terça-feira, 24 de dezembro de 2013

“Como Mudar o Mundo - Marx e o Marxismo” – Eric Hobsbawm

Resenha Livro #94 “Como Mudar o Mundo - Marx e o Marxismo” – Ed. Companhia das Letras



Esta coletânea de ensaios do historiador britânico e marxista Eric Hobsbawm abrange basicamente toda a evolução do pensamento de Marx e dos seus mais distintos seguidores, partindo-se das críticas contemporâneas ao autor e seu colega F. Engels, até as perspectivas oferecidas a esta corente de pensamento a partir da crise capitalista de 2008. São ao todo 16 ensaios e há sequência cronológica na exposição.

Assim, a Parte I aborda a produção intelectual e a atividade política de Marx e Engels, partindo das elaborações teóricas de socialistas anteriores aos fundadores do socialismo científico. O socialismo pré-marxiano, ou utópico, foi não só combatido mas também de uma certa forma agregado às teorias de Marx/Engels. Basta lembrar que algumas ideias que ganhariam contorno decisivo em ambos já eram, todavia, discutidas nos círculos socialistas ou mesmos jacobinos decorrentes da revolução francesa: luta de classes e comunismo não são termos criados por Marx. Os socialistas utópicos, em especial os franceses, eram interlocutores importantes e serviam como fontes.

Ainda na parte 1 há um ensaio destinado a apresentar o livro de Engels – “A Situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, uma obra pioneira tanto em seu objeto de estudo quanto em seu método de análise. Engels escreveu este livro com 26 anos: a eventual pouca experiência de vida tinha como contrapartida a experiência prática de Engels como empresário de uma das filias de empresa de seu pai na Inglaterra. Hobsbawm destaca que Marx serviria se posteriormente dos conhecimentos de Engels com relação à situação dos trabalhadores para as suas obras de crítica ao capital. A chamada acumulação primitiva promovera alterações sociais radicais na Inglaterra, a partir dos “cercamentos”, a expulsão e migração dos camponeses para as cidades. Havia perseguição oficial e leis de combate à “vadiagem”, restando como alternativa aos proletários empregarem-se na nova indústria, em condições de super-exploração. Marx de forma pioneira destacou o chamado exército de reserva, uma quantidade de força de trabalho excedente como um dado essencial do capitalismo – uma pressão no sentido de manter a super-exploração e conter inclusive reivindicações frente ao temor do desemprego. Outros capítulos da parte 1 tratarão da importância do Manifesto Comunista de 1848, a descoberta dos textos inéditos conhecidos como “Grundrisse”, o debate sobre as formações pré-capitalistas, destacando-se os elementos de especificidade histórica do capitalismo bem como discutindo e buscando responder à pergunta: como e porque o feudalismo transformou-se na Europa em capitalismo?

A parte 2 dos ensaios de Hobsbawm refere-se ao marxismo, às distintas correntes políticas que de uma forma ou de outra poderiam ser caracterizadas como “marxistas” e a sua evolução na história, o que, diga-se de passagem, varia muito em função do lugar, havendo, via de regra, tendências distintas nos centros capitalistas mais avançados, nos países do bloco soviético e no chamado “terceiro mundo”.

Há aqui uma diferenciação importante: uma coisa é a corrente marxista e outra é a história do movimento operário. Nem sempre estas duas histórias coincidiam, bastando lembrar-se do caso brasileiro, em que, dos primeiros anos do séc. XX até 1922, os sindicatos eram hegemonizados pelos anarquistas. Pois destacando a diferença entre o marxismo enquanto corrente de pensamento e ação política e o movimento operário, Hobsbawm irá abordar os dois momentos, o da formulação teórica, da disseminação do marxismo nas universidades europeias, da influência da ortodoxia oficial e outros aspectos ligados à tradição teórica do marxismo, e ao mesmo tempo buscando fazer o diálogo entre as distintas fases do pensamento com o contexto sócio-político-econômico. Um momento onde estas duas trajetórias possuem muitas interfaces corresponde ao conhecido “Maio de 1968”. Trata-se de um movimento de contestação às ortodoxias teóricas – acentuadas após as denúncias do stalinismo no XX Congresso do PCU - e se apoia num momento de revisão do marxismo, como Marcuse, um autor que marcaria especificamente aquela geração.

Dentre as distintas frações do marxismo que se desenvolveram formalmente na história, como o leninismo, o stalinismo, o trotskysmo, Hobsbawm dedicará um capítulo a um autor particularmente importante e que ele (Hobsbawm) julga ser leninista: A. Gramsci. Em linhas gerais a importância fundamental de Gramsci reside na teorização política. Ainda que Marx tivesse escrito muito sobre política, não há uma sistematização mais ou menos ordenada em Marx em torno de uma teoria política que responda: o que é o estado? O que é o direito? Qual a relação entre estado e classe (ou sociedade civil e sociedade política)? Qual são os meios de manutenção de poder do estado? Dentro desta teorização, alguns conceitos chave passariam a integrar o linguajar comum das ciências sociais – inclusive em não marxistas – como ideias de hegemonia, intelectual orgânico, guerra de movimentos e guerra de posição.


Quanto a Hobsbawm, seus ensaios são bastante embasados e expressam vasto conhecimento, notório por não se reduzir ao mundo Anglo-Saxão. O Brasil aparece em dois momentos no livro: Carlos Nelson Coutinho é citado no artigo sobre Gramsci e Hobsbawm destaca a emergência do PT nos anos 1980 como exceção à tendência de refluxo do marxismo que marca o período de 1983-2000. A leitura, poderíamos concluir, é de um nível médio ou mesmo difícil para quem não conhece os textos principais de Marx e Engels ou os episódios mais importantes da história do movimento comunista. Para quem está iniciando seus estudos sobre Marx e o marxismo, recomenda-se a leitura desta profunda e vasta obra num momento posterior.        

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