domingo, 27 de abril de 2014

“A Coluna Prestes” – Nelson Werneck Sodré

Resenha Livro # 114“A Coluna Prestes – Nelson Werneck Sodré” – Ed. Círculo Do Livro




O militar, historiador, crítico literário e marxista Nelson Werneck Sodré nasceu em 1911 na cidade do Rio de Janeiro. Dirigiu o importante ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros – nos anos do governo JK. Aquele centro de estudos seria um importante núcleo de reflexão e pesquisa tendo como base uma perspectiva nacionalista, ou, voltada aos interesses do desenvolvimento nacional. Sodré escreveu muitos livros. Os mais conhecidos são provavelmente “História Militar do Brasil” (editado pela Expressão Popular, mais recentemente), o “História da Imprensa no Brasil” (importante pelo seu pioneirismo no tema) e o seu “O que se deve ler para conhecer o Brasil”.

Nesta obra, Sodré faz uma breve síntese das linhas mestras do movimento tenentista e especificamente da Coluna Prestes – dentro dos depoimentos, é unânime a opinião segundo a qual Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, teria se projetado como figura de maior expressão.

Importante fazer uma consideração preliminar, aqui. Luiz Carlos Prestes é comumente conhecido e lembrado como o secretário geral do Partido Comunista Brasileiro por mais de duas décadas. Se na maior parte de sua vida política adulta, Prestes esteve nas fileiras do comunismo, no período do tenentismo, Prestes era um jovem oficial nacionalista sem conhecimento algum das ideias socialistas. Ele próprio incorporava e expressava o conteúdo de classe daquele movimento, qual seja, um movimento pequeno burguês baseado na baixa-oficialidade e em elementos urbanos do Brasil do início dos anos de XX.

Todavia, mesmo sem uma formação marxista consolidada, a liderança militar de Prestes seria decisiva, senão para a vitória plena do movimento tenentista (que lutava pela queda do presidente Bernardes), ao menos pela sua não derrota pelas forças oficiais, numericamente muito inferiores. Prestes adotava em sua guerrilha uma guerra de movimento e assim percorreram a assombrosa distância de 25 mil quilômetros por todo interior do Brasil.

Prestes, como já dito, tomaria contato com a literatura socialista e marxista no exílio. Mas a própria experiência da Coluna o sensibilizaria de forma a levá-lo ao socialismo. Saindo dos meios urbanos do estado do Rio Grande e conhecendo a extrema penúria e miséria do interior brasileiro, dos campos de Goiás, ao Norte de Minas e no sertão nordestino, os rebeldes se deparavam com a mais absoluta miséria associada ao poder absoluto dos donos de terra. É relatada história de famílias tão pobres que apenas alguns podem receber visitas por falta de roupas. Certamente, esta experiência iria marcar Prestes, em que pese ter sido ele, ao final do tenentismo, quase que uma voz dissidente. O fato é que a maior parte dos Tenentes (contra a opinião de Prestes) de união à Aliança Liberal e apoio a revolução de 1930 que levaria Getúlio Vargas ao poder. Em certa medida, o fim da República Velha e a ascensão de Vargas expressava a participação de novos setores da burguesia nacional no governo e, do ponto de vista histórico, implicou num importante processo de modernização produtiva, em particular com o desenvolvimento das indústrias de base, a criação da legislação trabalhistas e outras iniciativas que poderiam – se comparadas à realidade da República Velha – ser consideradas modernizadoras. Mas que certamente estariam, tais medidas, ainda distantes de sanar o maior flagelo que ainda hoje é o traço distintivo da sociedade brasileira – a desigualdade social.

A Coluna Prestes nos interesse hoje como uma experiência de luta revolucionária que não logrou ganhar um contorno de revolução na medida em que não pôde ou não foi capaz de trazer atrás de si as massas, os camponeses e os trabalhadores, estes ainda em fase muito embrionária naqueles anos de 1922 a 1927. De toda forma, tal história nos serve também como um exemplo de como as forças armadas no Brasil nem sempre estiveram do lado da reação (como em 1964), havendo, também aqui, uma memória de luta que precisa ser preservada.

terça-feira, 22 de abril de 2014

“Fundamentos do Leninismo” – Joseph Stálin



Resenha livro#113 “Fundamentos do Leninismo” – Joseph Stálin – Global Editora – Coleção Bases 33

Este Fundamentos do Leninismo pretende ser um manual didático e objetivo com as linhas mestras do leninismo, ou a especificidade do pensamento de Lênin, a sua contribuição original dentro do marxismo.

