Resenha Livro #105 - “Trotsky
– o profeta banido – 1929-1940” – Isaac Deutscher
Dividiremos esta resenha
em três partes. Na primeira parte apresentaremos algumas informações sobre o
autor e uma visão panorâmica sobre esta biografia. Na segunda parte há um
destaque sobre a questão das organizações trotskystas e suas dificuldades. A
terceira parte é talvez a menos relevante: ofereço o ponto de vista deste autor
sobre Trótsky e trotskysmo, bem como uma proposta de balanço histórico.
Mas, não nos adiantemos.
Vamos por partes.
Sobre o autor e a obra
Isaac Deutscher nasceu em
1907 na Polônia. Veio de família judia mas ainda durante a idade do bar mitzvah
perdeu sua fé e tornou-se ateu. Publicou sua primeira poesia apenas aos 16 anos
de idade. Na universidade de Krakóvia aderiu ao marxismo e em 1927 ingressou no
então ilegal Partido Comunista Polonês. Em 1931, poucos anos após a morte de
Lênin, visitou a União Soviética onde teve contato, observou e estudou sua
sociedade, economia e política. Esta viagem tocaria o jornalista de tal maneira
que, pouco depois, de volta à Polônia, estava liderando um primeiro movimento
de oposição ao stalinismo: pouco tempo depois foi expulso do partido comunista.
Em 1939, durante a II
Guerra e com a Polônia já ocupada, Deutscher move-se para Inglaterra onde
trabalha como correspondente num jornal judaico-polonês. Lá aderiu ao grupo
trotskysta inglês Revolutionary Workers
League. É importante destacar portanto que Deutscher militou pessoalmente
nas fileiras do trotskysmo, o que, em todo caso, é perceptível em seu texto que
resvala na apologia, ainda que sua biografia seja de alta qualidade quanto à
técnica e à forma.
A trilogia que narra a
vida de Trotsky foi publicada entre 1954 e 1963. Tivemos acesso ao último
volume daquela vasta pesquisa. São quase 600 páginas narrando a vida de Trotsky
entre 1929 (expulsão de URRS e exílio na Turquia) e 1940 (assassinato no
México). Deutscher serve-se de um vasto material (cartas, documentos, atas de
reuniões) que Trótsky vendeu ainda em vida para a Universidade de Harvard.
Vendeu seu arquivo por míseros 15 000,00 dólares, passava por aperto no México e
precisava de dinheiro. Em particular, neste último tombo, ganha destaque a
volumosa correspondência trocada entre Trótsky no exílio e seus simpatizantes
por todo o mundo, pelos EUA, França, além dos campos de concentração na Rússia –
Vorkuta seria aquele que reuniriam os trotskystas.
A perseguição a que esteve
submetido Trotsky e seus seguidores certamente foi brutal. Como ocorre
comumente com figuras expressivas na história, sua vida particular esteve
entrelaçada com sua carreira política, e, especificamente, os dramas políticos
engendrariam graves repercussões na vida pessoal. Seus parentes também foram
alvo de Stálin. Trótsky perdeu um filho (Sergei) e outro (Liova) que Deutscher
apresenta indícios de que teria sido envenenado.
Além dos tormentos
familiares, houve a campanha difamatória a que buscava responder por meio de
jornais dos EUA (o que acabava realçando a crítica de seus adversários quanto à
sua capitulação), além do Boletim da Oposição. Irônicamente, os países que
glosavam acerca de seu espírito “democrático” criaram todo tipo de dificuldade
para o acesso e permanência de Trótsky. A maioria não permitiu sua entrada.
Trótsky saiu da Rússia para uma ilha isolada no mediterrâneo na Turquia. Lá
escreveu as duas obras de maior importância nesta fase final de sua vida. “Minha
Vida”, que é uma autobiografia. E a sua “História da Revolução Russa”.
