“Direito Internacional Penal:
Imunidades e Anistias” – Cláudia Perrone – Moisés
Resenha Livro - “Direito
Internacional Penal: Imunidades e Anistias” – Cláudia Perrone – Moisés – Ed.
Manole
Cláudia
Perrone-Moisés é professora associada do Departamento de Direito Internacional
e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O tema de seu
trabalho refere-se a um campo de pesquisa recente e de interesse bastante
particular para o pensamento crítico do direito – em que pese a virtual
ausência de reflexões dogmáticas do marxismo e direito para além das fronteiras
da filosofia do direito e demais disciplinas conhecidas como Zetéticas.
Trata-se
do Direito Internacional Penal, ramo do Direito Internacional Público que cuida
dos crimes internacionais (atos que violam a ordem internacional pública) e
cria jurisdição para o julgamento envolvendo chefes de estado ou mesmo agentes
estatais envolvidos em crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de
genocídio.
Como
se sabe, Marx desenvolveu suas reflexões à luz do capitalismo desde a Era do
Capital (Hobsbawm) – escreveu sua mais importante crítica da Economia Política,
O Capital Volume I na década de 60 do Séc. XIX, fase ainda marcada pela
expansão deste modo de produção pelo mundo, pela revolução industrial, pelos
primeiros passos no sentido de organização partidária da classe trabalhadora,
pelos princípios do liberalismo, da livre concorrência, da difusão da Revolução
Industrial, pela urbanização e por uma forte crença no progresso universal das
nações. Seria a partir de Lênin com sua análise do Imperialismo que outra etapa
histórica do capitalismo surgiria. O que nos interesse aqui, o concerto das
nações: uma mudança qualitativa da livre concorrência na conformação de
monopólios e oligopólios, no neocolonialismo, na partilha da África e Ásia, da
paz às guerras mundiais, nas palavras de Lênin, numa era de “crises, guerras e
revoluções”.
Enquanto
a contribuição de Lênin segue solenemente ignorada nas universidades, estas
considerações preliminares devem servir como advertência desde já para as
reflexões que exsurgem do desenvolvimento desta nova disciplina do Direito
Internacional Público. O Direito Internacional Penal tem como origem remota o
direito humanitário que remonta mais recentemente a guerras europeias do séc.
XIX e buscava de certa forma conter condutas inaceitáveis em tempos de
conflitos bélicos: desenvolve-se como um Direito
de Guerra, através de acordos e Convenções Internacionais cuidando dos métodos
e meios de guerras tidos como intoleráveis pelo costume internacional como assassinatos,
maus tratos, deportação para trabalho forçado da população civil nos
territórios ocupados; execução de reféns; destruição sem motivo de bens públicos e cidades (que não
se justifiquem assim por exigências militares).
Posteriormente,
particularmente com o II pós guerra e Tribunal de Nuremberg conceitua-se os crimes
contra a humanidade, os ataques sistemáticos
e generalizados contra a população civil, não necessariamente num
momento de guerra. A grande novidade a partir de Nuremberg é que se antes os
crimes de guerra constituíam meros ilícitos cometidos pelos Estados, em
Nuremberg vislumbra-se a responsabilidade penal e individual de envolvidos
através de Tribunais Ad Hoc – Em Nuremberg
houve 12 condenados por enforcamento.
Antes
de adentrarmos mais a fundo aos problemas do livro, há de se ter sempre em
mente que estamos diante de um ramo jurídico que está totalmente vinculado às
relações de poder político e econômico dentre os estados – e não é necessária
muita imaginação para tanto pensarmos nas possibilidades de se pensar na “lógica
tradicional” do direito internacional
onde grassa a soberania e a imunidade
dos chefes de estado (pertinente em dada condição em defesa das nações oprimidas
pelo imperialismo[1]);
e por outro lado possibilidades inversas, adentrando na lógica de “Nuremberg”
que reivindica a invalidade de leis de anistia em face dos crimes praticados
durante as ditaduras militares do cone sul (sequestros, assassinatos, torturas,
estupros, criação de esquadrões da morte, etc) e a prevalência do direito à
verdade, à memória e ao luto de familiares e da sociedade: neste aspecto, a
lógica de Nuremberg que proclama a ideia de interesses fundamentais e bens
supremos que informam a comunidade das nações (a paz e a dignidade humana) são
princípios perfeitamente coerentes com aqueles alçados por exemplo pela
política externa dos bolcheviques quando, após a tomada do poder, postularam o
fim da guerra e a confraternização dos trabalhadores e sua luta em face dos
verdadeiros exploradores – em que pese a realidade tenha sido muito mais dura[2].
Como postulava o marxista alemão
E. Bloch, se os marxistas lutam pelo fim do Direito e das leis, seus sonhos
diuturnos em direção à sociedade igualitária não teriam porque deixar de incorporar os princípios jurídicos da igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, etc. Só
não o fazem quando tais princípios são letras mortas ou utilizados de forma
oportunista, como nas operações imperialistas em países estrangeiros,
subterfúgios para a guerra, o lucro e a espoliação.