Desde o início, alerta Stálin: “o tema é vasto. Para esgotá-lo, seria necessário dedicar-lhe um livro inteiro. Ou melhor, toda uma série de livros. Por isso, naturalmente, as minhas conferências não podem ser consideradas como uma exposição completa do leninismo. Poderão ser apenas, na melhor das hipóteses, um resumo sucinto dos fundamentos do leninismo”. (Pg. 5)

No que se refere às raízes históricas do Leninismo, destaca-se a particularidade do movimento russo surgir no contexto da fase imperialista do capitalismo, sendo, aliás, o imperialismo tema de estudo específico de Lênin em “Imperialismo, fase superior do Capitalismo” de 1917.  Contexto de onipotência dos trustes e dos consórcios monopolistas e, importante, das guerras imperialistas. Outro aspecto particular daquele período, evidenciado por Stálin, é “a contradição entre um punhado de nações “civilizadas” dominadoras e milhões de homens dos povos colonizados e dependentes no mundo. Este novo rearranjo das nações apresentaria como resultado algo não previsto por Marx e Engels. Os pais do marxismo previam a eclosão do processo revolucionário dentro dos países mais avançados, nas nações onde as forças produtivas tivessem engendrado uma classe operária mais organizada e supostamente capaz de fazer frente ao capital. Mas, diante do re-arranjo decorrente da fase monopolista do capitalismo, a revolução viria a estourar dentro do elo mais frágil da cadeia, na Rússia, onde o rápido desenvolvimento do capitalismo combinado com a co-existência de antigas relações feudais de produção engendraram uma burguesia débil e concentraram um proletariado por um lado menos maduro que o inglês ou alemão, por outro menos contaminado pela aristocracia operária e oportunistas que conformavam a social democracia e a II Internacional.

O estudo do leninismo de Stálin prossegue abordando os temas do método e da teoria. Ambos são, em Lênin, derivados daquele contexto histórico do imperialismo e de luta política contra o reformismo da II Internacional. Há ademais uma crítica específica de Lênin ao espontenísmo, mais uma vez reforçando a importância da teoria (“sem teoria revolucionária não há prática revolucionária) – a crítica ao espontaneísmo está presente na teoria do partido em “O que Fazer” (1902) e no Esquerdismo (1920). Critica-se mesmo a tendência dos militantes ocupados em trabalhos práticos para prescindir da teoria o que, ressalta Stálin, vai contra todo espírito do leninismo. Importante destacar finalmente as interfaces entre o oportunismo e a negação da teoria revolucionária:

“A ‘teoria’ da espontaneidade é a teoria do oportunismo, a teoria que consiste em prestar culto ao movimento operário espontâneo, a teoria que nega de fato o papel dirigente da vanguarda da classe operária, do partido da classe operária.

A teoria que consiste em prestar culto à espontaneidade é uma teoria decididamente contrária ao caráter revolucionário do movimento trabalhador; impede que este se oriente pelo caminho da luta contra os fundamentos do capitalismo; luta para que este movimento se oriente exclusivamente pela via das “possíveis” e “aceitáveis” reivindicações para o capitalismo, advoga em absoluto “a linha da menor resistência”; A teoria da espontaneidade é a ideologia do trade unismo”.

Dois capítulos merecem atenção especial dos leitores brasileiros. São capítulos que apresentam contrapontos importantes aos discursos trotskystas que costumam ser comuns nos manuais e livros indicados pelos partidos e forças de “esquerda” trostkystas. Um é sobre o camponês. Stálin destaca,fase a fase, o tipo de política e o tipo de relação travada entre o proletariado e o camponês. Dentro do movimento russo, sempre esteve fora de questão a necessidade de ganhar o camponês para a revolução, de forma a torná-lo aliado numa luta para aniquilar o feudalismo no campo e, no estado soviético, garantir a coletivização (tema que já escapa a temática do manual). O outro tema é sobre a tal “Revolução Permanente”. Os trotskystas arrogam-se no direito de dizer ser a tal revolução permanente uma obra pessoal de León Trótsky. Falso! O conceito é de Marx e é utilizado de forma deturpada por Trótsky para defender uma política esquerdista dentro da realidade russa. Assim preleciona Stálin:

