“Manifesto do Partido Comunista” – Karl Marx e Friedrich
Engels
Resenha Livro - “Manifesto do Partido Comunista” – Karl Marx
e Friedrich Engels – Ed. Martim Claret
“Os
Princípios Comunistas de modo algum se apoiam em ideias ou princípios
inventados, ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo.
Eles
são apenas a expressão geral das relações reais de uma luta de classes existente, de um movimento histórico que
ocorre diante de nossos olhos”. (p. 126)
As poucas
linhas supracitadas por um lado revelam um dos vários aspectos a partir dos
quais este “Manifesto” revela um caráter profético e por outro lado ilustra a
especificidade do texto em face de todas as demais produções teóricas,
jornalísticas e partidárias de Marx e Engels.
No que tange ao profético, constata-se que o Manifesto foi
redigido em 1847 e publicado em 1848, pouco antes da derrota do levante
operário parisiense de Junho de 1848: a história do manifesto, como veremos,
reverbera os avanços e recuos do movimento operário. Sua disseminação em dado
contexto, espaço e lugar é um barômetro das condições de organização da classe operária,
observando-se maior repercussão do panfleto nas jornadas de 1871 com um novo
levante desde a Comuna de Paris, ou ao um novo contexto de conformação de
partidos operários. Um modelo partidário de um tipo diferente dos modelos
associativos de meados do séc. XIX que até provocou a mudança do título nas
edições posteriores.
Quanto à especificidade do “Manifesto Do Partido Comunista”, deve-se aqui confrontar o texto com uma proposta de leitura
científica da obra de Marx.
Durante muito tempo na história,
pareceu ter sido comum uma leitura das obras de Marx sem a preocupação em face
de algo que parece ser até trivial: cotejar cada produção, cada obra, cada
artigo, com o momento correspondente da biografia intelectual do autor, de
molde a situar as diferentes nuances teórico-metodológicas correspondentes a
diferentes estágios de uma vida intelectual em evolução. Parte-se do
pressuposto de que Marx não nasceu marxista e de que as grandes descobertas
teóricas e contribuições para a intervenções práticas devem ser devidamente
dosadas, consoante diferentes estágios, etapas de desenvolvimento intelectual:
desde quando estudante de Direito de Bonn, até sua transferência à Universidade
de Berlin donde Marx tem contato e se associa aos jovens hegelianos de
esquerda, passando aos seus estudos de filosofia grega doutorando-se em
Demócrito e Epicuro, passando pela sua atividade jornalística, já desde uma
posição política progressista, até o contato junto ao movimento operário desde
Paris, incrementado após os encontros junto a Engels (então já autor do “A
Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra”), passando pela atividade
política clandestina, os mais de dez anos dedicado aos estudos de economia
política em Londres resultando nos trabalhos do “Capital”, cujas descobertas,
L. Althusser equipara em relevância à contribuição de Galileu para a física e à
contribuição dos gregos para a matemática.
Seria apenas em meados do séc. XX
particularmente a partir de Galvano Della Vope e principalmente de Louis
Althusser que se passaria de uma “leitura de orelha” das obras de Marx para uma
proposta de interpretação científica do conjunto da produção do velho mouro: a
conclusão a que chega Althusser, com algumas retificações ao longo da vida, é
que não há uma solução de continuidade, mas antes um “corte epistemológico” dentre
obras de juventude de Marx (Questão Judaica de 1843, Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel de 1844, Manuscritos Econômico Filosóficos de 1844); um
momento de corte (que em termos históricos é de longa duração e se situaria com
a publicação de 1846 de "A "Ideologia Alemã", implicando o rompimento com a tradição do idealismo e galgando os conceitos do materialismo histórico para o repertório conceitual
de Marx); um momento de maturação que se estende por obras que envolvem o “18
de Brumário” (1852) e “Contribuição à Crítica da Economia Política” (1859) até
o momento de plena maturidade advindo do V. I de O Capital (1867), obra que
Marx dedica mais de 10 anos para sua consecução e que possui as categorias
teórico-metodológicas ausentes na fase juvenil e em fase de desenvolvimento na de
maturação.
Os marxistas contrários ao ponto
de vista Althusseriano, em geral, buscam encontrar respaldo entre uma solução
de continuidade dentre as obras de “juventude” e “maturidade”. Parece-nos que
em um aspecto tais autores buscam fundamentar seu raciocínio com acerto:
através do legado hegeliano em Marx que se faz presente através da dialética
(recolocada desde uma orientação materialista) e que torna possível inclusive a
consecução de uma análise também histórica do “Capital”, particularmente, do
capítulo “Da Assim Chamada Acumulação Primitiva”, passagens não de “teoria pura”
(como diz Althusser), mas da história em suas múltiplas determinações
dialéticas. Lênin fez ele próprio um estudo filosófico de Hegel para afirmar
que aquele que quer dominar o marxismo necessariamente precisa entender a
filosofia hegeliana – e se por um lado o cotejo entre a biografia intelectual,
a avaliação da densidade teórica das obras e uma proposta de interpretação
científica consoante os pressupostos da própria evolução intelectual de Marx em
Althusser sejam pertinentes, algumas chaves explicativas permanecem em aberto.
“O Manifesto Comunista”, um livro
considerado de “maturação”, não deve ser em primeiro lugar interpretado como
uma obra teórica ou conceitual, mas uma intervenção política partidária de
intervenção na realidade.
A Liga Comunista, então na clandestinidade, realiza um
congresso em Londres (1847) e publica o seu programa, redigido por Marx e
Engels[1].