Depois esteve por algum tempo
na França, impedido de ir à Paris e sempre vigiado pela polícia e agentes
Russos. Depois ficou na Noruega, onde também sofreu pressões tanto da extrema
direita quanto dos setores estalinistas pela sua expulsão do país. E finalmente
foi enviado ao México onde Cárdenas governava e onde foi tratado com cortesia
pelos anfitriões.
Trotsky chegou ao México
em 1937. Em 1938, sob sua orientação, acompanhou a conferência de fundação da
IV Internacional, que era um projeto seu que já vinha sendo esboçado desde o
início dos anos 1930. Aqui é importante situar dois momentos distintos, duas
estratégias distintas que Trótsky defenderá entre 1929 e 1940. Inicialmente,
defende uma reforma por dentro do regime político que purificasse o movimento
russo da burocracia stalinista. A partir de inícios dos anos 1930, com a
ascensão do nazi-fascismo, vai mudando até defender uma revolução política
contra a burocracia soviética bem como a necessidade da construção de uma nova
internacional. O que mudou? Trótsky julgou ser a política stalinista no ocidente
co responsável pela ascensão do fascismo. Tratava-se da denominada política do
terceiro período em que Stálin e os stalinistas equiparavam a social democracia
como inimigos do mesmo peso do fascismo, descartando uma aliança com a esquerda
reformista contra o fascismo. Isso teria sido feito de forma atrasada e a
vitória de Hitler e Mussolini e o perigo do fascismo era, para Trótsky, produto
daquela política equivocada de Stálin e da III Internacional.
Um último e curioso fato.
Como se sabe, no México, Trótsky esteve hospedado na casa do pintor e ativista
político Rivera – com ele e Breton, discutiriam os três sobre arte e lançariam
um manifesto pela constituição de uma internacional dos artistas (que não se
concretizou). De todo modo, Rivera era casado com a artista Frida Khalo, bem
como Trótsky com Nathália. Deutscher chega a insinuar, mas pouco fala sobre o
suposto triângulo amoroso – e não seria por ser um fato secundário já que se
acredita que Trótsky deixou a casa de Rivera e mudou-se para um local alugado
(tendo de vender seu arquivo à Harvard para arcar com os custos) em função da
relação extraconjulgal.
Isaac Deutscher é um
historiador minucioso e busca sinalizar suas fontes dos fatos narrados. Mas
Isaac Deutscher frequentemente cai no tom apologético. Por exemplo quando descreve
o contrajulgamento de Trótsky (irrelevante em termos práticos), afirma ser a
sustentação oral de Trótsky a do mais perfeito promotor de justiça – em que
pese o russo não ter tido formação jurídica.
Destaque
“Os novos adeptos do trotskysmo começavam com a determinação de sacudir
o partido que amavam e fazer com que visse a luz que eles próprios, estudando
os escritos de Trótsky, haviam percebido com entusiasmo. Mas viam-se, sem demora,
cercados em pequenos círculos herméticos, onde tinham de habituar-se a viver
como leprosos nobres num deserto político. Pequenos grupos que não se podem
ligar a nenhum movimento de massas, dentro em pouco se tornam amargos com a
frustração. Por maior que seja sua inteligência e vigor, se não tiverem
aplicação prática para estes talentos, acabarão usando sua força numa luta
escolástica e intensas animosidades pessoais que levam a divisões intermináveis
e anátemas mútuos”.
Escolhemos este destaque
para ilustrar que, em que pese o eventual tom apologético, revela também um
olhar crítico. Em outras passagens não se furta a discordar de Trótsky ou
apontar alguns de seus erros de análise. Quanto aos trotskystas, o que somos
levados a crer é que a formatação das organizações enquanto seitas já datam dos
anos contemporâneos a Trótsky. A pulverização dos trotskystas não deve ser
explicada, é claro, apenas por problemas políticos internos daquela tradição.
