Resenha Livro #101 “O Avesso do Trabalho” – Ricardo Antunes e Maria
Moraes Silva (Orgs.) – Ed. Expressão Popular
O Avesso do Trabalho é o 1º de três volumes publicados pela Ed.
Expressão Popular referentes ao mundo do trabalho no Brasil. Esta primeira edição
teve como organizadores o prof. da Unicamp Ricardo Antunes e a profª Maria
Aparecida Silva, docente da Unesp/Araraquara.
O fio condutor que perpassa todos os artigos refere-se à nova
morfologia do mundo do trabalho re-desenhada a partir de uma série de fenômenos
sócio-econômicos no capitalismo mundial, a partir da década de 1970. Chama-se
este fenômeno de reestruturação produtiva do capitalismo, marcado pela “acumulação
flexível” (Harvey), corespondendo a um novo alinhamento técnico-institucional
tanto das empresas quanto da organização do trabalho.
A reestruturação produtiva capitalista tem como ponto de partida o
início de uma crise estrutural no sistema: seu marco é a 1ª crise mundial do
petróleo em 1973. Esta crise estrutural, segundo autores como Mézaros e o
próprio Ricardo Antunes, ainda mostra-se presente nos dias de hoje. Sua marca
decisiva é o definhamento do Estado de Bem Estar Social do pós-guerra, a
desregulamentação da economia, as privatizações e a emergência (também em nível
mundial) do neoliberalismo.
No que se refere especificamente ao mundo do trabalho, a
reestruturação produtiva introduz novas tecnologias (informáticas, telemáticas
e comunicacionais) que promovem importantes alterações na organização e divisão
do trabalho.
O tradicional modelo fordista marcado pela grande produção, a massiva
concentração operária e a realização de trabalhos repetitivos – modelo muito
bem ilustrado no filme “Tempos Modernos” de C. Chaplin – vai sendo transformado
em direção ao novo modelo japonês (toyotismo). Na nova morfologia do trabalho,
ao contrário do esquema fordista, a quantidade de trabalhadores na fábrica não
é mais um indício de grandeza e força econômica das empresas – há a redução da
força de trabalho e maior concentração de tarefas, aumentando a produtividade e
intensificando o trabalho.
Trata-se agora de reduzir custos, diante da acirrada competição entre
os capitalistas, dada a mundialização econômica. A produção de mercadorias em
massa é transformada no modelo “Just in time”, em que a produção é limitada
pelas oscilações do mercado. A introdução de novas máquinas e tecnologias
implica na redução dos postos de trabalho e no desemprego estrutural. Ao invés
de uma única tarefa repetitiva, os trabalhadores são forçados a executar cada
vez mais tarefas: exige-se maior produtividade de cada trabalhador e este
fenômeno é observado de forma geral nos mais distintos ramos da economia, da indústria
calçadista ao trabalho dos bancários.
Este primeiro volume apresenta oito ensaios distintos, cada um analisando
um aspecto do multifacetado fenômeno da reestruturação produtiva e em
particular do novo arranjo organizativo do trabalho.
Maria Aparecida Moraes Silva faz uma análise dos trabalhadores
ultra-precarizados dos canaviais paulistas – sua pesquisa de campo voltou-se às
condições dos trabalhadores dos canaviais de Ribeirão Preto (SP). Trata-se de
uma das mais ricas cidades do interior paulista. E ainda assim, em plenos anos
2000, são denunciados trabalhos equiparados ao trabalho escravo: a mão de obra
é recrutada das regiões mais pobres do país, como o Vale do Jequitinhonha no
norte de Minas Gerais. As condições de alojamento são ultra-precárias,
alimentação reduzida e os patrões se servem do endividamento dos trabalhadores
para controlar esta mão de obra. A mídia noticiou o uso de crack por estes
trabalhadores, indício da precarização do trabalho e da vida. O trabalho é
extenuante e todo ele é feito na informalidade, contando inclusive com a
participação de crianças. Certamente, esta imagem contrasta bastante com o que
é propagado acerca do agronegócio pela mídia patronal. O fato é que novas
tecnologias e pesquisas agroindustriais de ponta estão associadas às formas
mais arcaicas e brutais de exploração da mão de obra.
Outro ensaio abordará o problema da indústria de calçados de couro de
Franca (SP), também, aqui, sinalizando a co-existência de modernidade e atraso,
novas tecnologias de produção e recrudescimento de formas antigas de
super-exploração, como o trabalho de mulheres e crianças no domicílio. Há um
interessante estudo acerca dos brasileiros que migram ao Japão para lá
trabalhar nos mais precários trabalhos na indústria automobilística. Há estudo
sobre o trabalho bancário e sua nova morfologia diante das transformações no
mundo financeiro com o neoliberalismo – em especial a privatização dos bancos.
Há também um estudo bastante interessante desde o ponto de vista da sociologia
do trabalho acerca do trabalho dos caminhoneiros. Esta análise implica, entre
outros, na discussão sobre a divisão sexual do trabalho e as dificuldades das
mulheres atuarem num ramo ainda muito associado à figura do homem – a ponto de
encomendadores rejeitarem o serviço de uma caminhoneira pelo fato de ser mulher.
O último ensaio “Qualidade Total e Informática: a constituição do novo
“homem-máquina” de Simone Wolf volta-se menos à análise específica de alguma
realidade do trabalho e faz uma análise crítica sobre os suportes ideológicos
que sustentam a nova configuração do trabalho. A importância aqui reside em
sinalizar como devem os trabalhadores resistir diante de uma nova
reconfiguração do trabalho marcada pela cooptação e pressão no sentido do
trabalhador assimilar e reproduzir os valores e interesses dos patrões. O que
se percebe é que por de trás de projetos de “participação” dos operários na
organização da produção, o que está por trás de tal movimento é menos um
esforço em “democratizar” a empresa e mais aumentar a exploração fazendo com
que o trabalhador assuma mais responsabilidades (e mais trabalho), além de
haver um claro escopo ideológico no sentido de atenuar as tensões e
antagonismos de classe. Certamente, a resistência a esta situação deve passar
pela esfera subjetiva, e é papel dos sindicatos e ativistas fazerem a crítica a
sistemas produtivos precarizantes como PQT (programa de qualidade total).
De outra monta, a reestruturação produtiva se apoia no desemprego estrutural
para pressionar e disciplinar a força de trabalho. A redução da mão e obra e a
intensificação das jornadas de trabalho estão associadas com este novo desenho
institucional das empresas engendrados pela mundialização do capital. Mais do
que nunca, passa a ser necessário voltar os olhos tanto para as fábricas quanto
para os enormes contingentes de “excluídos” que cumprem o papel de “exército de
reserva” do capital.
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