Resenha Livro - “O Brasil
Imperial (Volume I – 1808 – 1831)” –
Keila Grinsberg e Ricardo Salles (org.) – Ed. Civilização Brasileira
José Bonifácio e o Tráfico de
Escravos (1823)
“Estamos totalmente convencidos
da inadequação do tráfico de escravos (...) mas devo frisar candidamente que a
abolição não pode ser imediata, e eu explicarei as duas principais
considerações que nos levam a essa determinação. Uma é de ordem econômica e a
outra é de ordem política. A primeira se baseia na absoluta necessidade de
tomarmos medidas para garantir um aumento da população branca antes da
abolição, para que as lavouras do país continuem produzindo. (....) A segunda
consideração diz respeito à conveniência política (....) poderíamos enfrentar a
crise e a oposição daqueles que se dedicam ao tráfico, mas não podemos, sem um
grau de risco que nenhum homem em sã consciência possa pensar em correr, tentar
no presente momento uma medida que iria indispor a totalidade da população do
interior (...) Se a abolição viesse para eles antes que estivessem preparados,
todo o país entraria em convulsão, de uma ponta a outra, e não há como calcular
as consequências para o governo ou para o próprio país”.
A
publicação desta Coleção do Brasil Imperial deve ser saudada como mais uma
iniciativa que intenta aproximar o público comum de trabalhos de pesquisa que
costumam estar adstritos às publicações ou revistas especializados,
especialmente no âmbito de programas de pós graduação das Universidades
Públicas do País. Esta coleção dirigida por Keila Grinberg e Ricardo Salles[1] ou
a Coleção Brasil Colonial[2]
organizada por João Fragoso e Maria Fátima Gouvêa se assemelham ao reunir
pesquisadores de universidade de todo país que perquiram temas tradicionais ou
candentes a partir das mais recentes descobertas da historiografia.
E trata-se aqui de um exercício notável
de diálogo entre a academia e o público leigo: sabe-se que as pesquisas em
nível de pós graduação primam pela especialização ou às vezes por certa ultra
especialização[3],
que podem ganhar em profundidade, mas perder em envergadura, impossibilitando
aferir os sentidos da história. Nesse aspecto, os artigos publicados ao grande
público são contextualizados. E mais: revelam como as pesquisas e os debates
mais recentes da historiografia colocam por terra muitas de algumas noções
consolidadas (às vezes em livros didáticos), seja por novas fontes e documentos
disponíveis, seja criticando interpretações anacrônicas, estas, por sinal,
bastante recorrentes no período do presente volume.
O 1808 demarca a vinda da
Família Real Portuguesa e 07 de Abril de 1831 data da abdicação de D. Pedro.
Alguns eventos da história, segundo alguns historiadores, podem ser analisados
por uma ótica de longa duração. É o caso da nossa Independência em face de Portugal
– celebrizada formalmente ao 7 de Setembro quando D. Pedro dá o grito de
Ipiranga.
Antes de se reduzir a
independência a um fato cronológico, hoje se discute a independência como um
processo de dimensões revolucionárias e como projeção histórica de longa
duração, perdurando para alguns desde a vinda de D. João, até a Aclamação de D.
Pedro e para outros, processo que se concluí com a abdicação.
De qualquer forma, alguns
cuidados são essenciais quando se discute o problema da independência: ao se
analisar as fontes, já no séc. XIX, com as tendências republicanas em voga, história
é passada por um filtro que tende a desmerecer o período em questão: a imagem
de um rei glutão e submisso (D. João VI) e uma não melhor opinião acerca da
família real criaram narrativas muito enviesadas do processo em curso; outro
desacerto é o do anacronismo, o erro de cronologia na análise da independência
do Brasil, que envolve tomar o marco da independência política como o do
nascimento, após longa gestação da nação brasileira. O que havia eram várias possibilidades
em jogo, bastando lembrar (1) A questão Cisplatina que estava em aberto. A
Província Cisplatina (atual Uruguai) ao tempo da Independência pertencia ao Brasil.
No tempo de D. Pedro I há um conflito no Rio da Prata que daria a Independência ao
Uruguai; (ii) Confederação do Equador, movimento de caráter republicano e separatista,
também revela a contingência da independência e possíveis desdobramentos.
