Machado de Assis foi da espécie rara de escritores brasileiros que
galgou reconhecimento literário ainda em vida. E, no caso de Machado, tal
reconhecimento seria particularmente especial e atípico. O escritor nasceu em
1839 no subúrbio do Rio de Janeiro. Mulado e neto de escravo alforriado, além
de gago, alcançaria o prestígio nas letras, vencendo os enormes preconceitos
raciais da sociedade do segundo império.
Em 1855 publica seu primeiro trabalho, a poesia “A Palmeira” na “Marmota
Fluminense” e a partir de 1858 inicia
intensa colaboração em jornais e revistas da capital. E cerca de 40 anos
depois, em 1897, seria eleito presidente da Academia Brasileira de Letras. O
que ocorre ao longo destes 40 anos? Certamente, não há uma virada brusca em
direção ao sucesso, mas antes um longo processos de amadurecimento e criação de
um estilo próprio, peculiar.
A crítica costuma, todavia, dividir a obra machadiana em duas fases. A
primeira fase aproxima-se no estilo dos traços do romantismo, mais
especificamente, do romantismo em sua 3ª fase. Rompendo com a linha byronista
da qual Álvares Azevedo foi o mais conhecido representante, o novo romantismo volta-se
para a análise social, para a descrição das sociedades burguesas da qual a
França de fins do séc. XIX seria um importante modelo. A segunda fase, a fase “madura”
de Machado de Assis, avança do romantismo em sua fase social para o realismo,
propriamente. No romance, o ponto de virada encontra-se em “Memórias Póstumas
de Brás Cubas” (1881), um trabalho original e até experimental para os padrões
da época. A partir daqui tem-se o Machado de Assis em sua plena maturidade,
revelando-se sua arguta análise psicológica das personagens, as sondagens da
alma feminina, a ironia sutil, o humor pessimista, a temática do adultério e
recursos particularmente machadianos, como os “fashbacks” e a prática de dialogar diretamente com o leitor de
modo que o narrador, em Machado de Assis, não se oculta diante dos fatos
narrados, ainda que a objetividade realista (em contraponto ao subjetivismo
romântico) ainda se faça presente.
“Quincas Borba” foi publicado em 1891 e insere-se na chamada fase
madura do autor. Dentro deste grupo também estão “Dom Casmurro” (1899) e “Essaú
e Jacó” (1904).
Machado de Assis foi também importante cronista e contista. As suas
histórias oferecem um desenho da sociedade do segundo Império, em particular a
sociedade burguesa e urbana, repleta de bacharéis, médicos, políticos, militares,
comerciantes, capitalistas, sinhás e escravos. “Papeis Avulsos” (1882) é
considerado pela crítica como um divisor equivalente (para os contos) ao “Memórias
Póstumas de Brás Cubas”. É desta compilação de contos o “Alienista”, história
que tem como tema central a loucura e que seria retomada em “Quincas Borba”.
A história trágica de Rubião, que de herdeiro universal de um amigo
rico e milionário de Barbacena, termina abandonado pelos amigos e conhecidos à
medida que se exaure sua riqueza e a sua consciência, história bem ao gosto
machadiano, que confunde o riso e o choro, é uma história trágica e cômica.
Ressalta-se sempre a motivação pecuniária e o interesse material como elementos
constituintes das relações sociais: este é o eixo da crítica de costumes. A
crítica da sociedade burguesa, a hipocrisia do matrimônio que esconde dentro de
si múltiplas formas de traição, real ou imaginária, todos estes elementos se
fazem presentes em “Quincas Borba”.
O capitalista Palha externa ao máximo aquela tendência egoísta do
homem: quando lhe convém, trata o rico Rubião com cortesia e tira proveito ao
máximo dos bens do amigo. Chega mesmo a olvidar o assédio de Rubião junto a sua
esposa Sofia, desde que aquele interesse (pecuniário) o levasse a manter bom
termo junto ao amigo. À medida que o dinheiro vai se acabando e Rubião vai
dando mostras de perder o juízo, sua ruína vai se revelar em primeiro lugar
pelo abandono de Palha, e dos demais amigos dos dias de fartura. O único que
lhe resta é o cão, único ser vivo efetivamente fiel na história – ou, além do
Cão, o finado Quincas Borbas, que morreu demente.
O que resta de interessante a realçar é o fato de Machado de Assis não
revelar sua maestria a partir de histórias cujo enredo impressionam pela
imprevisibilidade, pela intensidade dos conflitos, pelas reviravoltas. Há algo
de previsível na narrativa machadiana, o que não afasta sempre o interesse do leitor.
Ocorre que é da banalidade que Machado extrai suas melhores reflexões e tiradas
filosóficas. Basta aqui pensar na história banal e medíocre de Brás Cubas, o
que não deixou de engendrar um dos mais belos capítulos de nosso romance.
Quem resume bem tal atitude é o poeta Carlos Drummond de Andrade num
poema dirigido ao mestre do Cosme Velho:
“Olhas para a guerra, o murro, a facada
Como simples quebra da monotonia universal”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário