domingo, 1 de dezembro de 2013

“Estado, Ditadura do Proletariado e Poder Soviético” - Lênin


Resenha livro #89 “Estado, Ditadura do Proletariado e Poder Soviético” – Lênin – (Org. Antonio Roberto Bertelli) – Coleção Fundamentos Oficina de Livros

 


É muito oportuna a seleção e publicação destes escritos de Lênin relacionados à teoria da transição, aos problemas do estado soviético,  da ditadura do proletariado e das exigências colocadas pela conjuntura aos revolucionários que partiam das tarefas da tomada do poder propriamente dito (escritos antes de outubro de 1917), para a consolidação e sobrevivência do estado operário durante os anos da guerra civil (escritos entre outubro de 1917 e 1918) e os escritos posteriores, do período da NEP e da necessidade de se avançar no terreno da formação e educação (ideia da “revolução cultural” presente nos textos de Lênin entre 1921-23).

A doença impediria Lênin de escrever a partir de 1923 até sua morte em 1924.

Os textos presentes nesta coletânea são, na sua ordem cronológica: “A Catástrofe que nos ameaça e como Combatê-la” (escrito em setembro de 1917); “Poderão os bolcheviques manter o poder?” (escrito entre setembro e outubro de 1917); “Primeira versão do artigo ‘As tarefas imediatas do poder proletário’ (ditado em março de 1918); “As tarefas imediatas do poder soviético” (escrito em abril de 1918); Reunião do CEC de toda a Rússia – 29 de abril de 1918 (Informe sobre as tarefas imediatas do poder soviético); “Seis teses sobre as tarefas imediatas do poder soviético” (escrito em abril de 1918); “Infantilismo de ‘esquerda’ e a mentalidade pequeno burguesa (publicado em maio de 1918); “As eleições para a Assembleia nacional constituinte e a ditadura do proletariado” (publicado em dezembro de 1919); “O Imposto em espécie (a significação da nova política econômica e suas condições (publicado em maio de 1921); “Sobre o Cooperativismo” (publicado em maio de 1923); Como devemos reorganizar a Inspeção Operária e Camponesas (Proposição ao XII Congresso do partido) (publicado em Janeiro de 1923); e “Melhor pouco, porém melhor” (março de 1923).

É possível visualizar três momentos distintos nos textos, que correspondem mesmo a momentos diferentes da revolução russa. O que é particularmente interessante é que mesmo o tom, a forma como Lênin se expressa de alguma forma diz respeito também a diferentes humores daquela transição difícil que Lênin, lembrando Marx, lembra equivaler a um duro parto. Este “duro parto” ou a teoria da transição socialista é o grande tema de todos estes artigos reunidos.

Os dois primeiros, A Catástrofe que nos ameaça e como Combatê-la” (escrito em setembro de 1917) e “Poderão os bolcheviques manter o poder?” (escrito entre setembro e outubro de 1917) são os dois únicos escritos quando os bolcheviques não estavam no poder. Este esteve com Kerensky, apoiado pelos esseristas e mencheviques, durante a fase “democrático-burguesa” da revolução russa (iniciada em fevereiro de 1917). Os textos são escritos em tom de polêmica, o primeiro apontando o programa mínimo dos bolcheviques e o segundo aprofundando o tema anterior. Nesta contexto de combate de ideias prévio à tomada do poder pelos bolcheviques (o que envolvia fazer com que o proletariado e, posteriormente, as massas camponesas aderisse as ideias bolcheviques), Lênin elenca 6 argumentos utilizados contra os bolcheviques e o contra argumentará. Vamos citar alguns deles.

O primeiro argumento: “O proletariado está isolado das demais classes do país”. Lênin mostra com números que os bolcheviques já contavam então com a maioria nos sovietes de deputados, operários, soldados e camponeses, “com a maioria da pequena burguesia, tanto no que se refere ao problema da coalizão com a burguesia (as quais os bolcheviques se posicionam contra), como na entrega imediata das terras dos latifundiários aos comitês camponeses”. E o mesmo poderia ser acrescentado com relação ao problema da paz. Por defenderem o programa que mais correspondia aos anseios das massas, os bolcheviques tomariam o poder.  O fracasso do governo de coalizão certamente faria com que a massa dos camponeses cada vez mais passasse para o campo bolchevique, sendo certo que estes mesmos bolcheviques, sob a liderança de Lênin, nada mais fizeran do que oferecer a política apenas defendido na retórica pelos esseristas, qual seja, a nacionalização da terra e o confisco dos latifundiários.

Outros dados oferecidos aqui e em demais momentos nos textos de Lênin mostram como o mapeamento dos votos nos sovietes revelam as divisões de classe fundamentais na Rússia. Proletariado, burguesia e campesinato (pequeno-burguesia). O proletariado vota majoritariamente com os bolcheviques, mesmo antes de outubro. O partido da burguesia, dos latifundiários e dos elementos contra-revolucionários são os kadetes. O campesinato apoia os  esseristas mas, sob a já mencionada falência do governo de coalização, os camponeses seguirão a direção do proletariado na revolução russa, o que seria decisivo para sua vitória e sobrevivência. Concessões como a NEP e o imposto em espécie diziam respeito tanto à tática de aliança junto aos camponeses como à estratégia socialista, fazendo avançar  e criando cada vez melhores condições para o capitalismo de estado.

O segundo argumento utilizados pelos adversários do partido bolchevique é que “o proletariado está isolado das verdadeiras forças vivas da democracia”. Além de ridicularizar estas “frases mortas”, Lênin reitera que a tendência é de crescimento do apoio dos bolcheviques, justamente pela inércia do governo Kerensky, particularmente no tocante à manutenção da guerra.

O terceiro argumento é o de que o proletariado “não poderá tecnicamente apoderar-se do aparelho do Estado”. Lênin reconhece haver uma dificuldade em ensinar os trabalhadores a governar, mas bem lembra que o fato de ser difícil não faz com que os socialistas devam deixar de cumprir a tarefa de governar. É importante pontuar que neste momento Lênin está ainda próximo da perspectiva de seu “Estado e Revolução” do que estaria, por exemplo, nas suas análises dos anos 1920. Antes, o modelo de estado socialista em Lênin assemelha-se à Comuna de Paris, o que vem a ser, neste artigo, à defesa dos sovietes. Posteriormente, haverá um outro discurso, voltado à defesa do Capitalismo de Estado, a antessala necessária ao socialismo. (Dedicará uma polêmica inteira junto aos comunistas de esquerda e Bukharin acerca do capitalismo de estado). Vejamos o que diz Lênin: “O proletariado não pode ‘apoderar-se’ do aparelho do estado e ‘colocá-lo em marcha’. Porém, pode destruir tudo o que há de opressor , de rotineiro, de incorrigivelmente burguês no velho aparelho de estado, e substituí-lo por um    novo aparelho, próprio. Este aparelho são, precisamente, os soviets de deputados operários, soldados e camponeses.”.

Destacamos outra passagem bastante expressiva acerca do papel do estado em Lênin naquela conjuntura:

“O Estado é o órgão de dominação de uma classe. De que classe? Se é da burguesia, então é o Estado cadete-Kornilov-‘Kerensky’, que esteve ‘korniloviano e keresnkiano’ os operários da Rússia durante mais de seis meses. Se é do proletariado, se estamos falando de um estado proletário, isto é, da ditadura do proletariado, então, pode o controle operário se reverter no registro da produção e distribuição dos produtos por todo o povo, universal, onipresente, mais preciso e escrupuloso.

Esta é a dificuldade principal, a tarefa principal da revolução proletária, isto é, da revolução socialista. Sem os soviets esta tarefa seria, pelo menos para a Rússia,  impraticável.”

Será por este aporte segundo o qual a detenção rígida e inflexível do poder político pelo proletariado no estado operário parte das razões que Lênin mostrará para afastar as críticas à NEP, ao reestabelecimento do capitalismo em pequena escala, ao imposto em espécie e até mesmo à polêmica referente à contratação de técnicos capitalistas que irão colaborar e educar o proletariado a organizar a grande produção.

