Resenha Livro# 13 “Trabalho duro, Discurso Flexível: Uma análise das contradições do toyotismo a partir da vivência de trabalhadores” – Márcia Hespanhol Bernardo
Sobre a obra e sua importância
A editora expressão popular, como se sabe, cumpre papel fundamental de divulgação de textos clássicos do marxismo na língua portuguesa com preços acessíveis. A contribuição ganha relevância no sentido tanto de armar politicamente ativistas e movimentos sociais com formação teórica que subsidie a militância em sindicatos, partidos de esquerda, etc., quanto para viabilizar movimento contra-hegemônico que trave batalha contra os sensos comuns derivados da ideologia burguesa.
Esta dupla preocupação perpassa todo estudo de Márcia Hespanhol Bernardo. Trata-se de uma pesquisa acadêmica crítica, com o objetivo de esmiuçar os mecanismos ideológicos que operam sobre o mundo do trabalho a partir de pesquisa sobre o cotidiano de trabalhadores metalúrgicos de duas grandes montadoras de São Paulo.
No que se refere ao municiamento do pensamento contra-hegemônico, o estudo contribui ao se propor discutir uma contradição aparente entre os novos discursos otimistas da organização flexiva do trabalho (que fala em “participação”, “colaboração”, “trabalhos em equipe”, etc.) e a permanência ou incremento de relatos que expressam intensificação da exploração do trabalho, doenças emocionais, sofrimento e dor. Contradição aparente, uma vez que, ao longo do estudo, vamos percebendo como aquele “discurso otimista” corresponde à ideologia que busca realçar suposta relação de pertencimento do operário à empresa, quando na verdade as novas relações de trabalho intensificam sua exploração a partir de práticas de organização e gestão cada vez mais complexas.
No que se refere à contribuição militante, o estudo em primeiro lugar detalha a forma como as empresas buscam dar sustentação ao novo modelo de trabalho - formas mais ou menos sutis de ameaças àqueles que queiram se organizar para lutar. E, ainda mais importante, a pesquisa dedica um capítulo inteiro à “resistência dos trabalhadores ao poder das empresas”.
Novas formas de resistência
Além das greves e dos trabalhos de agitação e propaganda feitos pelos sindicatos em articulação com trabalhadores da base da categoria considerados (pelos patrões) “rebeldes”, aparecem no estudo novas sinalizações de formas de resistência, individuais e coletivas. Nos relatos de trabalhadores recolhidos pelo estudo, há ações individuais e coletivas, tanto ativas (contra as normas), quanto passivas (sem infringir normas). Além das greves e paralisações, há ações individuais que remetem ao ludismo, com trabalhadores que riscam ou amassam automóveis para arrancar prejuízos à empresa – a intervenção é motivada por reação mais emotiva, um dos relatos fala de operário que trabalha em setor de montagem onde faz calor extremo, a sensação térmica é tão insuportável que, numa ação de “revolta” ou “vingança”, o montador danifica o veículo sem ser percebido e sem saber explicar sua intenção. Há ainda práticas mais sofisticadas de sabotagem, individuais e coletivas, que sinalizam, entre outros, a não adequação do discurso otimista dos gestores à realidade prática dos trabalhadores.
Tornando-se mais complexas ou sutis as relações de exploração, torna-se necessário discutir como atualizar as formas de resistência. De qualquer forma a própria sobrevivência das lutas no toyotismo tem significados importantes. Em primeiro lugar servem para demonstrar aos apologistas do capital como no atual mundo do trabalho não se aboliu a contradição capital e trabalho: muito pelo contrario, houve sim intensificação da exploração do trabalho a partir do aumento do ritmo de produção, da incorporação do trabalho intelectual como forma de aumentar a extração
de mais-valia a partir de formação de “equipes inteligentes de trabalho”, do estímulo à competição, do aumento do exército industrial de reserva como forma de pressionar os trabalhadores diante do medo do desemprego, etc. E o aumento da exploração do trabalho amplifica o conflito de classe, daí havendo necessidade de discursos hegemônicos cada vez mais sofisticados de adequação, convencimento e resignação.
Em segundo lugar, a maior complexidade do toyotismo exige a incorporação por parte dos sindicatos e organizações operárias anticapitalistas de novos métodos de luta que levem em consideração a necessidade de atualizar a forma de se expor o aspecto essencialmente ideológico do discurso flexível. Aumenta a necessidade da luta autônoma, coletiva e ativa dos trabalhadores, para que se torne cada vez mais clara a destreza com que o capitalismo incorporou demandas históricas dos trabalhadores para potencializar a extração de mais valia. Mais do que nunca, a nova realidade do trabalho exige maior preparo dos socialistas e anticapitalistas para a batalha das idéias.
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