“Coleção O Brasil
Colonial 2” (1580-1720) – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa
Resenha Livro - “Coleção
O Brasil Colonial 2” (1580-1720) – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa – Ed.
Civilização Brasileira
Visão Social de Mundo Dos
Conquistadores Portugueses
“Da Mesma Forma, os
conquistadores da América eram portadores de uma obediência amorosa dada pela
disciplina social do catolicismo e sabiam que suas atividades econômicas eram
do âmbito de suas famílias; sabiam que os escravos era servos civis ou ao menos
servos que deviam ser cristianizados. Estes conquistadores vieram de um mundo
cristão onde a vida era entendida como um fado/destino, com uma tênue fronteira
com a morte. Na verdade, fosse no reino, na Madeira e depois na América, os
mortos, por meio dos seus sistemas de herança na forma de morgadio[1]
e obrigações testamentárias que engoliam parte da riqueza social, condicionavam
parte da dinâmica social dos vivos”. FRAGOSO, J. KRAUSE, T.
Este é o II Volume da “Coleção Brasil Colonial” cujos
organizadores são os historiadores João Fragoso (UFRJ) e Maria de Fátima
Gouvês, falecida em 2009 e ex docente da UFF.
Trata-se de um ambicioso projeto de perquirir mais de três séculos da História do Brasil (consoante a periodização específica proposta pelo trabalho) referente ao tempo a que a historiografia designou como Brasil Colonial, tradicionalmente desde a chamada “descoberta” das terras de Santa Cruz em 1500 até a emancipação política em face de Portugal em 7 de Setembro de 1822.
O trabalho envolve artigos de historiadores de Universidades de Brasil e Europa e suscita as mais recentes linhas de pesquisa, envolvendo na maioria dos casos o re pensar de certas verdades e sensos comuns acerca da própria construção simbólica e ideológica que informa diversas passagens do Brasil Colônia. E mais. Como se sabe, as pesquisas no seio de cursos de pós graduação e particularmente na área de ciências humanas são marcados pela característica da especialização ou ultra especialização: estudar-se-á “O Capitão João Pereira e a parda Maria Sampaio: notas sobre hierarquias rurais costumeis no Rio de Janeiro, séc. XVIIII”[2] ou “O Conselho Ultramarino e a disputa pela condução da guerra no Atlântico e no Índico (1643-1661)”[3]. Observa-se a especialização, no ambiente da pesquisa na história, através de um recorte temporal bastante acentuado e uma temática delimitada. Se por um lado a pesquisa especializada ganha em profundidade, com uma atenção mais detida em documento/fontes primárias específicos, o que é profundo também é perda em envergadura: falta uma visão de conjunto frequentemente que situe as descobertas mais pontuais dentro do sentido da história.
Desde aí temos mais uma importância de grande relevo a este “Brasil Colonial”: é uma das poucas iniciativas de trazer a pesquisa acadêmica para o grande público, o que por si irá exigir dos historiadores o exercício da contextualização, a imbricação da profundidade de suas pesquisas rotineiras com um trabalho historiográfico de envergadura de reflexão mais geral, que há algum tempo ficou a cargo dos ensaístas, hoje fora de moda, desde Paulo Prado e seu “Retrato do Brasil” até a tríada Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Gilberto Fryeire, autores de importantes sínteses do período supracitado.
Tivemos a oportunidade de resenhar o primeiro volume desta coleção[4]. Desde lá observamos como o aproveitamento das mais recentes pesquisas historiográficas irão repercutir em diversas noções já arraigadas acerca do processo de conquista da América Portuguesa, a começar por certa concepção que associa à chegada de Cabral em 1500 e mesmo a expansão ultramarina portuguesa, num sentido anacrônico, a uma atividade associada ao homem do renascimento, como se as mudanças engendradas pelos achados corroborassem e também fossem fruto de uma nova percepção social de mundo Moderno.