"Claro, mas poderão nos dizer porque é que, nesse caso, Lênin combateu a ideia da "revolução permanente" (ininterrupta)? Porque Lênin propunha "esgotar" toda capacidade revolucionária dos camponeses e utilizar até à última gota das suas energias revolucionárias para a completa liquidação do czarismo, para passar à revolução proletária, enquanto os partidários da "revolução permanente" não compreendiam o importante papel dos camponeses na revolução russa, menosprezavam a força da energia revolucionária dos camponeses, menosprezavam a força e capacidade do proletariado russo para conduzir consigo até aos camponeses e, desse modo, entorpeciam a obra de libertar os camponeses da influência da burguesia, a tarefa de agrupar os camponeses em redor do proletariado. Porque Lênin propunha coroar a tarefa da revolução com a passagem do poder ao proletariado, enquanto os partidários da "revolução permanente" queriam começar diretamente pela tomada do poder pelo proletariado, não entendendo que assim fechavam os olhos a um pormenor, fruto da sobrevivência do regime da servidão e não tinham sequer em consideração uma força tão importante como os camponeses russos, não compreendendo que semelhante política só podia dificultar a tarefa de atrair os camponeses para o lado do proletariado. Portanto, a luta de Lênin contra os partidários da revolução "permanente" não girava em torno do problema da sua continuidade, porque o próprio Lênin sustentava o ponto de vista da revolução ininterrupta, mas em torno daqueles que menosprezavam o papel dos camponeses." Pg. 39

Também importante ressaltar que o Stálin coloca que Trotsky na verdade tirou o conceito da revolução permanente de MARX, mas distorcendo-o inteiramente, não enquanto descreve a transformação da revolução democrático-burguesa em revolução socialista, mas quanto às questões democráticas e às questões nacionais, que em Trotsky surgem na mera tomada do poder pelo proletariado, perdendo de vista a aliança com os camponeses.

Ler Stálin, no Brasil pode ser um primeiro passo de “purificação”. Aqui, quem militou nas fileiras da esquerda organizada nos úlimos 10-15 anos, esteve o tempo todo suscetível e exposto às baboseiras trotskystas. É tempo de reverter esta situação lamentável.  

sábado, 19 de abril de 2014

“Revolução Russa: história, política e literatura” – José Carlos Mariátegui


Resenha Livro #112 “Revolução Russa: história, política e literatura” – José Carlos Mariátegui – (Org. Luiz Bernardo Pericás) – Ed. Expressão Popular




O escritor, crítico literário, jornalista e marxista peruano José Carlos Mariátegui não é muito conhecido pelo público Brasileiro. Por aqui, teve uma seleção de textos sobre o fascismo italiano publicado pela editora Alameda, e teve o seu clássico “Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana” e este “Revolução Russa”, ambos publicados pela Ed. Expressão Popular.

Mariátegui deve ser reconhecido como um expoente original do pensamento marxista latino-americano. No seu caso particular, há de se destacar o fato de ter sido auto- didata: não passou pelos bancos da universidade e aprendeu por conta as línguas estrangeiras, o italiano e o francês, a partir dos quais iria tomar contato com as principais fontes para a redação dos artigos desta “Revolução Russa”.

No caso dos escritos de Mariátegui sobre o fascismo na Itália temos o privilégio de acompanhar o relato crítico e minucioso da conjuntura política italiana nos anos de ascensão do fascismo, as movimentações (e os erros cometidos) pelo partido comunista e, importante, observamos como Mariátegui na verdade subestima o perigo fascista. Ainda que o subestime, sua análise e seu depoimento servem como valiosas fontes históricas. De qualquer forma, o fato é que o jornalista faz um relato presencial da conjuntura política da Itália dos anos de 1920.

Com “A Revolução Russa” ocorre fenômeno distinto.  Mariátegui nunca esteve na Rússia. Os seus artigos sobre a Rússia (selecionados pelo historiador Luiz Bernardo Pericás) foram escritos com base em relatos de agências de notícias, jornalistas e viajantes, tanto simpáticos quanto adversários do regime socialista. Por se tratar de reportagens de segunda mão, certamente, não encontraremos aqui descrições tão minuciosas e aprofundadas acerca da realidade da revolução russa entre 1920-30. São textos jornalísticos, em geral curtos, mas que têm o seu o interesse histórico na medida em que revelam um pouco dos embates de ideias que envolviam o problema da existência da URSS e em particular algumas de suas implicações na diplomacia.

