“Coleção Brasil Colonial Volume I (1443 – 1580)” – João Fragoso
e Maria de Fátima Gouvêa (Org.)
Resenha Livro - “Coleção Brasil Colonial Volume I (1443 –
1580)” – João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (Org.) – Ed. Civilização
Brasileira – Rio de Janeiro – 2014
RESISTÊNCIA DOS TUPINAMBÁS
“O avanço da colonização não se faz, porém, sem conflitos e
resistências por parte dos indígenas. A primeira mobilização ocorreu em 1554 e
durou quase dois anos, sendo útil acompanhar as suas fases para ter um panorama
dos motivos alegados para as “guerras justas”, de seus métodos de ação e de
seus resultados. Chegaram aos ouvidos do governador, Duarte da Costa, em maio
desse ano, notícias de que os tupinambás estariam atacando engenhos e fazendas
na Margem direita do rio Paraguaçu, pretendendo reaver terras que lhes haviam
sido usurpadas. Após discutir o assunto no Conselho, ordenou a ida de uma
expedição punitiva, composta por 70 homens e seis cavaleiros, comandados por
seu filho, Álvaro. Encontraram no caminho algumas armadilhas, mas nenhuma
resistência ativa, capturaram o morubixaba e incendiaram duas aldeias vizinhas,
que lhe teria dado apoio. Pouco tempo depois, surgiram notícias de que seis
aldeias tupinambás teriam se reunido e feito um cerco a um engenho de um dos
mais destacados colonos. A expedição punitiva partiu dessa vez com cerca de 200
homens, também sob comando de Álvaro da Costa, travando uma batalha com cerca
de mil tupinambás, que foram vencidos e tiveram suas aldeias queimadas”.
OLIVEIRA, João Pacheco.
A noção
de “Brasil Colonial” é uma construção da História associada a alguns momentos
chave do processo histórico Brasileiro: costuma-se tradicionalmente abarcar as
datas de 1500, da conquista ou achamento das terras de Santa Cruz
(posteriormente denominada Brasil) até o 7 de Setembro de 1822 com a
emancipação política brasileira em face de Portugal, precedida da vinda da
Família Real portuguesa em 1808 e da elevação do Brasil à categoria de Reino
Unido a Portugal e Algarves em 1815. Esta “Coleção Brasil Colonial” consiste
num ambicioso projeto de abordar todo período colonial a partir de uma divisão
em três volumes, consoante as mais recentes novidades e debates
historiográficos – uma história escrita por professores universitários,
historiadores e cientistas sociais, de universidades Brasileiras e Europeias.
Profissionais especializados que se debruçam em temas específicos propiciando a
cada capítulo o aprofundamento que distingue a
pesquisa acadêmica e desde a leitura do conjunto da obra oferece uma
visão geral e consistente do passado colonial brasileiro.
Este
primeiro volume propõe desde já uma nova periodização, de 1443 à 1580 (Quando
se dá a União Ibérica). A proposta de se aferir os contornos do passado
colonial para os remotos meados do século XV dizem respeitos a artigos como “A
Europa da Expansão Medieval – Séculos XIII a XV”. Aqui como em diversos
momentos as pesquisas e debates historiográficos recentes abalam algumas convicções
arraigadas. Uma delas é a de que a expansão Ultramarina portuguesa está
atrelada à visão social de mundo do Renascimento, como se a busca por novas
rotas comerciais estivesse exclusivamente associada às atividades mercantis. Havia
isso sim um espírito de cruzada envolvido na expansão ultramarina, havendo
interfaces importantes entre a expansão, a conquista, a noção de guerra justa
(que foi utilizada em face dos mouros e igualmente em face do gentio). A tomada
de Celta em 1415 foi segundo alguns historiadores o primeiro passo para a
expansão colonial. A navegação oceânica no Atlântico norte conduz os navios
portugueses à ilha da madeira em 1419, treze anos antes da execução de Joana D’arc.
Ademais,
é através da leitura dos capítulos de historiadores dedicados às pesquisas mais
específicas sobre cada problema deste primeiro momento do Brasil colônia que
parece cair por terra certa vulgarização economicista de nosso passado.
Vulgarização segundo o qual “a história da América Portuguesa dos dois primeiros séculos
foi um simples canavial habitado por prepostos do capital mercantil e
semoventes (escravos) conectados com o mundo por rotas marítimas”.