Em sentido oposto, a periodização do Brasil Colonial 1 tem como partida 1443, devendo-se antes, por meio dos mesmos documentos, a começar pela carta de Pero Vaz e de suas insistentes menções de missionar o gentio, associar aquela expansão ao período medieval. A tomada de Celta em 1415 foi segundo alguns historiadores o primeiro passo para a expansão colonial. A navegação oceânica no Atlântico norte conduz os navios portugueses à ilha da madeira em 1419, treze anos antes da execução de Joana D’arc. Em função de um certo peso dado às funções sócio econômicas da atividade colonial, costumou-se negligenciar o estratégico papel da Igreja e das missões. Controverso diante de uma coroa portuguesa baseada no sistema do Antigo Regime católico. E em sentido inverso, nos aldeamentos jesuítas, seria um anacronismo acreditar haver um adocicado tratamento ao gentio, como já retratado em filme[5]. Dentre os índios, havia uma política dos índios inimigos, reduzidos à escravidão pela “guerra justa”[6]. Os índios amigos moravam nos aldeamentos e eram submetidos à religião. Eram obrigados ao trabalho. Os recalcitrantes (que praticavam a poligamia, a antropofagia, que bebiam o cauim alcóolico, etc.) poderiam ser submetidos aos castigos corporais no pelourinho. As fugas dos aldeamentos eram constantes. E em sentido inverso, as Ordens Religiosas exerceram papel extra ecumênico (com exceção dos franciscanos que faziam voto de pobreza). Jesuítas, beneditinos e carmelitas igualmente participam da economia colonial com estipêndios, propriedades rurais e urbanas. Dentre eles, os Beneditinos granjeiam fama de bons administradores e no séc. XVII possuem 11 Engenhos por todo o Brasil.
O Volume 2 tem início em 1580, data da chamada União Ibérica, período em que o reino de Portugal e Castela se unificam, mais em prejuízo do primeiro, que se submete ao rei espanhol Felipe II.
Importa-nos perquirir algumas repercussões da União Ibérica junto ao Brasil, que durará até 1640, quando da restauração da dinastia Bragança de Portugal.
A União Ibérica implicou o modelo castelhano de conquista territorial implantado no Brasil, significando uma interiorização da conquista no norte: conquista da Paraíba (1584); Rio Grande do Norte (1599); Ceará (1612); Maranhão (1615) e Pará (1614).
A União levou para Portugal os inimigos de Espanha – França, Inglaterra e Holanda – há uma série de ataques corsários na costa da América portuguesa e o mais significativo deles é a invasão Holandesa (1630-1654).
Posteriormente, com a guerra de restauração e fim da União, Portugal se alia à Inglaterra, contra França e Espanha, com repercussões no Brasil, dentre elas a disputa da Colônia de Sacramento e algumas tréguas diplomáticas junto aos Holandeses.
Outro aspecto diz respeito às relações dentre as elites políticas de Portugal e Castela (Habsburgo) – a União deu-se da mesma forma que consolidou-se a União de Aragão 100 anos antes – foram conservadas as leis, principais instituições e o sistema monetário, o que garantiu alguma estabilidade política.
Outros temas tratados pelos artigos é a economia da Cana de Açúcar – que se desenvolve com melhores condições no nordeste, com solo de massapê, vantagens climáticas, além de ser mais apreciado que seu concorrente caribenho (holandeses produzem açúcar mascavo e menos apreciado no mercado mundial); as Invasões Holandesas, que devem ser estudas com um olhar atento particularmente no que diz respeito às jornadas de resistência, seja pelos mais de 10 anos de luta de duração; seja pela formação de milícias negras e indígenas na condução desta guerra de expulsão; seja em particular pela iniciativa dos nativos pernambucanos na expulsão batava (que se processa a partir de 1643-4 com a crise do setor do açúcar e o endividamento dos Senhores de Engenho em face dos mercadores holandeses), levando-se em consideração que os nacionais levaram a cabo o conflito a despeito das vacilações dos portugueses – O Padre Antônio Vieira era da posição de que Portugal devia capitular.
Lênin dizia em artigo de maio de 1913 para o Pravda[7]: “A questão nacional requer um equacionamento claro e uma clara solução por parte de todos os operários conscientes”.
Ao mesmo tempo, quando dizia sobre a “análise concreta da situação concreta” falava tanto da especificidade e da não generalização, quanto também de se suscitar o problema da questão nacional.
Parte destes esforços um estudo mais aprofundado da história do Brasil, incluindo do Brasil Colonial. Não parece coincidência que este foi também o movimento do comunista Caio Prado Jr. que ambicionou escrever uma História da “Formação do Brasil Contemporâneo” e apenas conseguiu concluir o primeiro volume sobre o Brasil Colonial. Ao falar sobre o sentido da nossa colonização[8] procurava suscitar problemas objetivos do presente. Este é o tipo de história que os marxistas devem buscar para se informar e também produzir trabalhos, preferencialmente para além da academia.
