quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

“Formação do Brasil Contemporâneo” – Caio Prado Júnior

Resenha livro #103 “Formação do Brasil Contemporâneo” – Caio Prado Jr. – Ed. Brasiliense



“Pessoalmente, só compreendi perfeitamente as descrições que Eschwege, Mawe e outros fazem da mineração em Minas Gerais depois que lá estive e examinei de visu os processos empregados e que continuam, na quase totalidade dos casos, exatamente os mesmos. Uma viagem pelo Brasil é muitas vezes, como nesta e tantas outras instâncias, uma incursão pela história de um século e mais para trás. Disse-me certa vez um professor estrangeiro que invejava os historiadores brasileiros que podiam assistir pessoalmente às cenas vivas do seu passado”.

A primeira edição de Formação do Brasil Contemporânea data de 1942. Originalmente, tratava-se de um primeiro volume de uma história do Brasil que partisse das nossas raízes coloniais ao momento “contemporâneo”. Infelizmente, todo o projeto não chegou a ser executado ainda que esta formação tenha ficado para a historiografia brasileira como uma das mais importantes obras acerca do Brasil colônia.

A abordagem das diversas facetas daquela história (o povoamento, as raças, a economia, o comércio, as vias de comunicação, etc.) terá sempre como ponto de partida a história que vai do descobrimento até fins do séc. XVIII e início do XIX, alguns anos antes da independência (1822). O que o historiador constata após exaustiva pesquisa sobre nossa economia, sociedade e instituições políticas é que o Brasil do início dos XIX expressa uma verdadeira síntese dos 3 séculos anteriores. Mais, o Brasil que Caio Prado enxerga em seus dias, o “Brasil Contemporâneo”, em muito ainda revela daquela realidade colonial, em particular naquilo de que mais essencial consistiu a nossa colonização, qual seja, a conformação de uma economia dependente, inteiramente voltada (e subordinada) aos centros metropolitanos – mais recentemente, utilizar-se-ia o termo imperialismo, significando de todo jeito aquela vinculação e dependência da nossa economia aos mercados estrangeiros consumidores de matérias –prima, produtos agrícolas (no Brasil em destaque o açúcar e o algodão) e os metais preciosos.

Para todos os efeitos, uma primeira e decisiva questão que surge ao leitor desta formação do Brasil implica na atualidade ou não das teses discutidas por Caio Prado. O historiador é muito minucioso e busca encarar nossa história (como não poderia deixar de ser) contemplando seu caráter multifacetado, ainda que delineando alguns elementos comuns – estes denominados como “sentido da nossa colonização”. O sentido da colonização brasileira diverge da experiência norte-americana e as duas histórias são comparadas justamente para realçar as especificidades de cada processo histórico. Os colonos das zonas temperadas buscavam territórios com condições parecidas com a europeia – muitos vinham em função de perseguições religiosas e instalaram, em todo caso, uma colônia de povoamento. Ora, o mesmo não ocorre nos trópicos. O perfil do colonizador aqui é menos a do grupo familiar e mais a do aventureiro, menos a do povoador de um novo mundo e mais a de um explorador em busca de rápido retorno financeiro.

“O sentido da colonização” volta-se ao atendimento dos interesses comercais portugueses e é com base neste comércio – já antes explorado pelos lusitanos nas índias – que se conformará toda estrutura social, política, administrativa, etc. A colônia nada mais é do que uma empresa comercial destinada exclusivamente à grande exportação. Como um “resquício” deste passado colonial, enxerga-se a ausência de preocupação pela metrópole em desenvolver internamente sua colônia. No máximo surge a preocupação de algum povoamento que garanta o domínio lusitano, em risco já no séc. XVI pelos franceses.

O trabalho segue o seguinte esquema. No capítulo “Povoamento”, discute-se o processo de ocupação do território – predominante, conforme o arranjo econômico colonial, no litoral. É no litoral onde estão os portos por onde sairão o pau-brasil, o açúcar, o algodão, o cacau, a prata e o ouro. E o açúcar – primeira forma de exploração extensiva do território – casava-se com o solo e o clima do litoral nordestino. O povoamento do interior apresenta como principais propulsores o cultivo do gado – que se alastra pelo interior nordestino seguindo a trajetória dos rios e posteriormente o sul – e a mineração. Certamente, a intervenção dos bandeirantes bem como as missões religiosas abriram novos caminhos e também são fatores que engendram o povoamento interior.

No capítulo da “Vida Material”, Caio Prado Júnior serve-se de vasta documentação (relatos de viajantes, cartas de governadores de provinciais, algumas estimativas estatísticas, etc.) para discorrer exaustivamente sobre nossa economia (a grande lavoura com uma importância maior e a pequena agricultura de subsistência, com importância bem menor e inteiramente dependente da primeira). Estuda-se a mineração, a pecuária e as produções extrativas: estas últimas são as que predominam no norte, contando com o apoio do indígena. Há finalmente capítulos sobre artes e indústrias, que eram muitíssimo pouco desenvolvidas no país, tanto as técnicas na agricultura que reproduziam as práticas de três séculos, quanto na mineração, também efetivada sem qualquer conhecimento técnico. Isso para não falar da virtual falta de escolas, universidades e, consequentemente, de gente na administração com competência específica para solucionar enormes desafios ligados a um país de vasta extensão e de dificílima comunicação interna.

Finalmente, em “Vida Social”, discute-se nossa organização social – da qual o trabalho escravo é o elemento essencial e a base sobre a qual se enceta algumas características particulares, como o horror ao trabalho, visto como coisa de escravo negro. (E aqui temos mais uma diferença com as colônias de povoamento, ao menos, do norte dos atuais EUA, onde predomina o trabalho livre).

Discute-se nossa administração interna, marcada por um emaranhado de leis, muitas vezes contraditórias e sem uma coerência dentre as normas. Havia mesmo dificuldade de engajar pessoas para as tarefas da administração que se confundiam na figura de juízes não togados, governadores (em geral, os donos dos latifúndios), membros do fisco real. Com estas condições, grassava no país a corrupção na administração, o que é reiterado mais de uma vez pelos viajantes que por aqui passaram. Importante destacar o papel da Igreja que foi, na colônia, como uma parte da administração. Ou seja, as tarefas administrativas eram delegadas também aos membros do clero até porque eram eles os poucos que tinham alguma escolaridade.

“Formação do Brasil Contemporâneo” é uma radiografia exaustiva e profunda de nosso passado colonial. A tese defendida pelo autor é a de que o Brasil do passado ainda é o Brasil do presente, ao menos em aspectos fundamentais, como no que se refere à dependência econômica ou na corrupção administrativa. Se podemos localizar em alguns aspectos maiores ou menores avanços – como no que se refere ao desenvolvimento das comunicações e da integração do território nacional – fica a sensação de que o “sentido da colonização” ainda permanece vivo no Brasil do séc. XXI, um país semi-periférico do capitalismo, com importante pauta de exportação de commodities e dependente dos grandes centros financeiro do capitalismo globalizado. 

Infelizmente, “Formação do Brasil Contemporâneo” ainda é um livro atual.        

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