A organização da produção. Esta é a temática permanente do que poderíamos colocar como a segunda fase do pensamento leniniano evidenciado pelos textos, indo da “Primeira versão do artigo ‘As tarefas imediatas do poder proletário’ (ditado em março de 1918) até “As eleições para a Assembleia nacional constituinte e a ditadura do proletariado” (publicado em dezembro de 1919). Aqui o grande líder revolucionário chega a ser talvez repetitivo, ainda que deva sempre observar que os escritos do período são todos destinados a mais ampla circulação, sendo necessário o tom didático (mas nem por isso superficial) e acrescentaríamos até um certo doutrinarismo, com todas as reservas à utilização do termo, até porque pela própria posição política de Lênin, a última coisa que podemos é caracterizá-lo como dogmático. (Certamente foi um ortodoxo, que é coisa diferente). De qualquer forma, as questões de ordem colocadas por Lênin são: montar um aparato de registro e controle da produção de forma a punir severamente a especulação e restabelecer disciplina e autodisciplina dentro do trabalho, o que se explica pela enorme devastação da Rússia naqueles anos em que acumulou guerra mundial, revolução e guerra civil. A cidade e o campo estão assolados pelo espectro da fome, sendo essencial organizar imediatamente a produção, fazer com que o estado operário resista, se estabeleça como uma trincheira, tirando proveito da divisão inter-imperialista que implicou numa pequena trégua. Esta trégua precisa ser aproveitada, voltando o país para a organização do trabalho. Desenvolver a capacidade técnica, reorganizar os transportes, construir cooperativas e unificá-las, mesmo junto às burguesas. Aplicar trabalho obrigatório, inicialmente para os ricos. E aproveitar os técnicos capitalistas, na medida em que o socialismo depende das mais modernas técnicas de produção capitalista.

Finalmente, poderíamos identificar uma terceira e última fase, que vai de “O Imposto em espécie (a significação da nova política econômica e suas condições (publicado em maio de 1921) e “Melhor pouco, porém melhor” (março de 1923). Aqui, uma mudança qualitativa diz respeito ao olhar de Lênin e dos bolcheviques para a situação internacional. Se no período anterior predominam menções no sentido de que a revolução nos país capitalistas avançados estaria em marcha e em pouco tempo tomaria corpo, criando melhores condições para a revolução russa, já nos anos 1920, percebe-se que o movimento revolucionário desloca-se do continente europeu para o oriente. A China e a Índia começam a dar sinais de mobilização revolucionária enquanto nos países avançados o imperialismo dá sobrevida ao capitalismo.

Há um tom mais amargurado nestas últimas intervenções de Lênin. A franqueza com que ele descreve o que é o estado russo naquele ano não encontra igual em nenhum chefe de estado na história – o que realça a grandeza de Lênin como dirigente. Lênin diz: “Nosso aparelho estatal é até tal ponto deplorável, para não dizer detestável, que primeiro devemos refletir profundamente de que modo lutar contra duas deficiências, recordando que estas deficiências advêm do passado, que, apesar de ter sido radicalmente mudado, não foi superado, não chegou à etapa de uma cultura que ficou num passado distante”.

Lênin passa a insistir aqui numa revolução cultural que eduque os operários, eleve a civilização russa, prepare a nova classe dominante, para a produção e para as atividades no estado e no partido. Lênin defende rigorosos exames de admissão para postos de chefias, envolvendo conhecimento sobre organização do trabalho e instituições políticas soviéticas. Defende que os melhores quadros vão às províncias nos interiores – as vezes são mais úteis lá do que em algum centro burocrático. Defende melhores salários pera técnicos mais bem preparados como medida transitória. A necessidade de criar bons exemplos são ressaltadas, já que a nova sociedade exigia novos homens. Quando falávamos que há um tom mais amargo nos últimos textos de Lênin, há de se colocar que este tom é sutil. E sempre em seus textos, como parte de uma convicção política interior, Lênin esteve longe de trabalhar para desmotivar seus leitores. Mesmo nos tempos mais difíceis, esforçava-se mostrar otimismo com relação ao futuro. Tinha compromisso com a certeza da vitória.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário