terça-feira, 17 de dezembro de 2013

“História Sincera da República” – Leôncio Basbaum


Resenha Livro #93 “História Sincera da República: das origens a 1989” – Leôncio Basbaum  – Edições LB


Tivemos acesso ao primeiro volume da “História Sincera da República”, correspondendo ao período que vai da nossa colonização até a queda do Império e proclamação da República em 1889. O segundo volume abrange todo o período da República Velha (1889-1930) e o último tombo vai da revolução de 1930 ao ano de 1960. O primeiro tombo foi redigido por Basbaum em 1954.

Leôncio Basbaum nasceu no Recife em 1907, formou-se médico e também se dedicou ao estudo da realidade brasileira. Foi membro do Partido Comunista Brasileiro e deve ser reconhecido com um dos precursores intérpretes da história do Brasil desde o ponto de vista marxista.

Segundo o autor, dois são os seus objetivos de estudo no primeiro tombo da “História”: (i) encontrar os fundamentos históricos – econômicos, políticos e sociais – da república brasileira e, com eles, a origem do nosso atraso histórico; (ii) a história da implantação da república partindo-se de suas causas.

Ao adjetivar sua história como “sincera”, o autor revela buscar essencialmente a superação de alguns mitos que vinham sendo mantidos pela historiografia tradicional. Mitos relacionados ao engrandecimento de figuras medíocres da elite política ou esquecimento injusto de movimentos de resistência, a começar pelos quilombos.

Tratava-se assim de uma crítica avançada a seu tempo, feita por um estudioso que se colocava pioneiramente na função de buscar analisar os fundamentos sócio-econômicos que delinearam a evolução histórica brasileira, para além dos assim denominados “grandes eventos”. O fato político correspondente à proclamação da república, por exemplo, não pode, isoladamente, explicar as razões do fim do Império, as transformações necessárias engendradas por mudanças de fundo, relacionadas às relações de produção, que geraram a queda da monarquia. Além das chamadas questões religiosas e militares, certamente foi a questão da emancipação do escravo a questão de fundo da proclamação da república.

O 15 de novembro não contou com participação popular, se é que é possível falar em “povo brasileiro” quando a abolição da escravatura mal completava um ano. O que queremos chamara atenção aqui é que a metodologia materialista-dialética esposada pelo autor criará condições para buscar o sentido dos eventos históricos para além das suas manifestações aparentes, o que vinha sendo a regra dos nossos historiadores que, conforme Basbaum, faziam de sua história oficial nada mais do que a história da nossa classe dominante.

Entretanto, é necessário apontar também algumas limitações neste vasto panorama da história do Brasil. Ao analisar nossa estrutura econômico-social, Basbaum ainda mostra-se preso a certo esquematismo teórico, tão bem criticados por Caio Prado Jr. em seu “Revolução Brasileira”. Este esquematismo se revela mesma na dificuldade de justa caracterização das relações sociais da colônia justamente por estar ainda muito vinculado a um modelo teorizado pelos marxistas para a realidade europeia, distinta do Brasil. Falamos aqui da caracterização das relações de produção no campo como de tipo feudal, ainda que Basbaum reconheça tratar de um feudalismo associado ao capitalismo comercial. De outro modo, os senhores de engenho não deveriam ser equiparados aos senhores feudais europeus, mesmo porque a nossa mão de obra foi durante quase 400 anos de tipo escravocrata.

O que faltou a Basbaum e que seria na verdade remediado com Caio Prado Jr. na obra supracitada e em “Formação do Brasil Contemporâneo” foi justamente captar as especificidades do modelo brasileiro, em todo inadequado ao conceito de feudalismo.

Esta dificuldade em captar a nossa especificidade se revela logo no início do ensaio de Basbaum, quando este se pergunta: o que ocorreu de diferente entre o povoamento e colonização na América do Norte e no Brasil para que a primeira se lançasse a partir do fim da 1ª Guerra Mundial como potência econômica enquanto o Brasil ainda era um país agrário, pouco industrializado e pobre, mesmo em meados do séc. XX. A resposta dada por Basbaum é: a presença nos EUA e ausência no Brasil de um mercado interno. Ainda que Basbaum delineie alguns elementos que implicaram nesta diferenciação, dentre eles se destacando os meios empregados e a forma como se deu a colonização nos dois países, parece-nos que a resposta ainda é insatisfatória. Afinal, dizer que há ou não um mercado interno deve dar lugar aos fatores que engendraram tal situação. E aqui, mais uma vez, vem a tese de Caio Prado Jr. e o seu “sentido da colonização”: no norte, tratava-se predominantemente de um sentido de povoamento, criando maior espaço para a pequena propriedade a partir da qual se cria paulatinamente um mercado interno; no sul, tratava-se predominantemente de um sentido de colonização voltada ao fornecimento de insumos para o mercado europeu, inicialmente o pau-brasil, depois o açúcar, o algodão, o ouro e o café. Tratou-se de uma economia que se apoia no trabalho escravo, na grande propriedade rural, na monocultura e, até pelo menos a vinda da família imperial em 1808, no exclusivismo comercial, todos estes elementos conspirando contra a criação de um mercado interno de consumo e industrialização.

Em que pese alguns esquematismos e algumas considerações de validade discutível (como quando Basbaum alega não terem havido dentre os escritores brasileiros do séc. XIX maiores preocupações com a escravidão, mesmo com Castro Alves e também Machado de Assis) a “História Sincera da República” certamente tem mais elementos favoráveis a sua leitura do que contrários, no sentido de mantê-la esquecida sob as prateleiras das bibliotecas. Trata-se, como falamos, de uma proposta de análise marxista do nosso passado, o que compreende o estudo não apenas dos grandes eventos do calendário nacional, mas os elementos que sustentam e fundam nossa história, as classes sociais e as suas interações, as relações de produção e de propriedade predominantes e o aparato superestrutural (instituições políticas, judiciárias, administrativas, a cultura, as artes, a religião, etc.) que é criado durante os anos que vão do descobrimento à proclamação da república.

Tivemos acesso a uma edição comemorativa do cinquentenário da morte de Quitino Bocayuva de 1962. Não temos notícias de edições mais recentes deste interessantíssimo relato de nossa história social, econômica e política.

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