“O
Papel da Violência na História” – Friederich Engels
Resenha
Livro - “O Papel da Violência na História” – Friederich Engels – Tradução Eduardo
Chitas – Obras Escolhidas em três tomos – Editorial Avante!
Este manuscrito foi redigido por
Engels entre fins de Dezembro de 1887 e Março de 1888. Foi publicado pela
primeira vez na revista Die Neue Zeit nº 22-26 entre 1897-1896.
O
trabalho faz uma reflexão histórica sobre o processo de unificação tardia do
estado alemão conduzido pela Prússia, bem como os arranjos diplomáticos, guerras
e disposição das classes sociais em Europa ao longo do século XIX. Ao se
apropriar de uma orientação teórico metodológica baseada no materialismo histórico,
o relato não segue a orientação da velha história positivista dos Grandes
Eventos, linear e cronológica, mas antes, uma história dotada de sentido que se
perfaz a partir da luta encarniçada entre as classes sociais, num contexto em
que a burguesia – já desde de a Revolução Francesa de 1789 e das Revoluções de
caráter nacionalista, liberal e democrática de 1848 – granjeia posição de
classe dominante.
Em que pese Marx e Engels não terem
dedicado um trabalho específico acerca do que se pode referir como teoria ou filosofia
da história, são amplas as pistas que revelam o procedimento para uma teoria
crítica com vocação a apreender as contradições e a totalidade dos fenômenos do
passado desde o ponto de vista do materialismo histórico. Já na Ideologia Alemã
(1945), em sua polêmica em face do sistema filosófico idealista alemão e ao
materialismo contemplativo de Feuerbach, há indicação de que não são as ideias
que movem a história mas antes a base material de produção a partir da qual se
engendra as formas de sociabilidade, o estado e as ideias.
Assim
sintetiza Marx:
“Eis
portanto os fatos: indivíduos determinados com atividades produtivas segundo um
modo determinado entram em relações sociais e políticas determinadas. Em cada
caso isolado, a observação empírica deve demonstrar nos fatos, e sem nenhuma
especulação ou mistificação, a ligação entre a estrutura social e a política e
a produção. A estrutura social e o Estado nascem continuamente do processo
vital de indivíduos determinados; mas estes indivíduos não são tais como
aparecem na representação que fazem de si mesmos ou na representações que fazem
os outros deles, mas na sua existência real, isto é , tais como trabalham e
produzem materialmente: portanto, do modo como atuam em bases, condições e
limites materiais determinados e independentes de sua vontade".
Assim temos em A
Ideologia Alemã especialmente presente a ideia do materialismo histórico, o
combate ao idealismo da filosofia da história, de tipo especulativa, segundo a
qual a Ideia ou o Homem, movem as relações materiais. Entendem Marx e Engels já
em 1945 por outro lado que as relações entre os modos de troca e o
desenvolvimento determinado das forças produtivas é que ao longo da história
foram engendrando as representações da ideia, da noção do homem sobre si mesmo,
da religião ou mesmo do estado.
Poucos anos depois, no Prólogo de
Engels à Edição Alemã de 1883 do Manifesto Comunista, fica evidente dois
aspectos dentro do materialismo histórico: uma história dotada de sentindo e
mesmo uma orientação teleológica segundo a qual o caminho necessário do
desenvolvimento histórico caminha para uma polarização mais aguda entre
proletários e burgueses até uma resolução final.
“A produção
econômica e a estrutura social que necessariamente dela se deriva em cada época
histórica constituem a base sobre a qual descasa a história política e
intelectual dessa época...Portanto, toda a história da sociedade da sociedade,
desde a dissolução do regime primitivo de propriedade coletiva sobre o solo,
tem sido uma história de lutas de classes exploradoras e exploradas, dominantes
e dominadas, nas diferentes fases do desenvolvimento social. Agora esta luta
chegou a uma fase em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não
pode emancipar-se da classe que a
explora e a oprime (a burguesia), sem
emancipar ao mesmo tempo, para sempre, a sociedade inteira da exploração, da
opressão e da luta de classes”.
Importante
ressaltar que dentro desta ordem de ideias, as sucessões de modo de produção
desde o escravismo, feudalismo e capitalismo constituem a pré-história da
humanidade que em face da superação da sociedade cingida em classes sociais e
com o fim da propriedade privada (expressão jurídica da forma do capital)
revelaria o início da história propriamente dita.
