A extensa biografia do historiador marxista polonês Isaac Deutscher
acerca da vida de Leon Trótsky é dividida em três partes. Já tivemos a
oportunidade de resenhar o último tombo do estudo (Ver aqui: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/02/trotsky-o-profeta-banido-1929-1940.html).
Em “O Profeta Banido”, Deutscher narrará a vida de Trotsky no exílio,
imediatamente após a sua expulsão de Alma Ata até o seu assassinato em 1940 no
México. Na resenha do 3º volume tivemos a oportunidade de oferecer informações
gerais sobre o autor da biografia, bem como propor um balanço da intervenção
política de Trótsky e seus seguidores tanto para a experiência da revolução
russa quanto para à realidade contemporânea. Não é necessário repetir o mesmo
assunto. As informações sobre Deutscher estão lá, além de serem facilmente
encontradas na internet. Já nossa opinião sobre Trótsky e trotskysmo em nada
muda após a leitura do 2º Volume.
Assim, este resenha se deterá apenas acerca das principais passagens
da vida de Trótsky entre 1921 e 1929.
O profeta desarmado corresponde ao processo gradual de eliminação da
Oposição de Esquerda dentro do partido e do movimento russos, processo não
linear e que vai expressando diferentes resultantes de uma feroz luta interna
dentro do partido comunista, tendo como ponto de partida o definhamento e morte
de seu líder inconteste, Lênin.
O período histórico aqui envolvido vai de 1921, com o fim da Guerra
Civil, até 1929, com a expulsão de Trótsky da URSS e seu exílio na Turquia. Na
verdade, um ano antes, Trótsky já havia sido enviado por Stalin e seus aliados
a Alma Ata, no Kazaquistão – havia sofrido a mesma sorte de muitos outros
oposicionistas que eram enviados a lugares longínquos (ocasionalmente sob o
pretexto de alguma tarefa a ser realizada em benefício do partido) com a
finalidade de afastar a oposição (à direita e à esquerda de Stálin) dos centros
de decisão e longe de seus apoiadores.
Der todo modo, três questões são importantes de serem destacadas – o problema
da democracia interna do partido e na sociedade soviética; as lutas internas e
as diferentes composições de força; e o monolitismo stalinista a partir de
vínculo insolúvel entre partido e estado.
Quanto ao problema da democracia, sabe-se que a Revolução Russa
enfrentara, imediatamente após a tomada do poder em outubro de 1917, a mais
furiosa reação contra-revolucionária – aliás, mesmo antes, em Julho, a reação
branca quase derrubara o governo provisório e Lênin havia sido obrigado a fugir
temporariamente da capital. Com a Guerra Civil apoiada pelas classes derrotadas
na Rússia e pelo imperialismo, não haveria de se supor haver alguma
possibilidade de um regime político aberto e amplamente “democrático” – o risco
real da contra-revolução estava bem presente no imaginário dos bolcheviques que
já tinham como exemplo a derrota da comuna de paris de 1871.
Assim, inicialmente, apenas os partidos que reivindicavam a revolução
de outubro seriam permitidos. Na prática, estes eram os bolcheviques e os
esseristas de esquerda, e posteriormente, estes últimos também romperiam com os
bolcheviques, passando abertamente à contra-revolução. Até o fim do período leninista,
vigorava um sistema unipartidário, mas que muito se diferenciava em relação ao
monolitismo stalinista que seria colocado em marcha gradualmente a partir de
1924, com a morte de Lênin.
O modelo leninista corresponde ao centralismo democrático – total fidelidade
à revolução e às deliberações coletivas e liberdades democráticas nos fóruns de
decisão partidários. Este modelo pressupunha a existência de facções internas e
a luta política ainda não era esmagada pela força. Gradualmente, a democracia
seria cada vez mais mitigada em benefício de uma disciplina que se baseava
menos nos argumentos poderosos e mais na obediência, no servilismo burocrático
e na ameaça de defecções e expulsões. De um “unipartidarismo plural” em Lênin,
o partido russo caminhava para um monolitismo. E do monolitismo partidário caminharia
para o poder pessoal de Stálin, sendo irônico que não só trotskystas e
zinovievistas tenham sido perseguidos, mas mesmo stalinistas que divergiam em
algum ponto da linha oficial.
Certamente, o autoritarismo pode chocar a percepção comum bem como
alimentar alguns discursos acerca da “natureza” autoritária do socialismo. Porém,
é pouco provável que a intensa industrialização e a eliminação da agricultura
particular na Rússia pudessem ter sido alcançadas por métodos democráticos. E
sem aquele desenvolvimento tecnológico e espiritual, a URSS não estaria
preparada para enfrentar e derrotar no nazifascismo na Segunda Guerra mundial.
Como dizíamos, a centralização do poder político na URSS foi gradual e
a resultante de uma luta política entre facções da velha guarda bolchevique.