José Carlos Mariátegui escreve fazendo contraponto às vozes dominantes das agências de notícias americanas e francesas que corroboram com uma série de mitos acerca da revolução dentro de um embate que envolvia diretamente os interesses inter-imperialistas. Este contraponto ainda hoje se justifica e torna a leitura dos artigos de Mariátegui sobre a URSS ainda necessários. Os temas vão da  nova literatura realista da revolução, da poesia e da participação da mulher na política à nova lógica diplomática revolucionária pautada pela extinção dos segredos de diplomacia e pelo desarmamento radical, pela disputa japonesa e americana pela Manchúria e pelos os interesses soviéticos na região, o cinema, o teatro, a revolução sexual na URRS, etc. Justamente por trazer uma perspectiva mais “jornalística” os temas dos artigos incidem bastante sobre o que poderíamos chamar de “história do cotidiano”, qual seja, relatos da vida social na URSS diante do novo contexto da revolução, uma temática que despertava o interesse de muitos e implicava numa volumosa produção de relatos, ora mais ou menos fieis à realidade.

Em que pese a ausência de um esforço de aprofundamento teórico – totalmente incompatível com o gênero jornalístico – os artigos de Mariátegui ainda são uma fonte preciosa de informação acerca da história social dos primeiros anos da URSS. A Ed. Expressão Popular faz uma grande contribuição à militância comunista brasileira publicando estes artigos de Mariátegui.   

sexta-feira, 11 de abril de 2014

“Fidel – A Estratégia Política da Vitória” – Marta Harnecker


Resenha livro #111 “Fidel – A Estratégia Política da Vitória” – Marta Hernecker – Ed. Expressão Popular


Conforme indica a própria autora em sua introdução, esta narrativa da revolução cubana de 1959 preza pela clareza, pela objetividade e pela acessibilidade. Seu objetivo é dialogar com a juventude e introduzi-la sempre de forma didática a um capítulo da vasta história das lutas de resistência no continente americano, no caso, à história de um primeiro movimento guerrilheiro vitorioso na américa latina que iria reivindicar para si, após a vitória da revolução, a perspectiva socialista.

Mas a trajetória da vitória do movimento 26 de Julho e de sua principal liderança, Fidel Castro, remonta a pelo menos 10 anos antes de 1959. Na Cuba dos anos 50 o partido mais próximo do marxismo era o Partido Socialista. Fidel, por outro lado, militava, desde a faculdade de Direito, no Partido Ortodoxo. Tratava-se de uma agremiação mais associada aos setores da pequeno-burguesia nacionalista: lutavam pela moralização da política e contra a espoliação econômica estrangeira.

Um momento decisivo na história de Cuba ocorre em 10.03.1952 quando Batista dá um Golpe Militar e instala uma ditadura. Haveria aqui uma exigência de mudança drástica na linha política dos partidos de oposição. Tratava-se de uma ditadura do tipo militar, corrupta e que, ao longo do tempo, foi mostrando-se profundamente antipopular. Diante das perseguições políticas aos opositores, um setor do partido ortodoxo liderados por Fidel e por militantes jovens egressos em boa parte da universidade, partem para o enfrentamento com armas contra o regime.

E assim, em 26 de Julho de 1953, Fidel Castro e cerca de 150 homens tentam tomar de assalto o quartel general de Moncada em Santiago de Cuba. O objetivo dos revolucionários era o de tomar as armas para iniciar a luta armada contra Batista.

O assalto a Moncada não foi bem sucedido: a maioria dos guerrilheiros morreram e os restantes (entre eles, Fidel) foi preso. É em decorrência desta prisão que Fidel, advogado, redigirá o seu famoso “A História Me Absolvirá”, a sua defesa perante o tribunal de batista e que, conforme o gênio político de Fidel, deveria ser uma plataforma política do movimento, tirando proveito da publicidade do processo contra os guerrilheiros de Moncada para impulsionar uma crítica ao regime.

