“Lições de Sociologia do Direito” – Alysson Leandro
Mascaro
Resenha Livro - “Lições de Sociologia do Direito” –
Alysson Leandro Mascaro – Ed. Quartier Latin
“Acreditar que nada na sociedade precisa mudar, que a
injustiça social que aí está é atávica, que a pobreza existirá sempre, que o
trabalho será sempre explorado, enterramos a própria sociologia do direito, e,
de resto, enterramos também a razão de ser do jurista. A sociologia do direito
perecerá, porque ela só existe para poder exprimir que as injustiças são
sociais, e não da conta da natureza ou de Deus ou de qualquer atavismo. Ora,
tudo o que é social é contingente, mutável, aberto à transformação. E
enterramos a própria razão última de ser jurista porque, sendo pessoas
devotadas ao justo, ao constatarmos que a sociedade é profundamente injusta, se
renunciarmos à transformação renunciamos à nossa responsabilidade mais alta. O
mundo plenamente justo deve ser o ideal do jurista. Estudar a sociedade para
conhecer a fundo suas estruturas, e conhecer para transformar, esta é a razão
de ser da formação teórica do jurista”.
Como se sabe, no ensino jurídico brasileiro prevalece
o interesse pelas disciplinas ditas dogmáticas em detrimento das matérias zetéticas.
As primeiras dizem respeito ao direito em sua relação mais íntima com a norma
jurídica (direito civil, direito processual civil, direito penal, etc.), e
constata-se aqui a hegemonia da orientação do positivismo jurídico na formação
dos juristas, quase sempre relegando ao segundo plano reflexões
interdisciplinares do direito.
Sintomática é a designação da obra máxima de Hans
Kelsen, principal expoente do positivismo jurídico, “Teoria Pura do Direito”: constata-se
um esforço de delimitar o fenômeno jurídico da política, dos fatos sociais, de
sua conformação na história, de molde a criar uma ciência jurídica fincada nos
seus próprios pressupostos e escalonada desde a constituição partindo de uma
metafísica premissa, a Norma Fundamental, uma espécie de imperativo categórico
que não se encontro no mundo dos fatos mas que serve como justificativa lógico
formal em termos idealistas.
De uma certa maneira os próprios alunos ingressantes
nos cursos jurídicos acabam tendo interesse especial pelas matérias dogmáticas deixando
em segundo plano Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia do Direito ou
Sociologia do Direito. Necessidades da vida: quase todos estes alunos serão
examinados pelo Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que não buscará em
suas provas analisar a capacidade crítica dos bacharéis acerca das relações
entre estado, direito, poder e relações econômicas. Trata-se de provas que
envolvem leitura e memorização da letra de lei. Assim ganham montantes de
dinheiro cursinhos preparatórios semelhantes aos cursos para os vestibulares
que até preparam canções e “macetes” de memorização, como o famoso Telefone do
Direito Constitucional (3530-2118)[1].
Tais extravagancias revelam uma concepção de direito desvinculada de uma
orientação que tenha um olhar crítico do mundo, que revele as contradições da
sociedade cingida em classes e particularmente em face dos problemas sociais
brasileiros e latino-americanos. Este jurista médio em poucos dias após a aprovação
do concurso na OAB ou qualquer certame esquecerá o enorme volume de informações
decoradas, desde os atos privativos do advogado até as diferenças entre um substabelecimento
com ou sem reservas de poderes (o que numa atividade profissional prática
poderia ser atendido numa demanda a partir de uma simples consulta a um Vade
Mecum) e provavelmente irá reproduzir em sua vida profissional práticas
reiteradas sem ao menos cogitar acerca do problema do justo, dos vínculos entre
e literalidade da lei e a sua conformação na história tanto do Brasil quanto
particularmente do capitalismo, das imbricações entre o direito e o poder, das exorbitantes
arbitrariedades do próprio poder judiciário em países de periferia como o
Brasil, a despeito da lei e do Estado Democrático de Direito. Será mais um jurista
médio a reproduzir o senso comum.
É nestes marcos que esta obra do professor de
Filosofia da USP Alysson Leandro Mascaro ganha relevo. Trata-se de uma
compilação de suas aulas de sociologia ministradas na pós-graduação em Direito
do Mackenzie. Certamente, se já há dificuldades de romper os muros do
positivismo jurídico numa perspectiva de uma teoria crítica do direito, o que
envolve a revitalização das matérias zetéticas, dentre estas matérias é a
Sociologia do Direito, no Brasil, a que mais carece de desenvolvimento, em
especial no nível mais teórico.
O autor inicia o livro expondo que há duas maneiras
de se desenvolver um curso de Sociologia do Direito. O primeiro e mais difícil
se baseia na reflexão geral acerca do problema da sociedade e suas interfaces
com o direito: compreender sociologicamente o direito, considerando que a
sociologia enquanto disciplina autônoma é um fenômeno do século XIX desde
Durkheim, Marx e Webber. Uma segunda linha de estudos seria mais empírica e
aplicada a questões jurídicas, seja através dos estudos de políticas públicas e
o institucionalismo, as linhas de pesquisa que envolvem análises de criminalidade
e demais fatos sociais que darão embasamento para a formulação da legislação
penal, processual penal, etc. O livro de Mascaro segue a primeira orientação,
mas partindo da pré-sociologia a partir dos Gregos, já com Platão e
Aristóteles.
O que é mais interessante na leitura destas lições é
como a exposição sintética de cada pensador envolve as suas contribuições
específicas para pontos convergentes entre sociedade, direito, política e poder.