O conceito de
determinação de que fala Althusser segundo o qual a totalidade das relações de
produção correspondente a determinado grau de desenvolvimento de forças
produtivas constitui a estrutura econômica da sociedade sob a qual se eleva uma
superestrutura jurídica/política e que engendra diferentes formas sociais de
consciência. Ou nas palavras de Marx, em “Contribuição da Crítica da Economia
Política”, não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário
é o seu ser social que determina sua consciência.
Em face destes
pressupostos teórico metodológicos, Marx e Engels redigiriam trabalhos sobre
história que irão se apropriar do materialismo histórico, buscando delimitar as
relações entre as mudanças correspondentes ao desenvolvimento das forças
produtivas, o gradual processo de sucessão dos meios de produção e os processos
políticos eivados de violência que corroboram para ascensão de novas classes
sociais no Poder.
O caso alemão é
considerado por suas particularidades neste “O Papel da Violência na História”:
sua unificação é tardia, sua classe burguesa é fraca politicamente, fazendo com
que o processo de conformação do estado nacional seja dirigido não por meios
burgueses mas pelo modo bonapartista cuja figura expoente de Bismarck e os
Junkers, nobreza ligada à grande propriedade de terra, é dirigente. Por outro
lado, a fragmentação do território alemão, com diferentes legislações
aduaneiras, diferentes moedas, diferentes tribunais e ausência de uma
nacionalidade que colocasse em proteção os mercadores no estrangeiro
inviabiliza o desenvolvimento econômico capitalista. A violência da Prússia ao
se constituir como estado unitário e sua participação em Guerras terá como
fundo o escopo de garantir a unidade nacional e franquear o desenvolvimento
capitalista:
“(...), era desejo
impetuoso do comerciante e do industrial práticos, a partir da necessidade
prática dos negócios, de varrer toda a velharia de pequenos estados transmitida
historicamente e que barrava o caminho à livre expansão do comércio e
indústria; de afastar toda fricção superficial que o negociante alemão tinha
primeiro de vencer no seu país se queria entrar no mercado mundial e a que eram
poupados todos os seus concorrentes. A unidade alemã tinha-se tornado uma
necessidade econômica”.
O que é salientado
aqui é que o meios autoritários e bonapartistas com que os Junkers implantaram
de certo modo o programa burguês de unidade nacional diz respeito a certa etapa
do capitalismo em que a ameaça vermelha do proletariado passa ser um perigo
real. Uma revolução com a participação do proletariado após a experiência de
1848 poderia, para usar uma expressão mais moderna, se desenvolver numa “revolução
permanente”, em especial no caso alemão, donde a burguesia corresponde a um
partido político frágil.
E quais as consequências
da unificação que nos fazem visualizar o enlace entre as exigências econômicas
e suas repercussões políticas e jurídicas para viabilizar a acumulação nesta
etapa de transição do feudalismo à modernidade em Alemanha?
“A Constituição da
Confederação subtraía as relações economicamente mais importantes à legislação
de cada Estado singular e remetia a sua regulamentação para a Confederação:
direito civil comum e livre circulação em todo o território da Confederação,
direito de domicílio, legislação sobre ofícios, comércio, alfândegas,
navegação, moedas, pesos e medidas, caminhos-de-ferro, canais, correio e telégrafos,
patentes, bancos, toda a política externa, consulados, proteção ao comércio no
estrangeiro, polícia médica, direito penal, processo judicial etc. A maioria
destes objetos foi ordenada por leis e, no conjunto, de modo liberal. E assim
foram finalmente eliminados – finalmente! – os piores abusos do sistema de
pequenos Estados, que o mais das vezes obstruíram o caminho, por um lado, ao desenvolvimento
capitalista, por outro, aos apetites prussianos de Dominação”.
Resta claro que a finalidade
da violência com expressão em Guerras como A Guerra da Criméia (1853-1856), ou
a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) denotam o frágil equilíbrio de poder
dentre as nações Europeias no séc. XIX e mais importante desdobramentos tardios
de lutas políticas de classes em que estavam em jogo interesses de
nacionalidades, autonomia local e consolidação tardia de Estados Nacionais –
conjuntura de ascensão da classe burguesa e por trás de si já a sombra de um
proletariado que irá se desenvolver a partir de partidos políticos
independentes já a partir de fins do século XIX.
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