Será no exílio no México que Fidel conhecerá o argentino Che, com quem retornará à Cuba embarcando no Granma para, após um longa guerra de guerrilha camponesa, associada à importante agitação política a partir da Rádio Rebelde de Sierra Maestra, farão triunfar a revolução cubana em 1º de Janeiro de 1959, culminando na fuga de Batista de Cuba e na instalação de um governo revolucionário que ainda hoje, 55 anos depois, ainda resiste ao embargo imperialista, à propaganda anticomunista e às mentiras dos trotskystas que estão do lado dos gusanos de Miami, como, no Brasil, os indivíduos ligados à Lit-QI.

“A Estratégia Política da Vitória” expressa alguns elementos, destacados pela autora, que foram decisivos para a vitória da revolução cubana, ganhando evidência a clareza política de seu mais importante dirigente político, Fidel Castro.

Diz Marta:

“No que Fidel nunca cedeu foi nas questões de fundo, as únicas que podiam estancar o desenvolvimento do processo revolucionário, e que eram: a não aceitação da ingerência estrangeira, o repúdio ao golpe militar e a negativa de formar uma frente que excluísse alguma força representativa de algum setor do povo”.

Interessante comparar aqui alguns desvios de nossa esquerda naqueles mesmos anos e a política levada à cabo pelo movimento 26 de Julho no que tange ao problema da burguesia nacional.
Fidel nunca rejeitou entabulações e acordos com partidos burgueses de oposição à Batista, com a condição de não romper com aqueles princípios elencados acima. Mas o que há de mais importante a se diferenciar aqui parece ser as ilusões em torno da efetiva disposição de luta de supostos setores burgueses nacionalistas em contraposição ao imperialismo: a esquerda brasileira cheias de ilusões em torno das reformas de base de um Jango e a os guerrilheiros cubanos não permitindo que sua luta fosse desvirtuada por qualquer caudilho burguês.

Esta ilusão parecia estar menos presente no imaginário dos guerrilheiros do 26 de Julho, e, curiosamente, menos presente até do que junto aos comunistas do Partido Socialista Cubano. Outra diferença decisiva estaria relacionada com o saber fazer política: os guerrilheiros do 26 de Julho apenas se dispuseram a abrir diálogo com lideranças e partidos burgueses quando o movimento revolucionário já era uma realidade, e mais importante, já estava em vias de ser a direção do processo revolucionário: apenas quando a derrota de Batista era inevitável, foram os partidos burgueses obrigados a negociar com Fidel e nestas condições não poderiam impor suas condições antipopulares e antinacionais.

A estratégia da vitória é um livro que merece ser lido com atenção, de forma a fazer com que a bela revolução cubana permaneça viva, de alguma forma, contribuindo, com as lições de seus êxitos e impasses, para continuarmos avançando em direção ao comunismo: seguindo uma trilha pela qual passaram os guerrilheiros do 26 de Julho.  

terça-feira, 8 de abril de 2014

“Direito e Ideologia: um estudo a partir da função social da propriedade rural” – Tarso de Melo

“Direito e Ideologia: um estudo a partir da função social da propriedade rural” – Tarso de Melo


Resenha livro #110 “Direito e Ideologia: um estudo a partir da função social da propriedade rural” – Tarso de Melo – Ed. Outras Expressões




            Estes estudo corresponde à tese de mestrado na Faculdade de Direito da USP do prof. Tarso de Melo. Há aqui uma proposta de discussão crítica acerca do tema da função social da propriedade, um tema em si só prenhe de sentidos. A orientação teórico-metodológica apresentada por Tarso de Melo é a perspectiva crítica: as referências ao direito e à ideologia decorrem do pensamento de Marx e pensadores marxistas como o l.Mézáros, N. Poulantzas e Allaor Caffé, este último, verdadeiro precursor dos estudos referentes às relações entre direito e marxismo no Brasil.   

No que tange a tais pressupostos teórico-metodológicos, como não poderia deixar de ser, a pesquisa de Tarso está longe de estar pautada pela dogmática, pela pesquisa tradicional de leis, jurisprudência e doutrina mais autorizada. Trata-se antes de um estudo interdisciplinar que em contraponto ao positivismo jurídico busca fazer uma análise crítica do direito analisando-o em sua totalidade, o que envolve encará-lo nas suas múltiplas relações, com a história da Brasil, com a nossa questão agrária, com a conformação de nossas instituições jurídicas... Trata-se, pois, de uma obra preciosa tanto pelo método quanto pelo tema: ao estudar a questão da função social da propriedade, Tarso passará necessariamente por um protagonista social de peso no país no âmbito da luta pela terra, o MST.

