segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

“O Brasil Imperial (Volume I – 1808 – 1831)” – Keila Grinsberg e Ricardo Salles (org.)

“O Brasil Imperial  (Volume I – 1808 – 1831)” – Keila Grinsberg e Ricardo Salles (org.)




Resenha Livro - “O Brasil Imperial  (Volume I – 1808 – 1831)” – Keila Grinsberg e Ricardo Salles (org.) – Ed. Civilização Brasileira

José Bonifácio e o Tráfico de Escravos (1823)
“Estamos totalmente convencidos da inadequação do tráfico de escravos (...) mas devo frisar candidamente que a abolição não pode ser imediata, e eu explicarei as duas principais considerações que nos levam a essa determinação. Uma é de ordem econômica e a outra é de ordem política. A primeira se baseia na absoluta necessidade de tomarmos medidas para garantir um aumento da população branca antes da abolição, para que as lavouras do país continuem produzindo. (....) A segunda consideração diz respeito à conveniência política (....) poderíamos enfrentar a crise e a oposição daqueles que se dedicam ao tráfico, mas não podemos, sem um grau de risco que nenhum homem em sã consciência possa pensar em correr, tentar no presente momento uma medida que iria indispor a totalidade da população do interior (...) Se a abolição viesse para eles antes que estivessem preparados, todo o país entraria em convulsão, de uma ponta a outra, e não há como calcular as consequências para o governo ou para o próprio país”.
                
A publicação desta Coleção do Brasil Imperial deve ser saudada como mais uma iniciativa que intenta aproximar o público comum de trabalhos de pesquisa que costumam estar adstritos às publicações ou revistas especializados, especialmente no âmbito de programas de pós graduação das Universidades Públicas do País. Esta coleção dirigida por Keila Grinberg e Ricardo Salles[1] ou a Coleção Brasil Colonial[2] organizada por João Fragoso e Maria Fátima Gouvêa se assemelham ao reunir pesquisadores de universidade de todo país que perquiram temas tradicionais ou candentes a partir das mais recentes descobertas da historiografia.

E trata-se aqui de um exercício notável de diálogo entre a academia e o público leigo: sabe-se que as pesquisas em nível de pós graduação primam pela especialização ou às vezes por certa ultra especialização[3], que podem ganhar em profundidade, mas perder em envergadura, impossibilitando aferir os sentidos da história. Nesse aspecto, os artigos publicados ao grande público são contextualizados. E mais: revelam como as pesquisas e os debates mais recentes da historiografia colocam por terra muitas de algumas noções consolidadas (às vezes em livros didáticos), seja por novas fontes e documentos disponíveis, seja criticando interpretações anacrônicas, estas, por sinal, bastante recorrentes no período do presente volume.

O 1808 demarca a vinda da Família Real Portuguesa e 07 de Abril de 1831 data da abdicação de D. Pedro. Alguns eventos da história, segundo alguns historiadores, podem ser analisados por uma ótica de longa duração. É o caso da nossa Independência em face de Portugal – celebrizada formalmente ao 7 de Setembro quando D. Pedro dá o grito de Ipiranga.

Antes de se reduzir a independência a um fato cronológico, hoje se discute a independência como um processo de dimensões revolucionárias e como projeção histórica de longa duração, perdurando para alguns desde a vinda de D. João, até a Aclamação de D. Pedro e para outros, processo que se concluí com a abdicação.

De qualquer forma, alguns cuidados são essenciais quando se discute o problema da independência: ao se analisar as fontes, já no séc. XIX, com as tendências republicanas em voga, história é passada por um filtro que tende a desmerecer o período em questão: a imagem de um rei glutão e submisso (D. João VI) e uma não melhor opinião acerca da família real criaram narrativas muito enviesadas do processo em curso; outro desacerto é o do anacronismo, o erro de cronologia na análise da independência do Brasil, que envolve tomar o marco da independência política como o do nascimento, após longa gestação da nação brasileira. O que havia eram várias possibilidades em jogo, bastando lembrar (1) A questão Cisplatina que estava em aberto. A Província Cisplatina (atual Uruguai) ao tempo da Independência pertencia ao Brasil. No tempo de D. Pedro I há um conflito no Rio da Prata que daria a Independência ao Uruguai; (ii) Confederação do Equador, movimento de caráter republicano e separatista, também revela a contingência da independência e possíveis desdobramentos.   