Todos os partidos comunistas nacionais estavam via de regra com Stálin contra
Trotsky. Os trotskystas se viam isolados frente à hegemonia ora da
social-democracia ora do stalinismo. Nestas circunstâncias, alijados do contato
direito com a classe trabalhadora e com o seu movimento, o trotskysmo tende a
se degenerar. Trata-se de uma assertiva que decorre da reflexão de Deutscher
ainda que ele seja fiel do começo ao fim do volume às teses gerais do seu
biografado.
Esboço de um balanço sobre Trotsky e trotskysmo
O autor desta resenha
reivindica o ponto de vista do marxismo-leninismo. Marx e Engels fundaram uma
tradição na Economia Política, uma crítica da economia política que redundaria
em revolução em outras áreas do conhecimento – a história, a sociologia e a filosofia.
Marx e Engels fundaram o projeto comunista desde o Manifesto (1948) e estiveram
durante todavia comprometidos de forma militante com este projeto. Lênin é o
dirigente da primeira experiência prática bem sucedida daquele projeto. A
primeira experiência durou apenas 72 dias, foi a Comuna de Paris e Marx
analisou-a. A vitória da revolução russa – quer seja a coloração política do
leitor – é incontestavelmente um fato que marcou e mudou profundamente o séc.
XX. Apenas Lênin, o dirigente daquela revolução, está à altura dos pais do
socialismo científico. Entendemos que Leon Trótsky e o trotskysmo são um desvio
do justo caminho trilhado por Marx, Engels e Lênin. Trótsky esteve a maior
parte da vida politicamente contra Lênin. Apenas aceitou a teoria do partido de
Lênin em 1917, sendo que aquela teoria data de 1902 (O Que Fazer). Aderiu à
revolução russa e dirigiu o exército vermelho, bem como o Soviet de Petrogrado.
Mas já em Brest-Litoviski causou enormes males à revolução ao não seguir a
recomendação de Lênin e assinar a todo custo o tratado de paz. Antes de aderir
ao bolchevismo, havia utilizado palavras duras com relação à Lênin. Chamou-o de
Robespierre o que equivale a jacobino, pequeno-burguês. Lênin nunca demonstrou
afeto a seu novo aliado, olhou para Trótsky com reservas, ainda que
reconhecesse a sua inteligência – em seu testamento final considerou Stálin e
Trótsky como os mais capazes. De todo modo, falta à Trótsky a generosidade e o
espírito de humildade que estão indissociados do igualitarista (e todo
comunista é um igualitarista) e são observados em Lênin. Mesmo nas páginas
apologéticas de Deutscher, ficamos sabendo como Trótsky era injustificadamente
duro com seu filho Liova, seu correspondente político na França durante os anos
de exílio na Turquia. Exigia o impossível do filho, censurava-o amargamente nas
cartas. O temperamento carrancudo de Trótsky parece ter contaminado os seus
seguidores. Quem já militou com trotskystas sabe que, diante das enormes
diferenças entre eles, o que unifica o grupo é a rabugice, a antipatia e a
falta de generosidade dentre seus militantes. Mas este, o temperamento, não é,
é claro, o maior problema. O trotskysmo do PSTU está contra a Revolução Cubana
de 1959, por exemplo. Hoje dizem ter havido total restauração capitalista em Cuba
e com isso justificam frente único com os gusanos de Miami para restaurar a
democracia burguesa e o capitalismo em sua face mais violenta. O trostkysta
comumente não se envergonha de tão ostensivamente fazer frente com o
imperialismo. É assim em Cuba, na Ucrânia e na Síria.
E quanto à Stálin?
Pois, certamente também é Stálin
um desvio da justa linha trilhada pelo marxismo-leninismo. Faltou a Stálin a
grandeza de Lênin que, em vida, jamais permitiria o “culto à personalidade” –
seu ascetismo era tamanho que sequer aceitava presente de trabalhadores e
envergonhado despachava os presentes de volta. As deformações do estado
soviético não nos autorizam em falar em “revolução política” contra a
burocracia em 1939! Esta foi uma política contra-revolucionária e aqueles que
hoje não são fiéis à revolução cubana seguem o mesmo caminho de seu “profeta”.
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