Vale pontuar que são infelizmente ainda muito raros estudos deste tipo, que fogem do padrão dogmático, pautado por uma racionalidade auto-explicativa, que justifica e legitima a si própria única e exclusivamente a partir do texto legal. Assim, ainda há muitas questões em aberto e diversas possibilidades de pesquisas que façam avançar uma compreensão crítica com relação ao direito, que supere por um lado eventuais ilusões reformistas sobre a prática jurídica e por outro vá além da mera negação do direito, entendido em bloco como instrumento de opressão de uma classe pela outra.

Aqui, Tarso fala em “ambiguidades” decorrentes do próprio direito e da sua relação com o mundo concreto. Trata-se de tentar se afastar de duas perspectivas igualmente reducionistas. A primeira seria aquela passível de ser caracterizada como “ingênua” ou, talvez, excessivamente otimista segundo a qual seria possível empreender importantes alterações sociais – em especiais no sentido da redução das desigualdades entre as classes – por meio do direito e suas ferramentas. A outra perspectiva é a de descartar o direito, as normas jurídicas e eventuais lutas por mudanças nas leis ou novas leis, como movimentos não convenientes na medida em que as leis e o direito são em última instância instrumentos de dominação de classe.

Com relação à primeira ilusão, ela vem a ser mais comum e decorre, entre outros fatores, da hegemonia do positivismo jurídico que já encontra assento no Brasil já dentro das escolas de direito. Das faculdades ao exame da OAB, basicamente o “operador do direito” é graduado para manipular o ordenamento jurídico conforme um determinada quantidade de circunstâncias mais ou menos premeditadas pelos manuais: ao invés de haver um diálogo entre o processo ou as normas jurídicas e a realidade fática (encarada de forma dinâmica dentro de sua processualidade histórica)  é como se o conjunto de normas jurídicas posto necessariamente desse conta de toda a realidade fática (não há um “dialogo”, mas uma linha transversal partindo da norma jurídica em direção à realidade fática).

E as hipóteses em que a lei não dê qualquer resposta ao caso concreto? Ainda assim é possível reportar-se ao art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, in verbis:  

Art. - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.


Esta perspectiva positivista tem um efeito ideológico importante. A ideologia não é o simples desvirtuamento total da realidade. Se assim o fosse, não seria plenamente eficaz, não seria ideologia. A ideologia necessita encerrar elementos de convencimento para sustentar suas respectivas relações sociais de dominação. A ideologia corresponde aos interesses de uma classe específica, dominante, transvestido de interesses comuns, de interesses gerais. O discurso positivista, segundo o qual o direito equivale à lei, é um discurso profundamente ideológico. Por meio dele, garante-se que o operador do direito, e, mais importante, que aqueles impactados de alguma forma pelo direito e pelo estado, não questionem as razões (se justas ou não) de uma reintegração de posse em favor de uma empresa devedora de tributos; ou que não questione o acórdão de um Tribunal Regional do Trabalho declarando “abusiva” uma greve de uma categoria profissional super-explorada, como a de garis.

Falávamos que existem dois caminhos a serem evitados dentro da perspectiva crítica do direito apresentada por Tarso. A primeira é a do positivismo jurídico, que é a dominante e, como vimos, tem forte viés ideológico. A segunda é mais específica da tradição marxista e reporta-se às teses de Marx acerca da natureza do estado e do direito. É certo que Marx e Engels têm uma vasta produção teórica e em certo sentido fragmentária: ainda assim, é possível dizer que revolucionaram distintas áreas do saber, como a filosofia, a sociologia, a teoria da história e a economia política. Apesar de sua formação em Direito, não há em Marx propriamente um estudo detalhado e específico sobre o Direito: é um tema que perpassa sua obra, há nuanças ao longo da sua própria evolução intelectual e uma análise sobre o tema vai muito além da proposta desta resenha.