O fato é que a independência brasileira foi um processo bem sucedido desde o ponto de vista da conservação dos interesses gerais das elites econômicas e políticas desde o Brasil  - com a vinda da família real em 1808, mudanças importantes ocorreram, como a abertura dos portos ao comércio com os países amigos, pondo fim ao exclusivismo comercial, favorecendo em primeiro lugar os comerciantes e de maneira geral os proprietários de capital. A própria vinda da corte ao Rio de Janeiro promoveu importantes mudanças na cidade e no país, com o desenvolvimento do mercado interno com o crescimento urbano, a fundação da imprensa régia, fundação da Academia Real Militar, do Museu Real, do Jardim Botânico, Missão de Artistas e de Naturalistas, criação da Casa da Agricultura na Bahia e a elevação do Brasil a categoria Reino Unido de Portugal Brasil e Algaveres em 1815, um reconhecimento formal do fim da condição colonial brasileira.

A convocação das cortes de Lisboa ocorre 30 de maio de 1820. As cortes propõem o fim do Antigo Regime, a elaboração de nova constituição e o reestabelecimento de Portugal  no interior do Império Luso Português. No Brasil houve uma relativa margem de participação (para os moldes da época) para eleição das Cortes de Lisboa. Excluídos do voto: pobres, escravos, serventes domésticos, gente sem ocupação fixa e mulheres. Com direito de voto: grandes proprietários, caixeiros, artesãos, lavradores, rendeiros, foreiros, empregados públicos. Dentre os historiadores desta coleção parece não haver opinião unívoca quanto a real intenção recolonizadora das cortes – mas esta foi a forma como o entenderam os deputados brasileiros em Portugal. De volta ao Brasil consolida-se sentimento de que há pretensão de Portugal em reverter estatuto do Brasil num sentido de recolonização.

A decisão de D. Pedro não ceder às pressões das cortes naquele que ficou conhecido como o dia do Fico (9 de janeiro de 1822) precederia a data oficial da Revolução da Independência. A solução monárquica indica uma alternativa das elites para se evitar a guerra civil – vozes como a de Frei Caneca já propugnavam as ideias da revolução francesa e da independência americana provavelmente desde 1817. E numa rápida comparação com os resultados em face da América Espanhola, tais temores não eram infundados: do Brasil, 18 Capitanias Gerais da Colônia existentes em 1820 formaram um país (Excluindo a República da Cisplatina). Da América Espanhola, 4 vice Reinados e 4 Capitanias gerais dão origem  a 17 países.

Como mencionado no início da resenha, José Bonifácio manifesta medo da abolição do tráfico de escravos. Há o temor tanto dos efeitos do fim do tráfico quanto da abolição e o medo da insurreição africana: uma constante – a maior rebelião no séc. XIX foi a dos malês na Bahia.

O Brasil assina um Tratado de Cessação do Tráfico de escravos Brasil-Inglaterra (1826), mas além de resistência quanto à vigência da norma no país, o Brasil é negligente na aplicação da lei, em que pese importantes pressões britânicas – longe de ser humanitária, a cessão do tráfico para Inglaterra era parte de um projeto que envolvia uma nova orientação de regime de trabalho assalariado em seus domínios, que tivesse condão de criar um mercado consumidor para seus produtos em face de suas distintas etapas da Revolução Industrial. Depois de pressão, apreensão de navios e ameaças diplomáticas, a abolição definitiva no Brasil ocorre em 1850.  