A Liga fora uma associação inicialmente alemã que posteriormente se propõe a
ser um grupo internacional (Associação Operária Internacional). Ocorre que a
história do Manifesto e de sua recepção/difusão parece refletir a história do
movimento operário. Seu lançamento está relacionado com a derrota dos
trabalhadores parisienses em Junho de 1848: inicialmente o texto é pouco
divulgado em face da derrota. Nos lugares onde há Ascenso do movimento operário
como a Polônia da década de 90 do séc.XIX há sinais de circulação e ampliação
do circulo de leitura do documento, ocorrendo também o inverso: nos momentos de
refluxo e derrota suspende-se a circulação do Manifesto.
Por outro lado, sabe-se que em 1848 Marx ainda não perfaz um
estudo sistemático da “Crítica da Economia Política”. Parece haver questões
conceituais silentes no texto, como o problema da mercadoria, negligenciado em
detrimento da propriedade privada. O Manifesto dá centralidade à propriedade
privada – que é a expressão jurídica do capital – sem fazer menção ao problema
da mercadoria (tema do 1º Capítulo do Volume I do Capital). A expropriação da propriedade
privada é a primeira medida programática do programa partidário, não se
colocando em questão de forma mais detida a socialização dos meios de produção desde as fábricas, a extração de mais
valor e sua interdição dentro de um projeto societário alternativo e outras temáticas cujo arsenal conceitual decorreriam da crítica da
economia política, algo determinado posteriormente no pensamento de Marx.
Todavia, a leitura do livro possui passagens já de uma
avançada compreensão acerca da Luta de Classes e sua universalidade na história
desde sociedades pré-capitalistas; a transitoriedade da sociabilidade burguesa
que naquele contexto tanto luta contra resquícios do feudalismo e da velha
sociedade do Antigo Regime (para a qual conta com o apoio do proletariado)
quanto já encontra embates diretos contra o proletariado – predominando em
nível mundial a segunda tendência. E em dois aspectos, do Manifesto aparece o
brilhantismo de uma capacidade intelectual capaz de fazer prognósticos mais de
160 depois bastante atuais:
(1)
As Crises Capitalistas: no passado as relações
feudais de produção entram em contradição com as forças produtivas desenvolvidas
pelo comércio e pela indústria, potencializando o advento de crises a partir
das quais irrompem as novas sociedades sob o jugo da burguesia, com os novos
arranjos institucionais. Marx identifica nas crises capitalistas que envolvem a
superprodução que coexiste junto à miséria de uma ampla maioria um sinal de uma
nova contradição, situando um aurora de uma nova sociabilidade comunista. As modernas indústrias concentram o proletariado como um exército e a burguesia cria seu próprio coveiro:
“Hoje assistimos a um processo parecido. As
relações burguesas de produção e de circulação, as relações burguesas de
propriedade, a moderna sociedade burguesa, que conjurou meios de produção e de
circulação tão poderosos assemelha-se ao feiticeiro que não consegue mais
dominar as forças infernais que evocou. Há décadas, a história da indústria e
do comércio é somente a história da revolta das modernas forças produtivas
contra modernas relações de produção, contra relações de propriedade que são as
condições de existência da burguesia e de seu domínio”.
(2)
Aquilo que hoje chamamos de globalização já é
previsto plenamente por Marx, com detalhes, num momento em que o Capitalismo e
a Burguesia ainda se debatem em Europa na constituição de Estados Nacionais,
quando é parte inclusive do próprio
programa partidário a conformação de uma frente partidário junto ao “terceiro
estado” em face do Antigo Regime em países atrasados. Por outro lado, dentre o
eixo programático, bandeiras como “Imposto Progressivo”, “Centralização do
Crédito” ou “Aumento das Fábricas Nacionais”, longe de se reduzirem ao programa
comunista, seriam parte programática perfeitamente cogitadas pelos capitalistas,
particularmente em contexto de acirramento de lutas de classes, como forma de
contenção da revolução.
Se o Manifesto é a expressão (consciente e madura) de um
movimento real, a conclusão dentro do contexto da globalização pós URSS é a de
que o movimento operário foi levado a uma derrota parcial. Todavia, a leitura
do livro deve trazer sensações opostas ao pessimismo àqueles que ainda reivindicam o horizonte
comunista tantos anos depois. Trata-se da esperança depositada por Marx ao
proletariado como coveiro da burguesia e sujeito protagonista da mudança no
sentido da sociedade não mais cingida em classes sociais: a única classe social
na história capaz de emancipar toda a humanidade. Em especial considerando o
proletariado de 1847, submetido a jornadas de mais de 10 horas, habitando locais
de moradia e trabalho insalubres, sem acesso aos bens culturais e comparado
pelos pares liberais “a animais de carga”. São estes sujeitos que Marx deposita
todas as esperanças para o Futuro, violando os ceticismo de muitos da esquerda de
hoje que negligenciam a centralidade da classe que vive do trabalho. Alguns
dizem “Adeus Trabalho” e proclamam um novo sujeito dentre um rastro de minorias e movimentos dispersos
(mulheres, homossexuais, verdes), não unificados numa luta em torno da origem
comum da exploração: o modo de produção capitalista. Eis a grande mensagem do Manifesto: o princípio da esperança em torno da centralidade e do protagonismo da classe trabalhadora.
[1] Ou
mais exatamente, o segundo reconhece ter sido o manifesto predominantemente
redigido por Marx em Prefácio da Obra.
A obra é ativa e anti-capitalista!!!
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