Nobilitação Indígena
Séc. XVI - Arariboia - batizado como Martim Afonso de Souza - Lutou pela expulsão dos franceses no Rio de Janeiro na expedição de Mem de Sá. Recebeu do Rei D. Sebastião o prestigioso hábito da Ordem de Cristo - recebe patente de Capitão mor de sua aldeia e sesmaria de duas léguas de terra. Os privilégios e mercês são formas de reconhecimento de lealdade junto ao rei: os conquistadores almejam títulos e rendas; o rei depende de leais vassalos para manter as possessões territoriais. Houve número reduzido de índios/pretos efetivados com cavaleiros de Ordem e houve prática de ludibriar com hábitos falsos (dados por governadores e não pelo rei), concessão de fantasias/roupas ou bens alternativos como medalhas, símbolos de hábitos costurados em lapelas (que eram re significados pelo gentio). Em uma sociedade estamental como a do Antigo Regime português, os bens materiais e simbólicos raramente eram franqueados aos súditos de "sangue impuro", inclinados a hábitos controversos.
Séc. XVI - Arariboia - batizado como Martim Afonso de Souza - Lutou pela expulsão dos franceses no Rio de Janeiro na expedição de Mem de Sá. Recebeu do Rei D. Sebastião o prestigioso hábito da Ordem de Cristo - recebe patente de Capitão mor de sua aldeia e sesmaria de duas léguas de terra. Os privilégios e mercês são formas de reconhecimento de lealdade junto ao rei: os conquistadores almejam títulos e rendas; o rei depende de leais vassalos para manter as possessões territoriais. Houve número reduzido de índios/pretos efetivados com cavaleiros de Ordem e houve prática de ludibriar com hábitos falsos (dados por governadores e não pelo rei), concessão de fantasias/roupas ou bens alternativos como medalhas, símbolos de hábitos costurados em lapelas (que eram re significados pelo gentio). Em uma sociedade estamental como a do Antigo Regime português, os bens materiais e simbólicos raramente eram franqueados aos súditos de "sangue impuro", inclinados a hábitos controversos.
Frans Post (1612-80) - Artista que integrou missão de artistas e naturalistas de Maurício Nassau (1637-1644) durante Invasão Holandesa. Retrato de um Engenho de Açúcar.
[1] Regime jurídico sucessório em
que os bens do morto são inalienáveis, indivisíveis e não suscetíveis a
partilhas, concentrando patrimônio em determinada linhagem, com repercussões na
economia política, inclusive do Brasil Colonial. Historiadores atestam que a
pobreza do solo em Portugal e o morgadio são fatores que influíram ao movimento
de colonos às possessões ultramarinas portuguesas. Outrossim, as Casas de
Misericórdia e de Órfãos, no Brasil Colonial, por lidarem com bens pecuniários
testamentários, seriam importantes fontes de crédito para atividade econômica: foram
credores de senhores de Engenho e demais proprietários.
[2] RIBEIRO, Marta. ALMEIDA Carla.
Obra Cit.
[3] BARROS, Edval de Souza
[4] Ver Resenha: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2017/01/colecao-brasil-colonial-volume-i-1443.html
[5] “A Missão” dirigido por Roland
Joffé com participação do ator Robert De Niro
[6] “Guerra Justa” é conceito que
advêm das jornadas de luta pela reconquista territorial portuguesa em face dos
Mouros, mais um elemento que traduz como os albores da colonização diz respeito
ao contexto medieval.
[7] “A Classe Operária e a Questão
Nacional” https://www.marxists.org/portugues/lenin/1913/05/10.htm
[8] “O
sentido da colonização” volta-se ao atendimento dos interesses comerciais
portugueses e é com base neste comércio – já antes explorado pelos lusitanos
nas índias – que se conformará toda estrutura social, política, administrativa,
etc. A colônia nada mais é, nesta perspectiva, do que uma empresa comercial
destinada exclusivamente à grande exportação. Como um “resquício” deste passado
colonial, enxerga-se a ausência de preocupação pela metrópole em desenvolver
internamente sua colônia
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