Tentaremos aqui ir direto ao ponto que parece ser mais controverso: se o direito e em última instância o estado burguês são instrumentos de dominação da classe detentora dos meios de produção (burguesia) contra a classe que vende a sua força de trabalho (trabalhadores) em que medida é possível ainda pensar numa atuação progressista no âmbito do direito? Acreditamos que é necessário sim travar lutas por direitos democráticos do povo e da classe trabalhadora e, aqui, é necessário, talvez, esclarecer um pressuposto que comumente surge de forma disvirtuada nos debates da esquerda. Nem Marx, nem nenhum marxista digno desta tradição advogou algum dia a linha do “quanto pior melhor”, qual seja, a suposta piora das condições materiais engendrariam condições mais rápidas para o desenvolvimento da revolução. Basta olhar para o Manifesto Comunista (1848) para constatar objetivos muito claros e pontuais relacionados à melhora da condição de vida dos trabalhadores, redução da jornada de trabalho além da questão do labor da mulher e da criança, etc. O que se destaca aqui é que a reforma não é um óbice para a revolução, mas, muito pelo contrário, deve ser um elemento que impulsione a revolução. Da mesma forma, a luta por direitos – desde que feita sem perdida de vista o horizonte estratégico e sem se afastar daquele horizonte – é um momento fudamental para organizar o poder popular.

Mas, voltando ao direito, nossas reservas vão no sentido de fazer com que eventuais conquistas pontuais no âmbito do judiciário burguês não se traduzam em “retrocesso” de consciência de classe: ganha-se na justiça uma liminar suspendendo mandado de reintegração de posse – o que ocorreu no Pinheirinho – e cria-se uma falsa ilusão de vitória e desmobiliza-se o povo para, posteriormente, um outro juiz reformar inteiramente a sentença e executar o mandado – o que, mais uma vez, ocorreu no Pinheirinho.

Esta questão da relação entra a consciência dos oprimidos pelo capital e a sua relação com as lides jurídicas é apenas um dos pontos que este escriba aventou após ler atentamente o estudo do Sr. Tarso de Melo. Saudamos o autor por seu livro e ficamos no aguardo de sua próxima publicação “A Função Ideológica do Direito nas Lutas Sociais” pela mesma editora.      

quinta-feira, 3 de abril de 2014

"Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário (1958-1990)" - Anita Leocadia Prestes

Resenha Livro #109 - "Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário (1958-1990)" - Anita Leocadia Prestes - Editora Expressão Popular



Anita Leocadia Prestes é historiadora de formação, segue orientação teórico-metodológica (e política) marxista e é filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Bernário. Provavelmente, aquele casal seria mais conhecido pelo grande público através do filme "Olga" uma produção cinematográfica da Rede Globo, muito pouco preocupada, como é de se supor, com o legado e a tradição do movimento comunista, bem como a importância específica do dirigente Luiz Carlos Prestes. Trata-se antes de filme bastante comercial, que em seus destaques dos encontros e desencontros amorosos de Prestes e Olga, bem como o trágico fim do casal, mais parece com uma novela global.

Este relato histórico de Anita Leocádia Prestes em nada se assemelha com o filme supracitado. Esta advertência aliás já surge na introdução, quando a autora comenta a sua referência historiográfica e sua proposta metodológica. Anita tem como objetivo descrever a trajetória política de Prestes e do PCB do período que vai da Declaração de Março de 1958 até a morte do cavaleiro da esperança em março de 1990. O que há de se destacar aqui é que Anita busca fontes oficiais do partido e da imprensa partidária: não está interessada numa narrativa "jornalística" que irá dissertar acerca de detalhes da vida privada. Sua orientação é muito mais objetiva pois tem como escopo oferecer informações objetivas sobre a trajetória política de Prestes, em que pese todas as falsificações e calúnias, dos inimigos de classes e dos adversários políticos.

O estudo tem como ponto de partida um momento já de plena adesão de Luiz Carlos Prestes ao marxismos-leninismo, quando já era secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, em 1958. Tratava-se de momento em que JK presidia o Brasil, e, no âmbito internacional a bipolarização internacional da Guerra Fria acentuar-se-ia (em especial com o progresso da URRS, com a revolução chinesa e em 1959 com a revolução cubana). Diante daquela conjuntura, a direção nacional do PCB iria firmar um entendimento etapista da revolução brasileira, tendo aqui bastante influência com por um lado Revolução antiimperialista na China e por outro a voga desenvolvimentista e remotamente nacionalista dos anos JK.

