frente à crise do modelo positivista-liberal é, esta sim, uma nova forma mais “eficaz” de controle social e pacificação dos conflitos de classe. De maneira análoga aos tempos da revolução francesa e da exegese napoleônica, os novos operadores do direito “alternativo” credenciam-se como gestores qualificados para atuar em realidades complexas de trabalho e dominação. O sentido da “crise”, portanto, deixe de pertencer ao trabalho. O sentido da “crise” e sua superação apenas servem ao capital quando a práxis jurídica não implica a luta ativa, coletiva e consciente contra o capitalismo.

Cabe aqui perguntar qual é o espaço para uma luta jurídica anticapitalista. E este é o ponto que colocamos como segunda e última problematização.

Como Alberto Machado coloca em seu texto, o Estado opera num sentido literalmente conservador, sua lógica de pacificação de conflitos tem como escopo evitar tensões que prejudiquem a ordem social e econômica sobre o qual se mantém. Está longe das nossas possibilidades nem mesmo iniciar uma discussão sobre limites e potencialidades do direito enquanto transformação social. Nossa provocação, neste ponto, refere-se a uma parte específica do problema. Se o estudo de Machado sugere em diversas partes a necessidade de o direito ser uma ferramenta de transformação social como forma de superar o modelo liberal-positivista, poderíamos igualmente inverter a ordem dos fatores. A possibilidade de mudança social pelo direito pode também admitir a exigência da mudança social para a transformação do Direito e a superação radical do modelo liberal e positivista.

A bem da verdade faremos justiça de dizer que o autor leva em consideração os dois aspectos – mudança social e mudança do paradigma jurídico. “Logo, as perspectivas de mudança social e transformação democrática da sociedade, por meio do direito, estão, de alguma forma, vinculadas à revisão do modelo de ensino jurídico liberal/positivista vigente até hoje no país. Se não é rigorosamente certo dizer que a mudança social e da mentalidade jurídica depende, de modo determinista, da revisão dos paradigmas do ensino jurídico; será, no entanto, correto supor que ambas as coisas, ensino jurídico e mudança social, estão ligadas entre si numa relação, se não de causa e efeito, pelo menos de fator e conseqüência” (Pág.232). Entretanto, sentimos falta de mais reflexão sobre esta dialética que envolve o direito e a revolução social e, especialmente, o problema da transformação do direito pela transformação social, eixo, talvez, negligenciado a favor da transformação social pela transformação do direito. Menos reforma e mais revolução.

O que existe, finalmente, é uma lacuna teórica que deve ser preenchida pelos revolucionários sobre o problema do direito para a revolução anticapitalista. O estudo do Antônio Alberto Machado vale como provocação para mais produção alternativas e contra-hegemônicas.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Trabalho Duro, Discurso Flexível - Márcia Hespanhol Bernardo

Resenha Livro# 13 “Trabalho duro, Discurso Flexível: Uma análise das contradições do toyotismo a partir da vivência de trabalhadores” – Márcia Hespanhol Bernardo



Sobre a obra e sua importância

A editora expressão popular, como se sabe, cumpre papel fundamental de divulgação de textos clássicos do marxismo na língua portuguesa com preços acessíveis. A contribuição ganha relevância no sentido tanto de armar politicamente ativistas e movimentos sociais com formação teórica que subsidie a militância em sindicatos, partidos de esquerda, etc., quanto para viabilizar movimento contra-hegemônico que trave batalha contra os sensos comuns derivados da ideologia burguesa.
Esta dupla preocupação perpassa todo estudo de Márcia Hespanhol Bernardo. Trata-se de uma pesquisa acadêmica crítica, com o objetivo de esmiuçar os mecanismos ideológicos que operam sobre o mundo do trabalho a partir de pesquisa sobre o cotidiano de trabalhadores metalúrgicos de duas grandes montadoras de São Paulo.

No que se refere ao municiamento do pensamento contra-hegemônico, o estudo contribui ao se propor discutir uma contradição aparente entre os novos discursos otimistas da organização flexiva do trabalho (que fala em “participação”, “colaboração”, “trabalhos em equipe”, etc.) e a permanência ou incremento de relatos que expressam intensificação da exploração do trabalho, doenças emocionais, sofrimento e dor. Contradição aparente, uma vez que, ao longo do estudo, vamos percebendo como aquele “discurso otimista” corresponde à ideologia que busca realçar suposta relação de pertencimento do operário à empresa, quando na verdade as novas relações de trabalho intensificam sua exploração a partir de práticas de organização e gestão cada vez mais complexas.
No que se refere à contribuição militante, o estudo em primeiro lugar detalha a forma como as empresas buscam dar sustentação ao novo modelo de trabalho - formas mais ou menos sutis de ameaças àqueles que queiram se organizar para lutar. E, ainda mais importante, a pesquisa dedica um capítulo inteiro à “resistência dos trabalhadores ao poder das empresas”.

Novas formas de resistência

Além das greves e dos trabalhos de agitação e propaganda feitos pelos sindicatos em articulação com trabalhadores da base da categoria considerados (pelos patrões) “rebeldes”, aparecem no estudo novas sinalizações de formas de resistência, individuais e coletivas. Nos relatos de trabalhadores recolhidos pelo estudo, há ações individuais e coletivas, tanto ativas (contra as normas), quanto passivas (sem infringir normas). Além das greves e paralisações, há ações individuais que remetem ao ludismo, com trabalhadores que riscam ou amassam automóveis para arrancar prejuízos à empresa – a intervenção é motivada por reação mais emotiva, um dos relatos fala de operário que trabalha em setor de montagem onde faz calor extremo, a sensação térmica é tão insuportável que, numa ação de “revolta” ou “vingança”, o montador danifica o veículo sem ser percebido e sem saber explicar sua intenção. Há ainda práticas mais sofisticadas de sabotagem, individuais e coletivas, que sinalizam, entre outros, a não adequação do discurso otimista dos gestores à realidade prática dos trabalhadores.

Tornando-se mais complexas ou sutis as relações de exploração, torna-se necessário discutir como atualizar as formas de resistência. De qualquer forma a própria sobrevivência das lutas no toyotismo tem significados importantes. Em primeiro lugar servem para demonstrar aos apologistas do capital como no atual mundo do trabalho não se aboliu a contradição capital e trabalho: muito pelo contrario, houve sim intensificação da exploração do trabalho a partir do aumento do ritmo de produção, da incorporação do trabalho intelectual como forma de aumentar a extração
de mais-valia a partir de formação de “equipes inteligentes de trabalho”, do estímulo à competição, do aumento do exército industrial de reserva como forma de pressionar os trabalhadores diante do medo do desemprego, etc. E o aumento da exploração do trabalho amplifica o conflito de classe, daí havendo necessidade de discursos hegemônicos cada vez mais sofisticados de adequação, convencimento e resignação.

Em segundo lugar, a maior complexidade do toyotismo exige a incorporação por parte dos sindicatos e organizações operárias anticapitalistas de novos métodos de luta que levem em consideração a necessidade de atualizar a forma de se expor o aspecto essencialmente ideológico do discurso flexível. Aumenta a necessidade da luta autônoma, coletiva e ativa dos trabalhadores, para que se torne cada vez mais clara a destreza com que o capitalismo incorporou demandas históricas dos trabalhadores para potencializar a extração de mais valia. Mais do que nunca, a nova realidade do trabalho exige maior preparo dos socialistas e anticapitalistas para a batalha das idéias.