E nesta descrição há uma espécie de desenvolvimento histórico subjacente que
revela as contradições de classes, a conformação econômica de base, o modo de
produção de cada época histórica e os momentos de transição, seja a partir do renascimento,
dos estados absolutistas, da revolução francesa e posteriormente da revolução
russa, como chave explicativa materialista para se compreender cada autor e as
razões pela qual pensarem o mundo em seu
tempo e suas ideias ganharam relevo.
Por exemplo, acerca do renascimento:
“Se as ferramentas da explicação social medieval
levavam a crenças teológicas, agora, no início do capitalismo, é preciso repensar
a sociedade a partir das relações reais e efetivas que nela ocorrem. O comércio
e o lucro não se explicam mais a partir de velhas teologias. Assim sendo,
deu-se uma espécie de volta ao passado teórico, como forma de buscar um
trampolim melhor ao presente. Dante Alighieri, no final da Idade Média, retoma
algumas questões políticas da Idade Antiga e dos Clássicos. Maquiavel estudará
a política romana. Nesse mesmo tempo, em outra esfera intelectual – a literatura
-, Luís de Camões, em Os Lusíadas, não fala do santo medieval nem da figura do
Deus medieval, mas sim dos deuses clássicos e de sua mitologia. Daí chamar-se
esse movimento de renascentista, porque faz renascer as ideias do mundo
clássico greco-romano”.
Outrossim, em dado momento histórico Hobbes que
propugna a ficção do Contrato Social, a noção de que o homem é o lobo do homem
e um Estado Absolutista para criar as condições de sociabilidade humana, formulou
uma concepção histórica que atendia aos interesses da burguesia de unificação
dos Estados Nacionais em face da fragmentação política que caracteriza o
período medieval. Num segundo momento, o Iluminismo se insurgirá contra os
privilégios do Antigo Regime que exclui a classe burguesa em detrimento da
nobreza e da Igreja e outros pensadores se projetam como Voltaire e Rousseau - atacam o absolutismo e a noção de que o
monarca é um representante de Deus na Terra.
Teoria Crítica do Direito
Certamente, serão os autores associados à tradição
marxista aqueles que terão uma visão de longo alcance acerca do problema do
direito. Alysson Mascaro refere-se desde Marx e Engels, à Escola de Frankfurt
com importante crítica à razão instrumental que de certa forma dialoga com o
tipo de conhecimento jurídico mencionado no começo desta resenha; há menções há
autores do marxismo ocidental como Lukács e Bloch, um autor marxistas
heterodoxo com interesse ao direito, pouco conhecido no Brasil.
No que se refere ao Direito e Marxismo, pode-se falar
numa teoria crítica do direito, matéria inaugurada como disciplina optativa
eletiva na Faculdade de Direito da USP desde o 2º Semestre de 2016. Certamente
o materialismo histórico e dialético revelará a forma jurídica como uma forma
especificamente capitalista, derivada da forma mercantil. Pachukanis no
contexto da Revolução de 1917 em sua “Teoria Geral do Direito e Marxismo” levou
adiante um estudo em que se afere como o direito se revela não como mera
projeção superestrutural do modo de produção capitalismo, mas se encontra no
próprio DNA deste modo de produção:
“Uma crítica à
jurisprudência burguesa, do ponto de vista do socialismo científico, deve tomar
como modelo a crítica à economia política burguesa, como o fez Marx. Para isso
ela deve, antes de tudo, adentrar no território inimigo, ou seja, não deve
deixar de lado as generalizações e as abstrações que foram trabalhadas pelos
juristas burgueses e que se originaram de uma necessidade de sua própria época
e de sua própria classe, mas, ao expor a análise dessas categorias abstratas,
revelar seu verdadeiro significado, em outras palavras, demonstrar as condições
históricas da forma jurídica.”PASHUKANIS, Evguiéni B. “Teoria Geral do
Direito e Marxismo”. Boitempo Ed. Pg. 80.
No capitalismo, o trabalho converte-se em mercadoria
dando forma a uma sociabilidade específica (não mais escravagista e feudal).
Ganha expansão a noção jurídica de sujeito de direito a partir da qual pessoas
que se consideram livres e iguais entre si compram e vendem força de trabalho:
erige-se uma relação de equivalência entre produção e circulação que as fazem ,trabalhador
e burguês, serem tomados como sujeitos
de direito, ancorados a partir de um vínculo contratual garantido pelo Estado.
Vê-se aqui como há um refinamento teórico superior a uma certa escolástica de
uma leitura superficial de Marx[2]
que coloca o direito como mera projeção superestrutural da economia política,
mera configuração ideológica, etc.
A Sociologia do Direito desde a perspectiva crítica
deve se servir das ferramentas teórico metodológicas da Sociologia. Mesmo
conceitos fora do marxismo como “tipo ideal” de Webber ou as discussões sobre
micropoder de Foucault podem e devem ser apropriadas quando ajudam a esclarecer
a realidade ou criar melhores condições para agir e lutar.
As reflexões acerca da miséria da sociabilidade
capitalista e as possibilidades e horizontes no sentido de uma sociedade não
mais cingida em classes sociais, não mais baseada na propriedade privada da
riqueza, baseada na mais profunda igualdade, na justiça em sua totalidade, tal sociedade
almejada tem o nome, na nossa modesta opinião, de comunismo.
[1]
Correspondendo a idade mínima para elegibilidade conforme a Constituição
Federal. 35 anos Presidente, Vice-Presidente e Senador; 30 anos Governador e Vice-Governador;
21 anos para Deputado Federal e Estadual, Prefeito e Vice-Prefeito; 18 anos
Vereador
[2] Ver
“Contribuição à Crítica da Economia Política”. Marx, K. Ed. Expressão Popular.
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