Não queremos aqui colocar uma pá de cal no importante (e
àquela altura inovador) conceito de “Sentido da Colonização” do “Formação do
Brasil Contemporâneo” de Caio Prado Jr. que muito serviu para se observar o
nosso passado desde um pressuposto teórico metodológico materialista com ênfase
nas relações de produção, destacando a função do trabalho escravo, do latifúndio,
do exclusivismo comercial (da produção que atende os interesses da metrópole).
O que se constata todavia é que no Brasil colônia há também um peso
considerável da política e da religião: já desde a carta de Pero Vaz de Caminha
se conclama ao rei pela conversão do Gentio. Como veremos, houve uma política para
os índios que foi além da mera aculturação/extermínio, envolvendo alianças e
articulações comerciais (escambo) e políticas sem as quais Portugal
dificilmente teria mantido sua soberania territorial, havendo nesse sentido um
papel fundamental do missionário e do aldeamento. A troca do Pau Brasil
envolveu negociações em que o gentio barganhava a qualidade e a quantidade dos
bens. E para além do econômico, a nova historiografia debruça-se sobre o
político, identificando os arranjos institucionais das posses do ultramar: da
capitania hereditária (1534), do Governo Geral (1549), das vilas, dos
concelhos, etc. Tais arranjos políticos e jurídicos visavam a garantia do
povoamento, a expulsão de estrangeiros e corsários, o controle jurisdicional
com algumas regras, dentre as quais a proibição da venda de armas aos índios
(norma frequentemente descumprida).
Questão Indígena
Ainda que o senso comum ainda reitere a ideia de “descobrimento”
do Brasil, tal conceito não se sustenta mais em face dos atuais conhecimentos
sobre a América pré-colombiana. Nos albores da historiografia brasileira, o
grande historiador brasileiro Capistrano de Abreu discorreu em poucos
parágrafos sobre o índio no primeiro capítulo de seu “Capítulos de História
Colonial” (1907) sintomaticamente junto à descrição da paisagem do país:
vegetação, relevo e clima. Desde aqui exsurge a ideia de “descobrimento”,
remetendo à noção de uma terra pouco ou não habitada, a ser povoada pelo
português, quando antes, no limite, havia um elemento bárbaro que se confundia
com as árvores e pássaros.
Após muitas pesquisas, hoje o número mais aceito dentre os
historiadores estima 2,4 milhões de índios no Brasil em 1500. Um censo foi
feito no final do século XV no Reino de Portugal contabilizando 1,4 milhões. Isto significa
que os “descobridores” provinham de uma nação que tinham quase a metade da
população que habitavam a terra que seria denominada Brasil.
Mas dentre as pesquisas feitas sobre o assunto, pode-se
aferir também uma outra armadilha – uma noção que também opera no senso comum
segundo a qual o índio foi uma vítima passiva de aculturação (sem oferecer
resistência, sem capacidade de reflexão acerca das relações ou mesmo imposições
culturais e sem identificar os diversos casos de miscigenação cultural ou mesmo
de aculturação às avessas, como veremos).
Deve-se aqui evitar uma
dupla armadilha: polarização entre extermínio e proteção que supõe a
hipossuficiência irremediável do gentio – enquanto o índio negociava e mesmo
reivindicava até mercês junto à coroa. A nova historiografia aponta no sentido
de que os índios foram na medida do possível protagonistas da história do
Brasil Colonial – com isso, certamente não se deixa de atestar o seu
extermínio, especialmente por doenças, como varíola. Já os Portugueses não são
povoadores mas conquistadores.
A política indianista partia das inimizades que pré existiam
entre os autóctones. Os colonizadores se serviam destas divisões ou mesmo a
fomentavam de maneira a conquistar aliados. Havia assim os indígenas “amigos”
que deviam ser levados às aldeias sob os auspícios dos inacianos. E os
indígenas “inimigos” que eram escravizados. Nas guerras de conquista, sempre os
colonos levam consigo indígenas, que manejam como arma o arco e flecha. Muitos
se destacam em embates como Filipe Camarão na expulsão dos holandeses e
Arariboia, líder indígena de tribo de São Lourenço que está na linha de frente
na guerra de conquista do Rio de janeiro sob o jugo dos Franceses.
