Resenha
Livro - “Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano” – Carlos Marighella
Carlos Marighella iniciou sua
militância na Bahia quando estudante de Engenharia em Salvador no ano de 1933 –
para ser mais exato, um ano antes, no contexto político da Era Vargas, já fora
preso em manifestação de rua. De qualquer forma, pode-se dividir sua trajetória
política em dois períodos: desde a sua adesão ao Partido Comunista Brasileiro,
organização em que granjeou posição dirigente, tendo participado da bancada
comunista da Assembleia Constituinte de 1946. E, posteriormente, o rompimento
com o PCB, a adesão à tática da guerrilha urbana no contexto da luta contra a
ditadura militar.
Com relação a este primeiro período de Marighella dentro do
PCB há uma boa fonte de textos e discursos do inimigo número um da ditadura
militar, trabalho publicado pela Fundação Dinarco Reis, ligada ao PCB[1]. Desde
a Constituinte (1946), os comunistas defendem as posições mais progressistas,
como a efetiva separação entre o Estado e a Igreja, o Ensino Laico e a
instituição do Divórcio. Como se sabe, o Partido Comunista Brasileiro teria
curta vida durante o Governo Dutra e seria proscrito sob o argumento de se
tratar de uma organização filiada à URSS.
O rompimento de Marighella com o PCB envolve dois fatos
políticos fundamentais: a Revolução Cubana (e a viagem do revolucionário baiano
aquele país em 1967) e a derrota das esquerdas em face do golpe militar de
1964. Por um lado a vitória da revolução de 1959 re-orientou uma parcela significativa
da militância de esquerda na América Latina acerca da viabilidade dos métodos
da guerrilha como forma de fazer frente à ditaduras apoiadas ou não pelo
imperialismo norte-americano. Levou ao ê xito
neste sentido uma Revolução na Nicarágua em 1979.
É certo que o Golpe Militar no Brasil contara com
participação direta de Washington, incluindo exercícios paramilitares de
direita e movimentações de frotas navais em caso de reação aos golpistas, de
modo que a via pacífica certamente seria um caminho sem êxito para se derrotar
uma Ditadura no coração da América Latina, sob a vigilância do imperialismo,
num contexto de Guerra Fria – e neste mini manual é reiterado o fato de que os
inimigos são não só os militares mas os imperialistas norte-americanos.
Por outro lado, a análise da co-relação de forças não levou
em consideração que o regime político dos militares encontrou relativa
estabilidade por meio de uma situação de crescimento econômico: já a ditadura
sanguinária de Batista em Cuba chegou a ser abandonada dada a sua
impopularidade pelos mesmos EUA conquanto a Guerrilha Urbana brasileira não
teve fôlego e força de mobilização para desgastar politicamente o regime militar que se
serviu de métodos de censura e repressão de forma eficaz. Sintomaticamente, é
com a entrada em cena da classe trabalhadora a partir das greves do ABC em 1978
que se vislumbra o início do fim do regime autoritário: as greves lançam as
bases para a re-organização dos movimentos sociais e de massa, já nos anos
1980, com mobilizações de massa em face da morte do Jornalista Herzog e do
operário Manuel Fiel Filho, da ampla campanha pela Lei de Anistia[2],
desde a fundação do Partido dos Trabalhadores e do Movimento pelas Diretas.
Quando de sua ruptura com o PCB, Marighella em sua carta de
desligamento suscita 3 argumentos essenciais: (i) reboquismo dos comunistas e
do proletariado à burguesia, ou a certa fração supostamente progressista da
burguesia, representada por Goulart, fato que se demonstra equivocado na
prática desde que esta burguesia transige e não reage ao golpe; (ii) confiança
no dispositivo militar diante de uma não compreensão marxista da natureza de
classes das forças armadas e de sua cúpula; ilusões de classe também
relacionadas à não compreensão do papel da burguesia nacional, o que leva o PCB
em dados momentos a apoiar políticos como Juscelino Kubitschek e o anti-comunista Marechal Lott.
Este Mini Manual foi escrito em
Junho de 1969, 5 meses antes da morte de Marighella. Trata-se literalmente de
um manual com instruções acerca das qualidades, das características, das
habilidades necessárias de um guerrilheiro urbano. Sua leitura traduz não só os
caracteres de uma militância disposta a sacrificar sua vida em nome da
Revolução Brasileira, mas sinaliza também algo sobre uma concepção política –
distinta dos tradicionais partidos comunistas – ancoradas na noção de ação direta,
propaganda através da violência revolucionária e expectativa de que a guerrilha
evolua no sentido de um exército revolucionário para a libertação nacional –
através da junção com o movimento revolucionário no campo.
