Resenha Livro #102 “Classes
Sociais e Movimento Operário” – Edgar Carone – Ed. Ática
Edgar Carone foi
importante historiador marxista brasileiro, morto em 2003. Foi simpatizante do
PCB e, como historiador, reuniu vasta pesquisa de documentos do partido, além
de entrevistas com importantes dirigentes comunistas, como Astrogildo Pereira
(primeiro secretário-geral do PCB), Leôncio Bausbaum e Luiz Carlos Prestes.
Carone formou-se
e foi professor do curso de História da Universidade de São Paulo, na área de História
do Brasil. Escreveu uma História da República Velha (1889-1930), da República
Nova (1930-37), do Estado Novo (1937-1945) e da República Liberal (1945-1964).
Este trabalho
trata da história política do movimento operário brasileiro, dos seus
antecedentes históricos que remontam ao início da industrialização no Brasil
ainda no séc. XIX, indo até 1930, ou mais especificamente, até a revolução de
outubro de 1930, que colocaria Getúlio Vargas e uma nova fração da classe
dominante (organizada na “Aliança Liberal”) no poder.
Na verdade, o
foco, o objeto do estudo de Carone, neste livro, é algo mais específico que a
nossa classe operária durante a chamada República Velha. O que o historiador
busca iluminar são os momentos mais conscientes do ponto de vista político no
âmbito da gênese de nosso movimento proletário. E como não poderia deixar de
ser, este elemento consciente da classe traduz-se do ponto de vista
organizativo no Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922.
O trabalho está
dividido em três partes.
A primeira parte
é introdutória e oferece o backgound histórico. Aborda-se a co-relação de
forças entre as classes sociais no país, destacando-se a gênese do movimento
operário bem como o desenvolvimento de uma burguesia nacional, ligada à
industrialização a partir de uma relação de subordinação junto ao imperialismo,
primeiro inglês e depois norte-americano. Logicamente, além destas duas classes
e da pequeno-burguesia urbana, há as tradicionais oligarquias, que dominam o
país econômica e politicamente desde o tempo do Império, lançando mão do
controle direto do poder a partir da república (1889).
No que se refere
à classe operária, destaca-se como o Brasil, assim como os demais países
latino-americanos e diferentemente dos países europeus, praticamente não tinha
qualquer lei de amparo ao trabalhador. A atitude do estado frente à questão
operária é eminentemente repressiva: greves e mobilizações são registradas no
Brasil já no séc. XIX e inícios dos XX, sendo reprimidas pela polícia e
contanto com a expulsão do imigrante europeu, responsabilizado por trazer ao
país “ideias subversivas”. Outrossim, a
título de comparação, vale mencionar as datas leis sociais nos países: criação
do ministério do trabalho, Brasil (1930), Argentina (1907) e Inglaterra (1887).
Lei de Acidente de trabalho: Brasil (1919), Peru (1906) e Áustria (1887). Previdência
Social Alemanha (1883) e Uruguai (1915).
A segunda parte
do texto denomina-se “Os anos 20: o PCB (1ª fase, A consolidação, 1922-1925)”.
Como se sabe o partido comunista brasileiro foi fundado em 1922 já algum tempo
depois do partido comunista argentino (1919). O que pouco se sabe é que já
havia no país alguns pequenos núcleos de inspiração socialista e
revolucionária, havendo uma tentativa mal sucedida de formação de um partido
comunista ainda em 1919. O elemento decisivo que irá contribuir para o esforço
de organização partidária virá de fora: a experiência da revolução russa em
1917 faria com que muitos aderissem ao comunismo. É o caso do primeiro
secretário geral Astrogildo Pereira, que veio das fileiras
anarcossindicalistas, assim como muitos outros que viriam a conformar o PCB.
Pode-se
delimitar bem três grandes tendências dentro do movimento operário brasileiro
durante os primeiros 20 anos do séc. XX. Há as tendências anarcossindicalistas
ou simplesmente sindicalistas, que derivam das ideias libertárias trazidas
pelos imigrantes italianos e espanhóis. Com importante presença no início de
nosso movimento, os anarquistas vão perdendo espaço ao longo dos anos 1920 até
praticamente desaparecerem enquanto corrente expressiva do operariado em 1930.
Outra vertente é a dos chamados sindicatos amarelos, de matriz reformista,
quando não patronal, ou católicos. Alguns agrupamentos são criações da própria
oligarquia para dividir e enfraquecer os trabalhadores. Estes sindicalistas “amarelos”
serviam como meio de manobra das classes burguesas, como durante a “participação”
de sindicalistas pelegos nos fóruns do BIT, órgão criado pela Liga das Nações
para iniciar movimento de regulamentação do trabalho, não como forma de
emancipá-lo, mas de controlá-lo e contê-lo em sua força de mobilização. A
participação neste fórum foi duramente combatida pelo PCB denunciando o caráter
imperialista daquela associação internacional.
