quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

“Classes Sociais e Movimento Operário” – Edgar Carone


Resenha Livro #102 “Classes Sociais e Movimento Operário” – Edgar Carone – Ed. Ática



Edgar Carone foi importante historiador marxista brasileiro, morto em 2003. Foi simpatizante do PCB e, como historiador, reuniu vasta pesquisa de documentos do partido, além de entrevistas com importantes dirigentes comunistas, como Astrogildo Pereira (primeiro secretário-geral do PCB), Leôncio Bausbaum e Luiz Carlos Prestes.

Carone formou-se e foi professor do curso de História da Universidade de São Paulo, na área de História do Brasil. Escreveu uma História da República Velha (1889-1930), da República Nova (1930-37), do Estado Novo (1937-1945) e da República Liberal (1945-1964).

Este trabalho trata da história política do movimento operário brasileiro, dos seus antecedentes históricos que remontam ao início da industrialização no Brasil ainda no séc. XIX, indo até 1930, ou mais especificamente, até a revolução de outubro de 1930, que colocaria Getúlio Vargas e uma nova fração da classe dominante (organizada na “Aliança Liberal”) no poder.

Na verdade, o foco, o objeto do estudo de Carone, neste livro, é algo mais específico que a nossa classe operária durante a chamada República Velha. O que o historiador busca iluminar são os momentos mais conscientes do ponto de vista político no âmbito da gênese de nosso movimento proletário. E como não poderia deixar de ser, este elemento consciente da classe traduz-se do ponto de vista organizativo no Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922.

O trabalho está dividido em três partes.

A primeira parte é introdutória e oferece o backgound histórico. Aborda-se a co-relação de forças entre as classes sociais no país, destacando-se a gênese do movimento operário bem como o desenvolvimento de uma burguesia nacional, ligada à industrialização a partir de uma relação de subordinação junto ao imperialismo, primeiro inglês e depois norte-americano. Logicamente, além destas duas classes e da pequeno-burguesia urbana, há as tradicionais oligarquias, que dominam o país econômica e politicamente desde o tempo do Império, lançando mão do controle direto do poder a partir da república (1889).

No que se refere à classe operária, destaca-se como o Brasil, assim como os demais países latino-americanos e diferentemente dos países europeus, praticamente não tinha qualquer lei de amparo ao trabalhador. A atitude do estado frente à questão operária é eminentemente repressiva: greves e mobilizações são registradas no Brasil já no séc. XIX e inícios dos XX, sendo reprimidas pela polícia e contanto com a expulsão do imigrante europeu, responsabilizado por trazer ao país “ideias subversivas”.  Outrossim, a título de comparação, vale mencionar as datas leis sociais nos países: criação do ministério do trabalho, Brasil (1930), Argentina (1907) e Inglaterra (1887). Lei de Acidente de trabalho: Brasil (1919), Peru (1906) e Áustria (1887). Previdência Social Alemanha (1883) e Uruguai (1915).

A segunda parte do texto denomina-se “Os anos 20: o PCB (1ª fase, A consolidação, 1922-1925)”. Como se sabe o partido comunista brasileiro foi fundado em 1922 já algum tempo depois do partido comunista argentino (1919). O que pouco se sabe é que já havia no país alguns pequenos núcleos de inspiração socialista e revolucionária, havendo uma tentativa mal sucedida de formação de um partido comunista ainda em 1919. O elemento decisivo que irá contribuir para o esforço de organização partidária virá de fora: a experiência da revolução russa em 1917 faria com que muitos aderissem ao comunismo. É o caso do primeiro secretário geral Astrogildo Pereira, que veio das fileiras anarcossindicalistas, assim como muitos outros que viriam a conformar o PCB.

Pode-se delimitar bem três grandes tendências dentro do movimento operário brasileiro durante os primeiros 20 anos do séc. XX. Há as tendências anarcossindicalistas ou simplesmente sindicalistas, que derivam das ideias libertárias trazidas pelos imigrantes italianos e espanhóis. Com importante presença no início de nosso movimento, os anarquistas vão perdendo espaço ao longo dos anos 1920 até praticamente desaparecerem enquanto corrente expressiva do operariado em 1930. Outra vertente é a dos chamados sindicatos amarelos, de matriz reformista, quando não patronal, ou católicos. Alguns agrupamentos são criações da própria oligarquia para dividir e enfraquecer os trabalhadores. Estes sindicalistas “amarelos” serviam como meio de manobra das classes burguesas, como durante a “participação” de sindicalistas pelegos nos fóruns do BIT, órgão criado pela Liga das Nações para iniciar movimento de regulamentação do trabalho, não como forma de emancipá-lo, mas de controlá-lo e contê-lo em sua força de mobilização. A participação neste fórum foi duramente combatida pelo PCB denunciando o caráter imperialista daquela associação internacional.

