terça-feira, 27 de junho de 2017

“Direito Internacional Penal: Imunidades e Anistias” – Cláudia Perrone – Moisés

“Direito Internacional Penal: Imunidades e Anistias” – Cláudia Perrone – Moisés



Resenha Livro - “Direito Internacional Penal: Imunidades e Anistias” – Cláudia Perrone – Moisés – Ed. Manole
                
Cláudia Perrone-Moisés é professora associada do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O tema de seu trabalho refere-se a um campo de pesquisa recente e de interesse bastante particular para o pensamento crítico do direito – em que pese a virtual ausência de reflexões dogmáticas do marxismo e direito para além das fronteiras da filosofia do direito e demais disciplinas conhecidas como Zetéticas.

Trata-se do Direito Internacional Penal, ramo do Direito Internacional Público que cuida dos crimes internacionais (atos que violam a ordem internacional pública) e cria jurisdição para o julgamento envolvendo chefes de estado ou mesmo agentes estatais envolvidos em crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de genocídio.
                
Como se sabe, Marx desenvolveu suas reflexões à luz do capitalismo desde a Era do Capital (Hobsbawm) – escreveu sua mais importante crítica da Economia Política, O Capital Volume I na década de 60 do Séc. XIX, fase ainda marcada pela expansão deste modo de produção pelo mundo, pela revolução industrial, pelos primeiros passos no sentido de organização partidária da classe trabalhadora, pelos princípios do liberalismo, da livre concorrência, da difusão da Revolução Industrial, pela urbanização e por uma forte crença no progresso universal das nações. Seria a partir de Lênin com sua análise do Imperialismo que outra etapa histórica do capitalismo surgiria. O que nos interesse aqui, o concerto das nações: uma mudança qualitativa da livre concorrência na conformação de monopólios e oligopólios, no neocolonialismo, na partilha da África e Ásia, da paz às guerras mundiais, nas palavras de Lênin, numa era de “crises, guerras e revoluções”.
                
Enquanto a contribuição de Lênin segue solenemente ignorada nas universidades, estas considerações preliminares devem servir como advertência desde já para as reflexões que exsurgem do desenvolvimento desta nova disciplina do Direito Internacional Público. O Direito Internacional Penal tem como origem remota o direito humanitário que remonta mais recentemente a guerras europeias do séc. XIX e buscava de certa forma conter condutas inaceitáveis em tempos de conflitos bélicos:  desenvolve-se como um Direito de Guerra, através de acordos e Convenções Internacionais cuidando dos métodos e meios de guerras tidos como intoleráveis pelo costume internacional como assassinatos, maus tratos, deportação para trabalho forçado da população civil nos territórios ocupados; execução de reféns; destruição sem motivo de bens públicos e cidades (que não se justifiquem assim por exigências militares).
                
Posteriormente, particularmente com o II pós guerra e Tribunal de Nuremberg conceitua-se os crimes contra a humanidade, os ataques sistemáticos  e generalizados contra a população civil, não necessariamente num momento de guerra. A grande novidade a partir de Nuremberg é que se antes os crimes de guerra constituíam meros ilícitos cometidos pelos Estados, em Nuremberg vislumbra-se a responsabilidade penal e individual de envolvidos através de Tribunais Ad Hoc – Em Nuremberg houve 12 condenados por enforcamento.  
                
Antes de adentrarmos mais a fundo aos problemas do livro, há de se ter sempre em mente que estamos diante de um ramo jurídico que está totalmente vinculado às relações de poder político e econômico dentre os estados – e não é necessária muita imaginação para tanto pensarmos nas possibilidades de se pensar na “lógica tradicional”  do direito internacional onde grassa a  soberania e a imunidade dos chefes de estado (pertinente em dada condição em defesa das nações oprimidas pelo imperialismo[1]); e por outro lado possibilidades inversas, adentrando na lógica de “Nuremberg” que reivindica a invalidade de leis de anistia em face dos crimes praticados durante as ditaduras militares do cone sul (sequestros, assassinatos, torturas, estupros, criação de esquadrões da morte, etc) e a prevalência do direito à verdade, à memória e ao luto de familiares e da sociedade: neste aspecto, a lógica de Nuremberg que proclama a ideia de interesses fundamentais e bens supremos que informam a comunidade das nações (a paz e a dignidade humana) são princípios perfeitamente coerentes com aqueles alçados por exemplo pela política externa dos bolcheviques quando, após a tomada do poder, postularam o fim da guerra e a confraternização dos trabalhadores e sua luta em face dos verdadeiros exploradores – em que pese a realidade tenha sido muito mais dura[2].  