O senso comum pode pensar que
basta coragem e uma profunda convicção política para aderir a uma causa
revolucionária e morrer pela revolução brasileira. O Mini-Manual expressa uma
concepção profissional de militantes revolucionários que remete à concepção de
Lênin – menos no sentido da construção de uma vanguarda, e mais no sentido de
militantes inteiramente dispostos, sem qualquer tipo de vacilação, com caráter
profissional de atuação:
“O guerrilheiro urbano somente
pode ter uma forte resistência física se treinar sistematicamente. Não pode ser
um bom soldado se não estudou a arte de lutar. Por esta razão o guerrilheiro
urbano tem que aprender e praticar vários tipos de luta, de ataque e de defesa
pessoal.
Outras formas úteis de
preparação física são caminhadas, acampar, e treinar sobrevivência na selva,
escalar montanhas, remar, nadar, mergulhar, pescar, caçar pássaros, e animais
grandes e pequenos.
É muito importante aprender a
dirigir, pilotar um avião, manejar um pequeno bote, entender mecânica, rádio,
telefone, eletricidade, e ter algum conhecimento das técnicas eletrônicas”.
O Brasil vive neste momento
uma conjuntura em que a intervenção dos militares já é uma realidade nos morros
e favelas do Rio de Janeiro. Só em 2017, 700 já foram mortos pela polícia no RJ[3].
Diante das bravatas do General Antônio Hamilton Mourão, do Sargento Roseno[4]
e Villa Boas, a possibilidade de um novo
regime militar transparece como uma realidade palpável.
Neste contexto, que lições
extrair dos movimentos revolucionários que combateram em armas a ditadura de
1964?
Desde já, sinalizamos que os
grupos não conseguiram desenvolver uma política que criasse lastro e se
massificasse, não colocou em cena a classe trabalhadora, com seu protagonismo e
métodos de luta, através das greves e ocupações de fábricas, sendo aqui
insubstituível um programa que envolva a construção de uma direção que dispute
efetivamente o poder. As Guerrilhas Urbanas se propunham, numa conjuntura
bastante difícil, “a exterminação física dos chefes e assistentes das forças
armadas e da polícia” e “a expropriação
dos recursos do governo e daqueles que pertencem aos grandes
capitalistas”. Não foram tão longe aqui quanto os próprios revolucionários
cubanos – em que pese terem promovido uma revolução de “fevereiro” em 1959 com
a derrubada de Batista, as próprias contradições da realidade engendraram em
alguns anos uma revolução de “outubro”. Havia no Movimento 26 de Julho uma
clareza política que ia além de se bater em assaltos e ações diretas com os
homens de Batista, mas uma guerrilha com fulcro em derrubar pelas armas Batista,
através de um amplo trabalho de propaganda desenvolvido pela Rádio Rebelde
desde a Sierra M. Qual seja a disputa pelo poder conjugada com a adesão popular ao movimento revolucionário, que se inicia como guerrilha rural.
Classe trabalhadora como
sujeito histórico e uma força política dirigente vocacionada à disputa ao poder
são elementos que precisam se colocados como premissa para uma atualização de
um novo projeto de enfrentamento com um regime ditatorial. Quanto às
qualidades, habilidades e características essenciais do Guerrilheiro Urbano,
Marighella elenca uma que nos parece essencial: ausência de vacilação, posição
decisiva, intransigência.
[1]
Ver Resenha: “Escritos de Marighella no PCB” – Milton
Pinheiro e Muniz Ferreira (ORG) – Coleção Biblioteca Comunista – Fundação
Dinarco Reis - http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/10/escritor-de-marighella-no-pcb-milton.html
[2] Em
que pese os resultados objetivos da campanha terem sido desvirtuados em favor
de torturadores e demais algozes, anistiados até hoje por meio da lei 6683/1979
[3]
Ver: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/10/04/rio-tem-mais-de-700-mortos-pela-policia-no-ano-pior-marca-desde-a-primeira-upp.htm
[4] Autor
da declaração: “Muitos Comunistas bandidos estão com medo porque sabem que a chibata vai comer
solta”
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