O fato é que a independência
brasileira foi um processo bem sucedido desde o ponto de vista da conservação
dos interesses gerais das elites econômicas e políticas desde o Brasil - com a vinda da família real em 1808,
mudanças importantes ocorreram, como a abertura dos portos ao comércio com os
países amigos, pondo fim ao exclusivismo comercial, favorecendo em primeiro
lugar os comerciantes e de maneira geral os proprietários de capital. A própria
vinda da corte ao Rio de Janeiro promoveu importantes mudanças na cidade e no
país, com o desenvolvimento do mercado interno com o crescimento urbano, a
fundação da imprensa régia, fundação da Academia Real Militar, do Museu Real,
do Jardim Botânico, Missão de Artistas e de Naturalistas, criação da Casa da
Agricultura na Bahia e a elevação do Brasil a categoria Reino Unido de Portugal
Brasil e Algaveres em 1815, um reconhecimento formal do fim da condição colonial
brasileira.
A convocação das cortes de
Lisboa ocorre 30 de maio de 1820. As cortes propõem o fim do Antigo Regime, a
elaboração de nova constituição e o reestabelecimento de Portugal no interior do Império Luso Português. No
Brasil houve uma relativa margem de participação (para os moldes da época) para
eleição das Cortes de Lisboa. Excluídos do voto: pobres, escravos, serventes
domésticos, gente sem ocupação fixa e mulheres. Com direito de voto: grandes
proprietários, caixeiros, artesãos, lavradores, rendeiros, foreiros, empregados
públicos. Dentre os historiadores desta coleção parece não haver opinião
unívoca quanto a real intenção recolonizadora das cortes – mas esta foi a forma
como o entenderam os deputados brasileiros em Portugal. De volta ao Brasil consolida-se
sentimento de que há pretensão de Portugal em reverter estatuto do Brasil num
sentido de recolonização.
A decisão de D. Pedro não ceder às pressões das cortes naquele que ficou conhecido como o dia do Fico (9 de janeiro de 1822) precederia a data oficial da Revolução da Independência. A solução monárquica indica uma alternativa das elites para se evitar a guerra civil – vozes como a de Frei Caneca já propugnavam as ideias da revolução francesa e da independência americana provavelmente desde 1817. E numa rápida comparação com os resultados em face da América Espanhola, tais temores não eram infundados: do Brasil, 18 Capitanias Gerais da Colônia existentes em 1820 formaram um país (Excluindo a República da Cisplatina). Da América Espanhola, 4 vice Reinados e 4 Capitanias gerais dão origem a 17 países.
Como mencionado no início da
resenha, José Bonifácio manifesta medo da abolição do tráfico de escravos. Há o temor tanto
dos efeitos do fim do tráfico quanto da abolição e o medo da insurreição
africana: uma constante – a maior rebelião no séc. XIX foi a dos malês na Bahia.
O Brasil assina um Tratado de
Cessação do Tráfico de escravos Brasil-Inglaterra (1826), mas além de
resistência quanto à vigência da norma no país, o Brasil é negligente na
aplicação da lei, em que pese importantes pressões britânicas – longe de ser
humanitária, a cessão do tráfico para Inglaterra era parte de um projeto que
envolvia uma nova orientação de regime de trabalho assalariado em seus
domínios, que tivesse condão de criar um mercado consumidor para seus produtos
em face de suas distintas etapas da Revolução Industrial. Depois de pressão, apreensão
de navios e ameaças diplomáticas, a abolição definitiva no Brasil ocorre em
1850.
A partir de 1830 o aumento no
custo do escravo com tratados e leis de combate ao tráfico repercute nos custos
de produção e no aumento do valor das mercadorias – há mesmo o encarecimento e
o afunilamento das alforrias e detecta-se maiores movimentos de rebelião de
escravos no Brasil. Importante rebelião atingiu a família de grande Deputado -
Rebelião de Carrancas (ver abaixo). Além do temido Levante em São Domingos (Haiti),
houve levante de escravos em Guadalupe (1793), Curaçao (1795) e Santa Lucia
(1795).