Como postulava o marxista alemão E. Bloch, se os marxistas lutam pelo fim do Direito e das leis, seus sonhos diuturnos em direção à sociedade igualitária não teriam porque deixar de incorporar os princípios jurídicos da igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, etc. Só não o fazem quando tais princípios são letras mortas ou utilizados de forma oportunista, como nas operações imperialistas em países estrangeiros, subterfúgios para a guerra, o lucro e a espoliação.  

Como já dito as origens remotas do Direito Humanitário e do Direito Internacional Penal dizem respeito à Guerra: desenvolver-se-á especialmente no século XX, na Era dos Extremos (Hobsbawm), um curto século marcado por guerras, revoluções, ditaduras e violações de direitos humanos em escalas e proporções jamais vistas.

Um marco histórico importante é do ano de 1859 com Henri Dunant um cidadão suíço de passagem pela zona de hostilidade da Batalha de Solferino, envolvendo Itália, França e Áustria. H. D.  fica comovido e indignado com as condições dos feridos de guerra: 40 mil vítimas deixadas sem socorro  na zona de batalha. De volta à suíça, resolve escrever um relato do que presenciou, “Uma lembrança de Solferino” (1862). A partir daí surge a iniciativa de criar instituições de socorro com o serviços médicos militares bem como de se convocar uma conferência internacional com o objetivo de obter acordo dos Estados. Em 1863, Henri Dunant e outros cidadãos criam o Comitê Internacional de Socorro aos Militares Feridos, posteriormente batizado de Cruz Vermelha. E já em 1864 seria elaborada a Convenção de Genebra para a melhoria dos militares feridos, dando início à codificação do Direito Internacional da Guerra.


Há um salto qualitativo no Direito Internacional Penal com o Tribunal de Nuremberg e a tipificação dos Crimes contra a Humanidade.

Crimes contra a Humanidade foi uma construção específica do Tribunal de Nuremberg, ainda que já suscitada anteriormente na 1ª Guerra Mundial. Diante do ataque sistemático e generalizado contra a população civil, não haveria de se tratar aqui de crimes de guerra, mas de crimes em que se supõe em que a humanidade como um todo é vítima. Os Crimes contra a humanidade podem ou não ser cometidos em momentos de guerra: sequestros, torturas e assassinatos em larga escala foram perpetrados por ditaduras do cone sul ao longo dos anos 1960-80 e em geral criminosos anistiados, impossibilitando desde o direito à verdade, à memória e ao luto de familiares de perseguidos mortos pela repressão e a punição dos agentes estatais.  

O trabalho todavia da professora Cláudia Perrone parece demonstrar uma tendência de erosão do conceito tradicional de soberania e imunidades dos chefes de estado em face de um moderno Direito Internacional lastreado na Internacionalização dos Direitos Humanos. Todavia, algumas questões ficam em aberto. As leis de anistia de países da periferia estão sendo revisitadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pela ONU e em decisão de 2010 o Brasil foi julgado e sua Lei de Anistia foi julgada Inconvencional (incompatível com Pacto São José da Costa Rica ratificado pelo Brasil). A atuação do Direito Internacional Penal conjugada com o poder das ruas foi fundamental para a revogação das duas leis de Anistia na Argentina. Aqui se vislumbra possibilidades progressistas da lógica de Nuremberg. Mas existe uma contradição de fundo que deveria ser condicionada pelo poder econômico das grandes nações e sua força política na eventual responsabilização penal a partir de crimes internacionais penais. Pelos critérios acima elencados, Hiroshima e Nagasaki não poderiam deixar de ser considerados crimes de guerra ou mesmo crimes contra a Humanidade. Bush mentiu para a comunidade internacional acerca de armas de destruição em massa e matou 500 000 vidas para obter petróleo no Iraque. Hoje se sabe que os crimes perpetrados em conjunto pelas diversas ditaduras no Cone Sul tiveram apoio com inteligência, treinamento e mesmo logística dos EUA, resultando em milhares de mortos, torturados e desaparecidos. Alguém cogita que mesmo em razão de uma noção de cada vez mais compartilhada de “interesses fundamentais e bens supremos” pela “paz e dignidade humana” de interesse de toda a comunidade internacional, haverá um Tribunal para julgar os chefes de Estado dos EUA como os Tribunais Ad Hoc de Ruanda, Serra Leoa, Camboja  e Timor Leste?  





[1] A lógica de Lotus ou a Lógica de Nuremberg está a defender os direitos humanos não num plano abstrato mas a ser observar a realidade concreta de cada situação concreta. A intervenção imperialista norte americana na Síria, na Venezuela ou na Líbia não poderi vir desacompanhadas da retórica dos discursos de direitos humanos. Na luta contra o imperialismo, em defesa da economia nacional e da soberania, em dadas situações, a lógica de lótus pode perfeitamente ser mais progressista que a lógica de Nuremberg. Ou seja a defesa do direito internacional tradicional da soberania ou mesmo das imunidades de chefes de estado. 

[2] Tratado de Brest-Litovski - 1918


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