Diversas ordens religiosas estiveram no Brasil como Franciscanos,
Beneditinos e Carmelitas. Mas de longe os missionários da Companhia de Jesus
eram maioria. Tal ordem foi fundada em 1534 Inácio de Loyola e encarna o
espírito da Contrarreforma, por exemplo, combatendo as heresias, e reverenciando
santos (combatidos pelos protestantes como forma diabólica de adoração). A
música e o teatro são as melhores formas de cativar o gentio e um dos
missionários confecciona uma gramática do tupi ainda no séc. XVI. É reprovado
pelos jesuítas beber o cauim (bebida alcoólica), a nudez, a poligamia e o
canibalismo: os relatos constam que uma das características dos índios é a
inconstância, de molde que ora parecem aderir aos preceitos cristão, oram
voltam aos seus rituais tradicionais. Há nas aldeias fugas em massa e o uso do
pelourinho para os renitentes – é interessante observar que é outro índio que
aplica o castigo. Em outro contexto, na escravidão do negro, o preposto que
aplica o castigo também tem a pele de cor preta.
Frise-se que os índios aliados ainda assim trabalhavam em
obras de interesse da Coroa como fortificações e Igrejas. Nas aldeias dos
missionários, além de trabalhar, passavam pelo processo da conquista
espiritual.
Quanto à religião consta que no Brasil dos primeiros
séculos, Santo Antônio fosse o mais popular da colônia. Santo protetor de
Portugal, Patrono dos Iletrados, Guardião dos amantes, noivas e maridos
desaparecidos e além de Santo Casamenteiro para quem se fazia promessas.
Mas importa-nos aqui relatar alguns casos de sincretismo, a
guisa de conclusão. Eles ilustram como a nova historiografia vem propondo uma
nova abordagem para a história dos albores do Brasil. Distinta da narrativa longínqua de Capistrano de Abreu em que o índio aparece como um
elemento paisagístico – ou que desconsidera a miscigenação cultural encoberta
pela discurso de “aculturação”. A “Aculturação às avessas” por exemplo dizia
respeito a degredados que eram deixados nas costas (muitos em prantos) para se
unir a tribos indígenas, aprender a língua e os costumes e contribuir com a
colonização. Foi também o caso de náufragos: alguns foram devorados pelo
gentio; outros foram incorporados, tiveram filhos e até fizeram fama.
Felipe Camarão - Líder
Indígena proveniente de aldeia missionária da capitania do Rio Grande (RN) que
se destacou nas lutas pela expulsão dos Holandeses. Como ele houve Tibiraçá da
Capitania de São Paulo de Piratininga, amigo de João Ramalho. Camarão não foi o
único índio que obteve no período colonial condecoração régia.
Santidade de Jaguaribe
(Séc. XVI) – Movimento religioso indígena de caráter rebelde – expressa a
situação de revolta e recusa da catequese e da ordem colonial, incluindo o
batismo, identificado como fonte das epidemias. (Os pajés de inúmeras tribos
associavam o batismo dos missionários às epidemias de varíola, e estavam
relativamente certos, já que a origem da mortandade era o contato das gentes,
brancos, negros e índios). A Santidade de Jaguaribe atesta o máximo de
sincretismo religioso no Brasil colonial havendo a fusão de elementos católicos
(santos, práticas, ainda que distorcidas) e da tradição do gentio. Este
movimento fomentou inúmeras fugas e teve como líder um indígena proveniente de
um aldeamento chamado Antônio. Foi dizimado pelas autoridades em 1585.
Theodoro De Bry (1528
– 1598)
Cena de canibalismo provavelmente de índios
tupinambás (tradicionais aliados dos franceses, sendo a França a nacionalidade
do artista). A Antropofagia foi prática comum dentre as várias tribos do Brasil
colonial e uma das atividades mais combatidas pelos missionários. Muitos
mamelucos (filhos de brancos com índios) ou mesmo brancos, em geral degredados
ou náufragos, que viveram junto às tribos, praticaram a antropofagia. A
atividade era feita por meio de rituais festivos e os homens pintavam-se para o
evento.
Caramuru (Diogo Álvares) Tupinizou-se
e prestou auxílios à coroa em guerras, direcionando os colonizadores nos territórios e em traduções. Viveu 22 anos entre os índios. Papel semelhante
presta João Ramalho da Capitania de São Vicente. Ambos receberam condecoração
Régia.
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