terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

“Quincas Borba” – Machado de Assis

Resenha livro #104 - “Quincas Borba” – Machado de Assis – Ed. Ática



Machado de Assis foi da espécie rara de escritores brasileiros que galgou reconhecimento literário ainda em vida. E, no caso de Machado, tal reconhecimento seria particularmente especial e atípico. O escritor nasceu em 1839 no subúrbio do Rio de Janeiro. Mulado e neto de escravo alforriado, além de gago, alcançaria o prestígio nas letras, vencendo os enormes preconceitos raciais da sociedade do segundo império.

Em 1855 publica seu primeiro trabalho, a poesia “A Palmeira” na “Marmota Fluminense”  e a partir de 1858 inicia intensa colaboração em jornais e revistas da capital. E cerca de 40 anos depois, em 1897, seria eleito presidente da Academia Brasileira de Letras. O que ocorre ao longo destes 40 anos? Certamente, não há uma virada brusca em direção ao sucesso, mas antes um longo processos de amadurecimento e criação de um estilo próprio, peculiar.

A crítica costuma, todavia, dividir a obra machadiana em duas fases. A primeira fase aproxima-se no estilo dos traços do romantismo, mais especificamente, do romantismo em sua 3ª fase. Rompendo com a linha byronista da qual Álvares Azevedo foi o mais conhecido representante, o novo romantismo volta-se para a análise social, para a descrição das sociedades burguesas da qual a França de fins do séc. XIX seria um importante modelo. A segunda fase, a fase “madura” de Machado de Assis, avança do romantismo em sua fase social para o realismo, propriamente. No romance, o ponto de virada encontra-se em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), um trabalho original e até experimental para os padrões da época. A partir daqui tem-se o Machado de Assis em sua plena maturidade, revelando-se sua arguta análise psicológica das personagens, as sondagens da alma feminina, a ironia sutil, o humor pessimista, a temática do adultério e recursos particularmente machadianos, como os “fashbacks” e a prática de dialogar diretamente com o leitor de modo que o narrador, em Machado de Assis, não se oculta diante dos fatos narrados, ainda que a objetividade realista (em contraponto ao subjetivismo romântico) ainda se faça presente.

“Quincas Borba” foi publicado em 1891 e insere-se na chamada fase madura do autor. Dentro deste grupo também estão “Dom Casmurro” (1899) e “Essaú e Jacó” (1904).

Machado de Assis foi também importante cronista e contista. As suas histórias oferecem um desenho da sociedade do segundo Império, em particular a sociedade burguesa e urbana, repleta de bacharéis, médicos, políticos, militares, comerciantes, capitalistas, sinhás e escravos. “Papeis Avulsos” (1882) é considerado pela crítica como um divisor equivalente (para os contos) ao “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. É desta compilação de contos o “Alienista”, história que tem como tema central a loucura e que seria retomada em “Quincas Borba”.

A história trágica de Rubião, que de herdeiro universal de um amigo rico e milionário de Barbacena, termina abandonado pelos amigos e conhecidos à medida que se exaure sua riqueza e a sua consciência, história bem ao gosto machadiano, que confunde o riso e o choro, é uma história trágica e cômica. Ressalta-se sempre a motivação pecuniária e o interesse material como elementos constituintes das relações sociais: este é o eixo da crítica de costumes. A crítica da sociedade burguesa, a hipocrisia do matrimônio que esconde dentro de si múltiplas formas de traição, real ou imaginária, todos estes elementos se fazem presentes em “Quincas Borba”.

O capitalista Palha externa ao máximo aquela tendência egoísta do homem: quando lhe convém, trata o rico Rubião com cortesia e tira proveito ao máximo dos bens do amigo. Chega mesmo a olvidar o assédio de Rubião junto a sua esposa Sofia, desde que aquele interesse (pecuniário) o levasse a manter bom termo junto ao amigo. À medida que o dinheiro vai se acabando e Rubião vai dando mostras de perder o juízo, sua ruína vai se revelar em primeiro lugar pelo abandono de Palha, e dos demais amigos dos dias de fartura. O único que lhe resta é o cão, único ser vivo efetivamente fiel na história – ou, além do Cão, o finado Quincas Borbas, que morreu demente.

O que resta de interessante a realçar é o fato de Machado de Assis não revelar sua maestria a partir de histórias cujo enredo impressionam pela imprevisibilidade, pela intensidade dos conflitos, pelas reviravoltas. Há algo de previsível na narrativa machadiana, o que não afasta sempre o interesse do leitor. Ocorre que é da banalidade que Machado extrai suas melhores reflexões e tiradas filosóficas. Basta aqui pensar na história banal e medíocre de Brás Cubas, o que não deixou de engendrar um dos mais belos capítulos de nosso romance.

Quem resume bem tal atitude é o poeta Carlos Drummond de Andrade num poema dirigido ao mestre do Cosme Velho:

“Olhas para a guerra, o murro, a facada

Como simples quebra da monotonia universal”.   

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