A terceira parte
trata da 2ª fase de vida do PCB (1925-27). Pode-se dizer que entre 1920-30, em
que pesem alguns “rachas”, o PCB permanentemente cresce em tamanho e
importância. Certamente foi uma tarefa árdua a dos pioneiros do comunismo
brasileiro. Com a lei Celerada (1927) há uma intensa perseguição aos comunistas
e aos operários, restringindo o direito de associação e de expressão. Na
verdade já antes no governo Arthur Bernardes,
marcado pelo estado de sítio, a perseguição aos comunistas implicava em
prisões de dirigentes, fechamento dos jornais e enormes dificuldades de
organização.
Um outro problema
que os comunistas terão de lidar a partir de 1922 e 1924 é com as revoltas
tenentistas.
Os comunistas viam aquele movimento dos tenentes como uma fração
revolucionária da pequeno-burguesia. Os tenentes não tinham uma plataforma
única e coesa e as diferenças políticas entre as próprias lideranças (entre,
por exemplo, um Juarez Távora e um Luiz Carlos Prestes) apenas ficaria evidente
posteriormente, no exílio. De toda forma, tratava-se de um movimento
eminentemente militar, mais especificamente ligado aos estratos de baixa
patente, que lutava pela moralização da política, pelo voto secreto, contra as
manipulações fraudulentas das eleições. Posteriormente, uma tendência mais
socialista seria observada em torno de Luiz Carlos Prestes que paulatinamente
vai entrando em contato com ideias de esquerda e marxistas no exílio –
Astrogildo Pereira e Leôncio Bausbaum, ambos dirigentes do PCB, viajaram ao
exterior para discutir política com o “Cavaleiro da Esperança”. Em 1929 os
comunistas chegariam a oferecer o posto de candidato à presidente da república
pelo PCB a Prestes, convite não aceito por Prestes uma vez que este ainda se
via obrigado a se centralizar junto aos seus companheiros tenentistas. Será
porém breve esta hesitação: muitos ex-tenentes se envolvem na Aliança Liberal
que nada mais era do que uma fração oposicionista da mesma oligarquia que
comandava o país. Isso provoca o rompimento de Prestes com muitos de seus
antigos companheiros.
Finalmente, a
terceira e última fase do partido comunista brasileiro é que vai de 1927 a
1930. Uma versão muito difundida na historiografia é a de que o PCB bem como os
demais PCs latino americanos nada mais foram do que linhas de transmissão de
uma política definida em Moscou pela Internacional Comunista (ou III
Internacional). Edgar Carone mostra como se trata aqui de uma meia verdade. Na
verdade, entre 1922 e 1927, há uma relativa autonomia programática do PCB, em
que pese a observância das linhas mestras delineadas pela IC. Será entretanto a
partir de 1927, com o recrudescimento do stalinismo, que a Internacional, por
meio do seu Bureau para América Latina, não só buscará controlar mais
diretamente os PCs como, no caso do Brasil, este seria alvo de importantes
críticas – que provocariam a defecção de sua direção entre 1930-34.
Será a partir do
6º Congresso da IC que haverá um giro “obreirista” e a definição de uma nova
política, antes baseada na ideia de frente ampla anti-fascista, agora baseada
no esquema “classe contra classe” com fortes denúncias da social-democracia
reformista.
No que se refere
à experiência brasileira, as críticas da IC se dão em torno do Bloco
Operário-Campones, que deveria ser coordenado e dirigido pelos comunistas, mas
que, no Brasil, abria espaço para oportunistas, diminuía a importância do
partido, além de ressaltar exclusivamente o trabalho eleitoral. O “obreirismo”
recomendava a conformação de uma direção comunista efetivamente proletária
enquanto se sabia que no Brasil eram intelectuais pequeno-burgueses que dirigiam
os trabalhos. Esta crise iria perdurar
no PCB até 1934. Entretanto, Carone encerra sua análise em 1930.
O que é certo é
que a história do movimento proletário brasileiro confunde-se com a história de
nosso movimento comunista, pelo menos nas suas origens históricas – afinal,
infelizmente, hoje a história do movimento organizado dos trabalhadores é a
história do peleguismo cutista e da força sindical, cabendo aos comunista
relevância secundária. Sintomaticamente, porém, combinam-se a história do
movimento comunista brasileiro e de nosso movimento proletário, sendo a fração
comunista aquela que, já no início do séc. XX, tinha uma visão mais apurada
sobre a sociedade brasileira, sobre a economia capitalista e a luta entre as
classes. Esta falta de visão social de mundo que tanto faltou aos tenentes era
parcialmente suprida pelo PCB.
teria esse livro em pdf ?
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