Como já dito as origens remotas
do Direito Humanitário e do Direito Internacional Penal dizem respeito à Guerra:
desenvolver-se-á especialmente no século XX, na Era dos Extremos (Hobsbawm), um
curto século marcado por guerras, revoluções, ditaduras e violações de direitos
humanos em escalas e proporções jamais vistas.
Um marco histórico importante é
do ano de 1859 com Henri Dunant um cidadão suíço de passagem pela zona de
hostilidade da Batalha de Solferino, envolvendo Itália, França e Áustria. H. D. fica comovido e indignado com as condições
dos feridos de guerra: 40 mil vítimas deixadas sem socorro na zona de batalha. De volta à suíça, resolve
escrever um relato do que presenciou, “Uma lembrança de Solferino” (1862). A
partir daí surge a iniciativa de criar instituições de socorro com o serviços
médicos militares bem como de se convocar uma conferência internacional com o
objetivo de obter acordo dos Estados. Em 1863, Henri Dunant e outros cidadãos criam
o Comitê Internacional de Socorro aos Militares Feridos, posteriormente
batizado de Cruz Vermelha. E já em 1864 seria elaborada a Convenção de Genebra
para a melhoria dos militares feridos, dando início à codificação do Direito Internacional da Guerra.
Há um salto qualitativo no
Direito Internacional Penal com o Tribunal de Nuremberg e a tipificação dos
Crimes contra a Humanidade.
Crimes contra a Humanidade foi
uma construção específica do Tribunal de Nuremberg, ainda que já suscitada
anteriormente na 1ª Guerra Mundial. Diante do ataque sistemático e generalizado
contra a população civil, não haveria de se tratar aqui de crimes de guerra,
mas de crimes em que se supõe em que a humanidade como um todo é vítima. Os
Crimes contra a humanidade podem ou não ser cometidos em momentos de guerra:
sequestros, torturas e assassinatos em larga escala foram perpetrados por
ditaduras do cone sul ao longo dos anos 1960-80 e em geral criminosos
anistiados, impossibilitando desde o direito à verdade, à memória e ao luto de
familiares de perseguidos mortos pela repressão e a punição dos agentes
estatais.
O trabalho todavia da professora
Cláudia Perrone parece demonstrar uma tendência de erosão do conceito
tradicional de soberania e imunidades dos chefes de estado em face de um
moderno Direito Internacional lastreado na Internacionalização dos Direitos
Humanos. Todavia, algumas questões ficam em aberto. As leis de anistia de
países da periferia estão sendo revisitadas pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos e pela ONU e em decisão de 2010 o Brasil foi julgado e sua Lei de Anistia
foi julgada Inconvencional (incompatível com Pacto São José da Costa Rica ratificado
pelo Brasil). A atuação do Direito Internacional Penal conjugada com o poder
das ruas foi fundamental para a revogação das duas leis de Anistia na
Argentina. Aqui se vislumbra possibilidades progressistas da lógica de
Nuremberg. Mas existe uma contradição de fundo que deveria ser condicionada
pelo poder econômico das grandes nações e sua força política na eventual
responsabilização penal a partir de crimes internacionais penais. Pelos
critérios acima elencados, Hiroshima e Nagasaki não poderiam deixar de ser
considerados crimes de guerra ou mesmo crimes contra a Humanidade. Bush mentiu
para a comunidade internacional acerca de armas de destruição em massa e matou
500 000 vidas para obter petróleo no Iraque. Hoje se sabe que os crimes
perpetrados em conjunto pelas diversas ditaduras no Cone Sul tiveram apoio com
inteligência, treinamento e mesmo logística dos EUA, resultando em
milhares de mortos, torturados e desaparecidos. Alguém cogita que mesmo em
razão de uma noção de cada vez mais compartilhada de “interesses fundamentais e
bens supremos” pela “paz e dignidade humana” de interesse de toda a comunidade
internacional, haverá um Tribunal para julgar os chefes de Estado dos EUA como
os Tribunais Ad Hoc de Ruanda, Serra Leoa, Camboja e Timor Leste?
[1] A lógica de Lotus ou a Lógica de Nuremberg está a
defender os direitos humanos não num plano abstrato mas a ser observar a
realidade concreta de cada situação concreta. A intervenção imperialista norte
americana na Síria, na Venezuela ou na Líbia não poderi vir desacompanhadas
da retórica dos discursos de direitos humanos. Na luta contra o imperialismo, em defesa da
economia nacional e da soberania, em dadas situações, a lógica de lótus pode
perfeitamente ser mais progressista que a lógica de Nuremberg. Ou seja a defesa do direito internacional tradicional da soberania ou mesmo das imunidades de chefes de estado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário