domingo, 2 de março de 2014

“Várias Histórias“ – Machado de Assis


Resenha livro #106 - “Várias Histórias” – Machado de Assis – Ed. Ática



Tenho em mãos este livro de contos de Machado de Assis. Na capa há uma etiqueta com o meu nome completo e a inscrição “3MA3”, indicando que li estes contos no 3ª colegial do ensino médio, quando tinha 16 anos. Mais de 10 anos se passaram. Esperava uma reação diferente, mais “madura” talvez, a partir de uma nova leitura, tanto tempo depois. Mas a sensação foi antes a de recordação do prazer já obtido ao ler contos como A Cartomante ou a Causa Secreta. O fato é que a literatura de Machado de Assis é bastante acessível (mesmo para um garoto de 16 anos) e nem por isso o texto perde em profundidade, especialmente quando se dedica às análises psicológicas. O poder de extração de sentido a partir de fatos banais ademais é outro traço vivo da literatura de Machado de Assis.
O Mestre do Cosmo Velho foi genial no romance e no conto. Acresce-se que esta coletânea de contos data de 1896, 7 anos depois, portanto do seu magistral “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. E, na verdade, a crítica equipara as “Memórias” com as “Várias Histórias” na medida em que ambas sinalizam um salto de qualidade a partir do qual é possível falar de um jovem Machado de Assis e um Machado de Assis em sua fase de maturidade e plenitude artística.
O que mudou?
Na primeira fase há romances como Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874) e Iaiá Garcia (1878). Já os contos da primeira fase são Contos Fluminenses (1870), Histórias da Meia Noite (1873) ou Histórias sem data (1884). Trata-se aqui do Machado da terceira fase do romantismo da literatura nacional.  Uma fase que na verdade já é uma transição em direção ao realismo. Abandona-se o subjetivismo típico do romantismo anterior, há menor atenção com relação à expressão sentimental particular dos personagens e volta-se a uma perspectiva mais objetiva, no sentido da análise social. Importante relacionar o condoreirismo (outra forma de denominar esta nova fase da literatura) com mudanças importantes na vida política e social do país: a decadência do segundo império, a urbanização relacionada com a importação de novos valores culturais europeus, o advento da republica e a abolição da escravatura.

“Várias Histórias” porém já expressa em sua totalidade as linhas mestras do realismo Machadiano. O realismo é entendido por alguns como expressão artística da pequena-burguesia que nas cidades aparecem na figura do bacharel, do comerciante, do militar, do médico, do político e do advogado. Certamente, figuras bastante presentes nas saborosas histórias de Machado de Assis. Em seus contos, predomina a cidade do Rio de Janeiro, a corte e capital cultural do país no séc. XIX. O realismo volta-se para à análise do cotidiano e os romances, nesse sentido, de Machado de Assis ou Eça De Queiróz, revelam-se documentos singulares para o historiador dos costumes e das ideias de fins do séc. XIX. Em contraponto ao romantismo, abandona-se o idealismo em detrimento de uma narração fiel (realista) das personagens. Evoca-se menos o tom emocional e mais o tom da ironia que, em Machado, tem um sabor particular: a ironia machadiana é frequentemente tragicômica, tem um pingo de alegria e um pingo de melancolia.

Buscando mostrar a sociedade tal como ela se apresenta – sem a idealização romântica – os temas realistas frequentemente incidem sobre a vulnerabilidade do caráter, o adultério, a inveja, o egoísmo, o interesse pecuniário e o triângulo amoroso. Se na tradição romântica ganha destaque a figura de um herói infalível, no realismo engendra-se narrativas que criam maior empatia no leitor, na medida em que a descrição do homem e das relações sociais desde o ponto de vista objetivo – lançando luz sobre as hesitações, as fraquezas e os erros humanos – criam maior identidade entre personagem e leitor.  Duas obras são consideradas como precursoras do realismo na literatura Brasileira dela. Uma delas é as “Memórias” de Machado de Assis. A outra é “O Cortiço” de Aluísio Azevedo, este último com um traço particularmente naturalista, contendo influência de correntes filosóficas em moda no fim do séc. XIX, o positivismo e o cientificismo.  

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