A partir de 1830 o aumento no custo do escravo com tratados e leis de combate ao tráfico repercute nos custos de produção e no aumento do valor das mercadorias – há mesmo o encarecimento e o afunilamento das alforrias e detecta-se maiores movimentos de rebelião de escravos no Brasil. Importante rebelião atingiu a família de grande Deputado - Rebelião de Carrancas (ver abaixo). Além do temido Levante em São Domingos (Haiti), houve levante de escravos em Guadalupe (1793), Curaçao (1795) e Santa Lucia (1795).

O estudo do período Joanino e do primeiro Reinado tem importante significado pela abrangência de temas e pelo ponto de partido que 1808/1831 envolve para a história do Brasil – o início da nacionalidade. Esta coleção trata desde discussões tradicionais, como a emancipação política, a vinda da corte em 1808 e a Revolução dos Portos, até questões novas, que carecem de maiores pesquisas, como a política indigenista no séc. XIX, as rebeliões escravas do período e a Igreja no Brasil e sua relação com os poderes seculares e com Roma nos primeiros anos do séc. XIX.

Ademais, é com a Independência que surge pela primeira vez o problema da nação, certamente de modo distinto que a questão é tratada pelos modernistas de 1930. O Brasil naquele período ainda é um mosaico de províncias, não havendo uma unidade cultural ou identidade brasileira que precedesse a constituição do estado, tal qual ocorre nos países europeus de unificação nacional tardia como Itália e Alemanha. Mas já há algo relacionado ao brasileiro, que diz respeito jus soli e às fronteiras nacionais. A missão artística desde o Rio de Janeiro inicia trabalhos de retrato de paisagens e costumes, enquanto espaços como o Jardim Botânico ou mesmo o início da imprensa régio também ensejam os primeiros passos de um país-nação. Trata-se portando o 1808-1831 de momento decisivo da história nacional: o fim formal da colônia e o início de longo caminho na consolidação do que se entende por Brasil e brasileiro.


VISTA DO RIO DE JANEIRO - THOMAS ENDER - pintor austríaco - Brasil Joanino - Séc. XIX

Revolta de Carrancas - MG - 1833 - Fazenda Campo Alegre - Propriedade do Barão de Alfenas - Deputado Gabriel Francisco Junqueira (Curato de São Thomé das Letras freguesia de Carrancas)
"No dia 13 de maio de 1833, o filho do deputado Junqueira, que tomava conta da propriedade, foi surpreendido e morto a pauladas por alguns escravos, liderados pelo africano Ventura Mina, enquanto fazia ronda na fazenda. Outros cativos da roça juntaram-se a Ventura e dirigiram-se à sede da propriedade. Percebendo-a guarnecida, rumaram para a Fazenda Bela Cruz. Com a adesão de escravos locais, cercaram e assassinaram todos os familiares do proprietário que lá se encontravam, no total de oito pessoas.
(....)
Depois de batidos, os sobreviventes (insurrectos) foram rapidamente julgados: 16 foram enforcados pelo crime de insurreição escrava, previsto no art. 107 do Código Criminal; seis sofreram penas de açoite e ferros de dois anos de galé". GINSBERG, K. BORGES, M. SALLES, R. "Rebeliões escravas antes da extinção do tráfico".

O Grito do Ipiranga - Pedro Américo - 1888 - "Na realidade, quando o príncipe regente proclamou - se é que o fez - o célebre Grito do Ipiranga, em 7 de setembro, que hoje se comemora como data nacional do Brasil, para a maioria dos contemporâneos a separação, ainda que parcial, já estava consumada. Esse episódio, aliás, não teve significado especial, não sendo sequer noticiado pela imprensa da época, exceto por breve comentário do jornal fluminense "O Espelho", datado de 20 de setembro. Tornava-se necessário oficializá-la, com a aclamação de d. Pedro como imperador constitucional do Brasil, ocorrida em 12 de Outubro, e a coroação, de 1º de dezembro - eventos, que iriam buscar estabelecer, em sentidos diferentes, os fundamentos do novo império". NEVES, Lúcia M. Bastos. "Estado e Política na Independência".





[1] Ambos Doutores em Historia Social pela UFF e Professores da UNIRIO.
[3] O que não deixa de implicar, tal recorte, numa opção teórico metodológica. 

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