Resenha Livro #93 “História Sincera da República: das origens a 1989” –
Leôncio Basbaum – Edições LB
Tivemos acesso ao primeiro volume
da “História Sincera da República”, correspondendo ao período que vai da nossa
colonização até a queda do Império e proclamação da República em 1889. O
segundo volume abrange todo o período da República Velha (1889-1930) e o último
tombo vai da revolução de 1930 ao ano de 1960. O primeiro tombo foi redigido
por Basbaum em 1954.
Leôncio Basbaum nasceu no Recife
em 1907, formou-se médico e também se dedicou ao estudo da realidade
brasileira. Foi membro do Partido Comunista Brasileiro e deve ser reconhecido
com um dos precursores intérpretes da história do Brasil desde o ponto de vista
marxista.
Segundo o autor, dois são os seus
objetivos de estudo no primeiro tombo da “História”: (i) encontrar os
fundamentos históricos – econômicos, políticos e sociais – da república
brasileira e, com eles, a origem do nosso atraso histórico; (ii) a história da
implantação da república partindo-se de suas causas.
Ao adjetivar sua história como “sincera”,
o autor revela buscar essencialmente a superação de alguns mitos que vinham
sendo mantidos pela historiografia tradicional. Mitos relacionados ao engrandecimento
de figuras medíocres da elite política ou esquecimento injusto de movimentos de
resistência, a começar pelos quilombos.
Tratava-se assim de uma crítica
avançada a seu tempo, feita por um estudioso que se colocava pioneiramente na
função de buscar analisar os fundamentos sócio-econômicos que delinearam a
evolução histórica brasileira, para além dos assim denominados “grandes eventos”.
O fato político correspondente à proclamação da república, por exemplo, não
pode, isoladamente, explicar as razões do fim do Império, as transformações
necessárias engendradas por mudanças de fundo, relacionadas às relações de
produção, que geraram a queda da monarquia. Além das chamadas questões
religiosas e militares, certamente foi a questão da emancipação do escravo a
questão de fundo da proclamação da república.
O 15 de novembro não contou com
participação popular, se é que é possível falar em “povo brasileiro” quando a
abolição da escravatura mal completava um ano. O que queremos chamara atenção
aqui é que a metodologia materialista-dialética esposada pelo autor criará
condições para buscar o sentido dos eventos históricos para além das suas
manifestações aparentes, o que vinha sendo a regra dos nossos historiadores
que, conforme Basbaum, faziam de sua história oficial nada mais do que a
história da nossa classe dominante.
Entretanto, é necessário apontar
também algumas limitações neste vasto panorama da história do Brasil. Ao
analisar nossa estrutura econômico-social, Basbaum ainda mostra-se preso a
certo esquematismo teórico, tão bem criticados por Caio Prado Jr. em seu “Revolução
Brasileira”. Este esquematismo se revela mesma na dificuldade de justa
caracterização das relações sociais da colônia justamente por estar ainda muito
vinculado a um modelo teorizado pelos marxistas para a realidade europeia,
distinta do Brasil. Falamos aqui da caracterização das relações de produção no
campo como de tipo feudal, ainda que Basbaum reconheça tratar de um feudalismo
associado ao capitalismo comercial. De outro modo, os senhores de engenho não
deveriam ser equiparados aos senhores feudais europeus, mesmo porque a nossa
mão de obra foi durante quase 400 anos de tipo escravocrata.
O que faltou a Basbaum e que
seria na verdade remediado com Caio Prado Jr. na obra supracitada e em “Formação
do Brasil Contemporâneo” foi justamente captar as especificidades do modelo
brasileiro, em todo inadequado ao conceito de feudalismo.
Esta dificuldade em captar a
nossa especificidade se revela logo no início do ensaio de Basbaum, quando este
se pergunta: o que ocorreu de diferente entre o povoamento e colonização na
América do Norte e no Brasil para que a primeira se lançasse a partir do fim da
1ª Guerra Mundial como potência econômica enquanto o Brasil ainda era um país
agrário, pouco industrializado e pobre, mesmo em meados do séc. XX. A resposta
dada por Basbaum é: a presença nos EUA e ausência no Brasil de um mercado
interno. Ainda que Basbaum delineie alguns elementos que implicaram nesta
diferenciação, dentre eles se destacando os meios empregados e a forma como se
deu a colonização nos dois países, parece-nos que a resposta ainda é
insatisfatória. Afinal, dizer que há ou não um mercado interno deve dar lugar
aos fatores que engendraram tal situação. E aqui, mais uma vez, vem a tese de
Caio Prado Jr. e o seu “sentido da colonização”: no norte, tratava-se
predominantemente de um sentido de povoamento, criando maior espaço para a
pequena propriedade a partir da qual se cria paulatinamente um mercado interno;
no sul, tratava-se predominantemente de um sentido de colonização voltada ao
fornecimento de insumos para o mercado europeu, inicialmente o pau-brasil,
depois o açúcar, o algodão, o ouro e o café. Tratou-se de uma economia que se
apoia no trabalho escravo, na grande propriedade rural, na monocultura e, até
pelo menos a vinda da família imperial em 1808, no exclusivismo comercial,
todos estes elementos conspirando contra a criação de um mercado interno de
consumo e industrialização.
Em que pese alguns esquematismos
e algumas considerações de validade discutível (como quando Basbaum alega não
terem havido dentre os escritores brasileiros do séc. XIX maiores preocupações
com a escravidão, mesmo com Castro Alves e também Machado de Assis) a “História
Sincera da República” certamente tem mais elementos favoráveis a sua leitura do
que contrários, no sentido de mantê-la esquecida sob as prateleiras das
bibliotecas. Trata-se, como falamos, de uma proposta de análise marxista do
nosso passado, o que compreende o estudo não apenas dos grandes eventos do
calendário nacional, mas os elementos que sustentam e fundam nossa história, as
classes sociais e as suas interações, as relações de produção e de propriedade
predominantes e o aparato superestrutural (instituições políticas, judiciárias,
administrativas, a cultura, as artes, a religião, etc.) que é criado durante os
anos que vão do descobrimento à proclamação da república.
Tivemos acesso a uma edição
comemorativa do cinquentenário da morte de Quitino Bocayuva de 1962. Não temos
notícias de edições mais recentes deste interessantíssimo relato de nossa
história social, econômica e política.
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