A terceira parte trata da 2ª fase de vida do PCB (1925-27). Pode-se dizer que entre 1920-30, em que pesem alguns “rachas”, o PCB permanentemente cresce em tamanho e importância. Certamente foi uma tarefa árdua a dos pioneiros do comunismo brasileiro. Com a lei Celerada (1927) há uma intensa perseguição aos comunistas e aos operários, restringindo o direito de associação e de expressão. Na verdade já antes no governo Arthur Bernardes,  marcado pelo estado de sítio, a perseguição aos comunistas implicava em prisões de dirigentes, fechamento dos jornais e enormes dificuldades de organização.

Um outro problema que os comunistas terão de lidar a partir de 1922 e 1924 é com as revoltas tenentistas. 

Os comunistas viam aquele movimento dos tenentes como uma fração revolucionária da pequeno-burguesia. Os tenentes não tinham uma plataforma única e coesa e as diferenças políticas entre as próprias lideranças (entre, por exemplo, um Juarez Távora e um Luiz Carlos Prestes) apenas ficaria evidente posteriormente, no exílio. De toda forma, tratava-se de um movimento eminentemente militar, mais especificamente ligado aos estratos de baixa patente, que lutava pela moralização da política, pelo voto secreto, contra as manipulações fraudulentas das eleições. Posteriormente, uma tendência mais socialista seria observada em torno de Luiz Carlos Prestes que paulatinamente vai entrando em contato com ideias de esquerda e marxistas no exílio – Astrogildo Pereira e Leôncio Bausbaum, ambos dirigentes do PCB, viajaram ao exterior para discutir política com o “Cavaleiro da Esperança”. Em 1929 os comunistas chegariam a oferecer o posto de candidato à presidente da república pelo PCB a Prestes, convite não aceito por Prestes uma vez que este ainda se via obrigado a se centralizar junto aos seus companheiros tenentistas. Será porém breve esta hesitação: muitos ex-tenentes se envolvem na Aliança Liberal que nada mais era do que uma fração oposicionista da mesma oligarquia que comandava o país. Isso provoca o rompimento de Prestes com muitos de seus antigos companheiros.

Finalmente, a terceira e última fase do partido comunista brasileiro é que vai de 1927 a 1930. Uma versão muito difundida na historiografia é a de que o PCB bem como os demais PCs latino americanos nada mais foram do que linhas de transmissão de uma política definida em Moscou pela Internacional Comunista (ou III Internacional). Edgar Carone mostra como se trata aqui de uma meia verdade. Na verdade, entre 1922 e 1927, há uma relativa autonomia programática do PCB, em que pese a observância das linhas mestras delineadas pela IC. Será entretanto a partir de 1927, com o recrudescimento do stalinismo, que a Internacional, por meio do seu Bureau para América Latina, não só buscará controlar mais diretamente os PCs como, no caso do Brasil, este seria alvo de importantes críticas – que provocariam a defecção de sua direção entre 1930-34.

Será a partir do 6º Congresso da IC que haverá um giro “obreirista” e a definição de uma nova política, antes baseada na ideia de frente ampla anti-fascista, agora baseada no esquema “classe contra classe” com fortes denúncias da social-democracia reformista.

No que se refere à experiência brasileira, as críticas da IC se dão em torno do Bloco Operário-Campones, que deveria ser coordenado e dirigido pelos comunistas, mas que, no Brasil, abria espaço para oportunistas, diminuía a importância do partido, além de ressaltar exclusivamente o trabalho eleitoral. O “obreirismo” recomendava a conformação de uma direção comunista efetivamente proletária enquanto se sabia que no Brasil eram intelectuais pequeno-burgueses que dirigiam os trabalhos.  Esta crise iria perdurar no PCB até 1934. Entretanto, Carone encerra sua análise em 1930.


O que é certo é que a história do movimento proletário brasileiro confunde-se com a história de nosso movimento comunista, pelo menos nas suas origens históricas – afinal, infelizmente, hoje a história do movimento organizado dos trabalhadores é a história do peleguismo cutista e da força sindical, cabendo aos comunista relevância secundária. Sintomaticamente, porém, combinam-se a história do movimento comunista brasileiro e de nosso movimento proletário, sendo a fração comunista aquela que, já no início do séc. XX, tinha uma visão mais apurada sobre a sociedade brasileira, sobre a economia capitalista e a luta entre as classes. Esta falta de visão social de mundo que tanto faltou aos tenentes era parcialmente suprida pelo PCB.    


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