Esta era o repositório moral da revolução e se impunha como autoridade
inconteste. Inicialmente, a co-relação de forças internas do partido russo esteve
de certa maneira encoberta pela liderança inconteste de Lênin – esta liderança
seria tão importante que após a sua morte, todos os dirigentes, da direita e da
esquerda, diziam estar trilhando o justo caminho do Leninismo. Após o
desaparecimento de Lênin em 1924, a direção do partido passa às mãos de um triunvirato
composto por Zinoviev, Kamanev e Stálin. Contra o triunvirato ficam Trótsky e
seus seguidores, além de outros grupos à esquerda, como os decembristas, e à
direita como os Bukharinistas.
Dentre as polêmicas que surgiam então havia o problema da relação
entre a Rússia e as pequenas nações – Trótsky criticava o tratamento dado por
Stálin aos georgianos e já discorria sobre a questão do internacionalismo, que
seria contrabalanceada pela teoria do socialismo num só país. Os choques se
prosseguiriam: a revolução na China opunha mais uma vez os dirigentes russos,
sendo a posição do grupo dominante russo o apoio ao kuommitang e a subordinação
dos comunistas chineses à liderança nacionalista – os comunistas chineses seriam
traídos e perseguidos pelos seus antigos aliados criando grandes embaraços ao
Comitern e ao partido russo.
Posteriormente, o arranjo de forças políticas de modifica. O
triunvirato se rompe. Kamanev e Zinoviev vão para a oposição e sinalizam apoio
à Trótsky. Este, mesmo oferecendo enormes resistências a Kamanev e Zinoviev,
via o perigo termidoriano pairando a revolução russa. Havia uma “direita”
representada nos últimos anos da década de 1920 por Bukharin (que ironicamente
fora um “comunista de esquerda” nos anos de Lênin) e o resultado termidoriano
significava a restauração capitalista a partir dos Kulagas no campo e dos
homens da NEP (Nova Política Econômica) na cidade. Stálin ocupava uma posição
de centro, buscava evitar golpear ao a esquerda e a direita, nunca ao mesmo
tempo, buscando lançar uma contra a outra. Investia na divisão dos seus
adversários e ganhava tempo para paulatinamente ganhar influência e poder no
partido e porteriormente, correr para a ofensiva com defecções e expulsões dos
adversários.
Leon Trotsky foi expulso em 14 de novembro de 1927 do partido russo. O
pretexto foi o de um apelo às massas feito por seu grupo e o de Zinoviev no dia
7 de novembro, quando o país comemorava 10 anos da revolução. Seu apelo
continha as bandeiras da oposição: industrialização do país, luta contra os
kulags, democracia interna no partido. Sua intervenção foi julgada como
divisionista e desleal. Dois anos depois seria expulso da URSS e mais 10 anos passariam,
marcados por intensa luta política de ideias a partir de sua defesa frente aos
ataques stalinistas, até seu assassinato.
Sempre gosto de ler suas resenhas, apesar de quase nunca comentá-las, mas algo me incomodou bastante nesta, em especial, que me fez comentá-la.
ResponderExcluirO incômodo corresponde à relação do texto com a democracia, enquanto sistema e valor. Não me considerando algum grande conhecedor ou estudioso do marxismo, entendo, e corrija-me se eu estiver errado, que não se trata de uma doutrina democrática. É uma doutrina revolucionária, as mudanças são obtidas por meio de uma revolução decorrente da vitória proletária sobre as classes dominantes e não a partir de um consenso entre elas.
Isso não quer dizer, e novamente corrija-me caso eu esteja errado, que não seria almejada um status democrático pelo marxismo. A democracia decorria de um período pós-revolucionário, mas apresentaria uma peculiaridade que consistiria na igualdade, não apenas material, mas também de classe. O ideal seria, então, uma democracia proletária.
Tendo isso em vista, diferentemente de outro liberais, entendo como necessário e justificável que, com a eclosão da Revolução de 1917, tenha-se surgido um governo autoritário. O autoritarismo decorreria do próprio fato revolucionário, enquanto mecanismo de perpetuação e defesa das conquistas.
Nesse sentido, como bem narrado em seu texto, "'[c]om a Guerra Civil apoiada pelas classes derrotadas na Rússia e pelo imperialismo, não haveria de se supor haver alguma possibilidade de um regime político aberto e amplamente 'democrático'".
Com efeito, a minha inquietação surge a partir da conivência com a política stalinista, mediante a justificativa que o endurecimento do regime (já autoritário, ainda que este manejasse intra-partido um sistema de tomada de decisão 'democrático') estaria justificado pelos fins atingidos - expansão industrial, fim da propriedade particular agricultora e o 'preparo' para o combate à expansão Nazista.
