Resenha livro #106 - “Várias Histórias” – Machado de Assis – Ed. Ática
Tenho em mãos este livro de contos de Machado de Assis. Na capa há uma
etiqueta com o meu nome completo e a inscrição “3MA3”, indicando que li estes
contos no 3ª colegial do ensino médio, quando tinha 16 anos. Mais de 10 anos se
passaram. Esperava uma reação diferente, mais “madura” talvez, a partir de uma
nova leitura, tanto tempo depois. Mas a sensação foi antes a de recordação do
prazer já obtido ao ler contos como A Cartomante ou a Causa Secreta. O fato é
que a literatura de Machado de Assis é bastante acessível (mesmo para um garoto
de 16 anos) e nem por isso o texto perde em profundidade, especialmente quando
se dedica às análises psicológicas. O poder de extração de sentido a partir de
fatos banais ademais é outro traço vivo da literatura de Machado de Assis.
O Mestre do Cosmo Velho foi genial no romance e no conto.
Acresce-se que esta coletânea de contos data de 1896, 7 anos depois, portanto
do seu magistral “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. E, na verdade, a crítica
equipara as “Memórias” com as “Várias Histórias” na medida em que ambas
sinalizam um salto de qualidade a partir do qual é possível falar de um jovem
Machado de Assis e um Machado de Assis em sua fase de maturidade e plenitude
artística.
O que mudou?
Na primeira fase há romances como Ressurreição (1872), A Mão e a Luva
(1874) e Iaiá Garcia (1878). Já os contos da primeira fase são Contos
Fluminenses (1870), Histórias da Meia Noite (1873) ou Histórias sem data
(1884). Trata-se aqui do Machado da terceira fase do romantismo da literatura
nacional. Uma fase que na verdade já é
uma transição em direção ao realismo. Abandona-se o subjetivismo típico do
romantismo anterior, há menor atenção com relação à expressão sentimental
particular dos personagens e volta-se a uma perspectiva mais objetiva, no
sentido da análise social. Importante relacionar o condoreirismo (outra forma
de denominar esta nova fase da literatura) com mudanças importantes na vida
política e social do país: a decadência do segundo império, a urbanização
relacionada com a importação de novos valores culturais europeus, o advento da republica
e a abolição da escravatura.
“Várias Histórias” porém já expressa em sua totalidade as linhas
mestras do realismo Machadiano. O realismo é entendido por alguns como
expressão artística da pequena-burguesia que nas cidades aparecem na figura do
bacharel, do comerciante, do militar, do médico, do político e do advogado. Certamente,
figuras bastante presentes nas saborosas histórias de Machado de Assis. Em seus
contos, predomina a cidade do Rio de Janeiro, a corte e capital cultural do
país no séc. XIX. O realismo volta-se para à análise do cotidiano e os
romances, nesse sentido, de Machado de Assis ou Eça De Queiróz, revelam-se
documentos singulares para o historiador dos costumes e das ideias de fins do
séc. XIX. Em contraponto ao romantismo, abandona-se o idealismo em detrimento
de uma narração fiel (realista) das personagens. Evoca-se menos o tom emocional
e mais o tom da ironia que, em Machado, tem um sabor particular: a ironia
machadiana é frequentemente tragicômica, tem um pingo de alegria e um pingo de
melancolia.
Buscando mostrar a sociedade tal como ela se apresenta – sem a
idealização romântica – os temas realistas frequentemente incidem sobre a
vulnerabilidade do caráter, o adultério, a inveja, o egoísmo, o interesse
pecuniário e o triângulo amoroso. Se na tradição romântica ganha destaque a
figura de um herói infalível, no realismo engendra-se narrativas que criam
maior empatia no leitor, na medida em que a descrição do homem e das relações
sociais desde o ponto de vista objetivo – lançando luz sobre as hesitações, as
fraquezas e os erros humanos – criam maior identidade entre personagem e leitor.
Duas obras são consideradas como
precursoras do realismo na literatura Brasileira dela. Uma delas é as “Memórias”
de Machado de Assis. A outra é “O Cortiço” de Aluísio Azevedo, este último com
um traço particularmente naturalista, contendo influência de correntes
filosóficas em moda no fim do séc. XIX, o positivismo e o cientificismo.
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