Assim discorria o PCB:

"A revolução no Brasil, por conseguinte, não é ainda socialista, mas anti-imperialista e antifeudal, nacional e democrática. A solução completa dos problemas que ela apresenta deve levar à inteira libertação econômica e política da dependência para com o imperialismo norte-americano; à transformação radical da estrutura agrária, com a liquidação do monopólio da terra e das relações e das relações pré-capitalistas de trabalho; ao desenvolvimento independente da economia nacional e à democratização radical da vida política".

Havia então um entendimento dominante dentro da esquerda e no partido comunista de que a revolução no Brasil não poderia ser imediatamente socialista, mas anti-imperialista, antifeudal, nacional e democrática. Nestes marcos, pensava-se ser aceitável e até oportuno aliança política com frações da burguesia nacional em suposta contradição com os monopólios estrangeiros. No fundo, tratava-se de uma luta pelo desenvolvimento de uma via autônoma e democrática do capitalismo na periferia do sistema, o que se mostraria na prática, inviável. A tal fração "progressista" da burguesia nacional debandou-se para a reação em 1964 e ajudou a esmagar a esquerda e os comunistas na ditadura militar. O que ocorria era que não havia uma contradição entre o desenvolvimento do capitalismo no brasil e resquícios "feudais" decorrentes do subdesenvolvimento. Autores perspicazes como Caio Prado Júnior observaram como o capitalismo vai se desenvolver no Brasil  a partir daquelas estruturas arcaicas e a chamada burguesia nacional ao invés de estar em choque com o imperialismo, estaria com os seus interesses materiais associados aos monopólios estrangeiros. Isto explica o apoio civil e empresarial ao golpe de estado engendrado especialmente pelo imperialismo norte-americano em 1964.

Anita Leocádio Prestes irá continuar sua narrativa, descrevendo a intervenção e a luta de Prestes por um partido revolucionário no tumultuado governo de Jango, na luta pelas reformas de base e contra a conciliação junto ao imperialismo. Após a ditadura militar, na luta pela reorganização partidária. No exílio e no retorno ao Brasil, quando sentimo-nos tocados com o triste destino de Prestes, octagenário, e ainda lutando, com todas as forças, contra os desvios oportunistas e reformistas da direção nacional do PCB, coincidindo com o seu afastamento da secretaria geral do partido.

Na verdade, os anos de 1980 seriam um momento de ofensiva brutal do capitalismo contra o socialismo e a tradição comunista e, nesta ofensiva, os partidos comunistas não sairiam ilesos. Muitos "comunistas" relegariam a segundo plano a perspectiva revolucionária e o horizonte socialista em detrimento de uma "democracia" que, na prática, implicava a conciliação junto à burguesia e o reformismo exacerbado. Como comunistas, ao lermos o relato de Anita, sentimo-nos tocados, sensibilizados pela grandeza de Prestes, que a todo momento, na prática (e não apenas no discurso) demonstra sua fidelidade ao marxismo leninismo, mesmo diante de reiteradas mostras de traição do comitê central do Partido Comunista Brasileiro, especialmente durante a chamada redemocratização. Enquanto a direção do PCB conciliava junto a Figueredo e chamava o voto em Tacredo Neves, Prestes rebelava-se e chamava boicote às eleições de fachada. Quando a municipalidade do Rio de Janeiro lhe concede uma pensão vitalícia, Prestes recusa prontamente o benefício, considerando-o inoportuno por princípio. Podemos criticar Prestes por algumas opções táticas - por exemplo, em 1989, chamou voto nas eleições presidenciais em Leonel Brizola e apoiou Lula no segundo turno. Todavia, o que fica claro é que até a sua morte, aos 90 anos de idade, Prestes demonstrou ser fiel ao marxismo-leninismo: como tal, dedicou todas as suas forças até a morte pela construção do partido da revolução brasileira.

É uma pena que no Brasil, hoje, predominem organizações trotskystas. São vários os problemas decorentes da hegemonia do trotskysmo dentro das nossas organizações de esquerda. Uma delas é o deliberado esquecimento de dirigentes do nosso movimento comunista - caracterizados por PSTU, PSOL, LER, MNN, PCO, etc - como "estalinista". Luiz Carlos Prestes é um caso destes dirigentes que precisam ser resgatados:sua história precisa ser contada e confrontada diante das falsificações e calúnias da direita e daqueles trotskystas desonestos.