Difícil crer que o recrudescimento do regime tenha outra razão a não ser a busca pessoal de Stálin na consolidação de seu poder na URSS. Não nego que isso não tenha, de certa forma, intensificado o processo revolucionário de 1917, mas isso fora feito ao custo de aproximação com os regimes fascistas, não apenas no espectro político ('Pacto Ribbentrop-Molotov'), mas também em seu modelo organizacional (totalitarismo, culto ao líder, perseguições políticas, etc.).
O que esteve próximo de comprometer o próprio Estado Soviético e a Revolução, se não fosse as reformas e denúncias de Kruschev.
Legal Pedro. Valeu pelo comentário! Ele abre muitas discussões. Primeiro tem esta questão que você coloca de oposição entre democracia e revolução. Certamente um movimento revolucionário não se pauta pela democracia formal, mas sempre há nestas mobilizações um avanço de consciência. Lênin bem dizia que a consciência da classe trabalhadora numa conjuntura revolucionária avança 20 anos em 20 dias. Veja a Rússia. Antes de fevereiro, um país feudal sob o czarismo. Uma revolução democrática lança mulheres na direção do movimento, coloca líderes judeus numa sociedade profundamente anti-semita como a Rússia dos czares. Então o que quero dizer é que a dimensão libertária dos processos revolucionária fazem avanços de consciência que implicam vitórias "democráticas". Talvez precisaríamos ver o que você entende por democracia para ver se há mais diálogo. Não vejo a democracia como um "valor". Mas veja. Existe uma ENORME briga dentro da esquerda. Há um autor brasileiro do rio Carlos Nelson Coutinho que é marxista e escreveu um livro cuja a tese é do socialismo como democracia. Eu pessoalmente, não vou neste linha, mas preciso apurar mais para dar uma opinião mais consolidada. Mas gostaria de comentar algo sobre a URSS e a questão do stalinismo. Sem dúvida, não reivindico o stalinismo. Na minha opinião o stalinismo e o trotskysmo são dois desvios do leninismo. Talvez correndo o risco de ser pouco materialista, eu diria que a grande tragédia da revolução foi a morte precoce do Lênin. A questão que ele coloca é a do centralismo democrático. Lênin como marxista ortodoxo não pensava em "democracia" como algo abstrato e muito menos como um valor. Nos textos escritos imediatamente após a tomada do poder, questões mínimas e "autoritárias" como a requisição forçada de trigos. Certamente no período de Lênin que opinaram ser autoritário o estado operário mandar destacamentos do exército vermelho para retirar o trigo do camponês à força sob pena de pronto fuzilamento. Agora, não tivessem os comunistas feito esta requisição forçada ("autoritária") e o estado operário teria caído em alguns meses, como a comuna de paris. O que a tradição marxista-leninista coloca é que a ditadura do proletariado é a ditadura da classe operária sobre as antigas classes exploradoras. Não há neste período de transição possibilidade de participação políticos de partidos contra a revolução. Até porque após a revolução seguiu-se uma guerra civil encarniçada que vai até 1921. Os contrarrevolucionários desde os cadetes até os esseristas estavam lutando do outro lado da trincheiro. Certamente isto contraria uma noção comum de "democracia". Mas certamente eram métodos de organização feitos pela classe trabalhadora russa lideradas e animadas pelo partido bolchevique. Houveram manobras diplomáticas sim entre Stalin e os fascistas mas isso foi feito para a URRS ganhar tempo e se preparar para guerra. Foi bom ter comentado pois não falei isso na resenha. Trotsky não foi contra estes acordos justamente pensando o problema enquanto tática militar. E com todos os problemas de Stálin (culto à personalidade, e a perseguição doentia dos adversários políticos), foi o exército vermelho stalinista que esmagou o nazi-fascismo. Não se engane, não foi o dia 4 com a invasão norte-americana na frança o "início da vitória dos aliados". A guerra foi decidida antes, em Stalingrado. Até Churchill, um baita anticomunista, foi obrigado a admitir que depois de stalingrado o exército de Hitler deixava de se "imbatível". O dia D foi uma manobra de contenção diante do avanço das tropas soviéticas desde o leste. Mas enfim, muitas discussões. Gostei da sua intervenção. Um abraço!
Excluir*Dia 4 não, Dia D rsrs
ExcluirNão fez a parte III? no DL temos apenas até a parte 2 só.
ResponderExcluir"Houveram manobras diplomáticas sim entre Stalin e os fascistas mas isso foi feito para a URRS ganhar tempo e se preparar para guerra". Encontrei o blog fazendo uma busca de literatura sobre Trotski. Li alguns posts, confesso que me assustei com a simpatia pelo camarada Stalin. Não há saída para a humanidade fora da democracia, senão será apenas a troca das ditaduras. Isso não melhorará a humanidade, no máximo inverterá, por algum tempo, os papéis de oprimido e opressor. Abs.
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