O estudo do período Joanino e do
primeiro Reinado tem importante significado pela abrangência de temas e pelo
ponto de partido que 1808/1831 envolve para a história do Brasil – o início da
nacionalidade. Esta coleção trata desde discussões tradicionais, como a
emancipação política, a vinda da corte em 1808 e a Revolução dos Portos, até
questões novas, que carecem de maiores pesquisas, como a política indigenista
no séc. XIX, as rebeliões escravas do período e a Igreja no Brasil e sua
relação com os poderes seculares e com Roma nos primeiros anos do séc. XIX.
Ademais, é com a Independência
que surge pela primeira vez o problema da nação, certamente de modo distinto
que a questão é tratada pelos modernistas de 1930. O Brasil naquele período
ainda é um mosaico de províncias, não havendo uma unidade cultural ou
identidade brasileira que precedesse a constituição do estado, tal qual ocorre
nos países europeus de unificação nacional tardia como Itália e Alemanha. Mas
já há algo relacionado ao brasileiro, que diz respeito jus soli e às fronteiras
nacionais. A missão artística desde o Rio de Janeiro inicia trabalhos de
retrato de paisagens e costumes, enquanto espaços como o Jardim Botânico ou
mesmo o início da imprensa régio também ensejam os primeiros passos de um
país-nação. Trata-se portando o 1808-1831 de momento decisivo da história
nacional: o fim formal da colônia e o início de longo caminho na consolidação
do que se entende por Brasil e brasileiro.
VISTA DO RIO DE JANEIRO - THOMAS ENDER - pintor austríaco - Brasil Joanino - Séc. XIX
Revolta de Carrancas - MG - 1833 - Fazenda Campo Alegre - Propriedade do Barão de Alfenas - Deputado Gabriel Francisco Junqueira (Curato de São Thomé das Letras freguesia de Carrancas)
"No dia 13 de maio de 1833, o filho do deputado Junqueira, que tomava conta da propriedade, foi surpreendido e morto a pauladas por alguns escravos, liderados pelo africano Ventura Mina, enquanto fazia ronda na fazenda. Outros cativos da roça juntaram-se a Ventura e dirigiram-se à sede da propriedade. Percebendo-a guarnecida, rumaram para a Fazenda Bela Cruz. Com a adesão de escravos locais, cercaram e assassinaram todos os familiares do proprietário que lá se encontravam, no total de oito pessoas.
(....)
Depois de batidos, os sobreviventes (insurrectos) foram rapidamente julgados: 16 foram enforcados pelo crime de insurreição escrava, previsto no art. 107 do Código Criminal; seis sofreram penas de açoite e ferros de dois anos de galé". GINSBERG, K. BORGES, M. SALLES, R. "Rebeliões escravas antes da extinção do tráfico".
(....)
Depois de batidos, os sobreviventes (insurrectos) foram rapidamente julgados: 16 foram enforcados pelo crime de insurreição escrava, previsto no art. 107 do Código Criminal; seis sofreram penas de açoite e ferros de dois anos de galé". GINSBERG, K. BORGES, M. SALLES, R. "Rebeliões escravas antes da extinção do tráfico".
O Grito do Ipiranga - Pedro Américo - 1888 - "Na realidade, quando o príncipe regente proclamou - se é que o fez - o célebre Grito do Ipiranga, em 7 de setembro, que hoje se comemora como data nacional do Brasil, para a maioria dos contemporâneos a separação, ainda que parcial, já estava consumada. Esse episódio, aliás, não teve significado especial, não sendo sequer noticiado pela imprensa da época, exceto por breve comentário do jornal fluminense "O Espelho", datado de 20 de setembro. Tornava-se necessário oficializá-la, com a aclamação de d. Pedro como imperador constitucional do Brasil, ocorrida em 12 de Outubro, e a coroação, de 1º de dezembro - eventos, que iriam buscar estabelecer, em sentidos diferentes, os fundamentos do novo império". NEVES, Lúcia M. Bastos. "Estado e Política na Independência".
[1]
Ambos Doutores em Historia Social pela UFF e Professores da UNIRIO.
[2]
Ver Resenha: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2017/01/colecao-brasil-colonial-volume-i-1443.html
[3] O
que não deixa de implicar, tal recorte, numa opção teórico metodológica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário