quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

“Socialismo e Sindicalismo no Brasil” – Edgar Rodrigues

Resenha Livro #90 “Socialismo e Sindicalismo no Brasil” (1675/1913) – Edgar Rodrigues - Ed. Laemmert


 
Acerca do Autor

Edgar Rodrigues é o pseudômino do escritor e ativista anarquista Antônio Francisco Correia, nascido em Portugal em 1921 e morto no Rio de Janeiro em 2009. Edgar Rodrigues foi filho de militante anarco-sindicalista ligado à CGT e a AIT (conhecida como 1ª Internacional). Seu pai foi preso em 1936 pela polícia política salazarista e assim o jovem escritor já observava pessoalmente o que era a repressão aos militantes libertários. Edgar Rodrigues passaria a militar no movimento anarquista português até 1951, quando, fugindo da repressão, embarcou rumo ao Brasil. Foi em terras brasileiras que se dedicou à pesquisa de jornais e periódicos libertários, entrevistou militantes da nossa primeira geração de sindicalistas, recolheu atas de reuniões e assembleias, e trabalhou no sentido da preservação da memória do movimento anarco-sindicalista e, de maneira mais geral, da história das lutas sociais no Brasil. O seu “Socialismo e Sindicalismo no Brasil” data de 1969.

As origens dos movimentos de resistência popular no Brasil

De maneira pioneira, Edgar Rodrigues destaca em sua história do movimento social brasileiro a importância da resistência quilombola. Ressaltamos o pioneirismo pois ainda hoje faltam na nossa historiografia maiores esforços no sentido de resgatar a história da resistência dos escravos africanos no Brasil, não só por meio dos Quilombos – comunidades auto-organizadas e de caráter igualitário – mas por outras formas de resistência, como a sabotagem do trabalho organizada coletivamente, a resistência cultural e religiosa em que pese as proibições oficiais dos jogos de capoeira e qualquer modo de reunião dos negros, além de ações diretas, como a destruição de engenhos, dos instrumentos de trabalho e assassinatos dos capatazes mais cruéis.

Edgar Rodrigues é muito minucioso quando expõe as formas de controle e opressão tanto dos senhores de escravo, quanto, posteriormente, dos senhores de terra em relação aos colonos estrangeiros e aos burgueses em relação aos seus assalariados. No que se refere ao trabalhador africano escravizado, além da má alimentação e dos espancamentos gratuitos, havia punições bárbaras para os rebeldes e, denominados, “fujões”.

“Os castigos no ‘Tronco’ de pés e mãos amarradas e o pescoço imobilizado entre dois pedaços de madeira, o suplício do ‘Viramundo’, um pequeno instrumento de ferro, que prendia pés e mãos do escravo, forçando-o a terríveis posições por muitos dias, o Cêpo, um grande toro de madeira que obrigava a carregar à cabeça e o mesmo preso ao tornozelo por grossas correntes de ferro”. Havia ainda o “Limbambo” que era uma argola de ferro em volta do pescoço cheia de chocalhos. A “Golinha” que eram placas de ferro pesadas com palavras humilhantes, os “Anginhos” que eram anéis de ferro com parafusos que apertavam até esmagar qualquer parte do corpo e o velho “Chicote”.

O que é importante ressaltar é que todo o período histórico abordado por Edgar Rodrigues irá abranger a prática dos castigos físicos, torturas e espancamentos aos rebeldes, sejam os escravos fugitivos das fazendas, sejam os pioneiros libertários e operários da república velha. Durante os anos imediatamente posteriores à abolição (1888) e ao fim do Império (1889) até 1913, a classe dominante brasileira, por meio dos seus jornais e oradores no parlamento, negava a existência da chamada “Questão Social” no Brasil. Diziam que a questão social era um problema exclusivamente europeu, onde havia o excesso de mão de obra e a falta de terras. E daí advém uma primeira e decisiva importância do movimento sindical anarquista que começa a ganhar força especialmente a partir do 1º Congresso Operário no Brasil em 1906: por meio dos seus periódicos, comícios e reuniões, os anarquistas contrapõem as mentiras dos patrões e do governo, expondo as péssimas condições de trabalho no campo e na cidade.

No interior a situação era particularmente mais dramática.

São dados relatos de trabalhadores ligados à construção de ferrovias que morriam aos montes vítimas de doenças tropicais ou mesmo atacados por índios. Os colonos tinham condições de trabalho equivalentes aos dos escravos: eram multados por faltas inexpressivas e nunca conseguiam sequer reunir o montante suficiente para saldar suas “dívidas” com os patrões. Muitos que tentavam fugir – tais quais os quilombos – eram capturados, espancados e mortos. Na cidade, mulheres e crianças trabalhavam por 12 ou mais horas de trabalho. Não havia escolas para os pobres, sendo certo que as pioneiras organizações operárias anarquistas deliberavam como uma de suas tarefas justamente a construção de escolas modernas, livres da influência religiosa, para os operários e seus filhos. O analfabetismo era grande entre os mesmos, fazendo com que a tarefa da alfabetização fosse encarado como um problema estratégico para o movimento. Também para suprir esta deficiência, militantes voluntários realizavam leituras em voz alta dos periódicos anarquistas.

Certamente, assim que começaram a se organizar e propagar a emancipação dos trabalhadores, os imigrantes (em sua maioria italianos, portugueses e espanhóis) libertários foram duramente perseguidos pela polícia, pelos governos e pela imprensa. Esta última sustentava a ideia mirabolante de que os imigrantes libertários eram agentes das potências estrangeiras que vinham ao Brasil com o objetivo de conturbar a indústria nacional – omitindo, conforme Edgar Rodrigues bem observa, que já naquele período muitos dos industriais eram também estrangeiros.

Outrossim, as bandeiras levantadas pelos anarquistas certamente iam em sentido contrário aos interesses da classe dominante: pela redução da jornada de trabalho para 8 horas; pelo fim do serviço militar obrigatório; contra a lei de expulsão dos estrangeiros, expediente jurídico encontrado pelas classes dominantes de então para expulsar dos país os imigrantes que estavam na linha de frente da pioneira organização operária. Outro trabalho importante e internacionalista dos camaradas libertários dizia respeito à propaganda na Europa acerca das condições de vida análogas à escravidão dos colonos imigrantes. Por meio de articulações junto a associações sindicais na Europa, os anarquistas replicavam as denúncias de trabalhadores colonos endividados junto aos seus patrões de tal maneira que se viam virtualmente escravizados.

Interessante notar que muitas das atas e passagens de periódicos anarquistas daqueles anos (primeira década do séc. XX) abordavam sistematicamente a questão do alcoolismo. Não se tratava de um problema “moral”: os anarquistas se colocavam contra o alcoolismo pois o álcool era não só um meio com que os operários super-explorados, com jornadas que iam de 12 a 16 horas de trabalho, encontravam para atenuar o sofrimento, mas meio de endividamento. No campo, os patrões se serviam da venda da cachaça como meio de endividar seus trabalhadores e garantir a virtual escravidão.  

Os anarquistas, também de forma pioneira, reivindicavam normas de higiene e indenização por acidentes de trabalho.

Edgar Rodrigues relata a existência de muitas dezenas de greves por todo o país durante a primeira década do séc. XX, nas mais distintas categorias. As novas associações operárias concentravam-se nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Santos. Impressiona tanto a quantidade de lutas sociais que já haviamentão, mesmo quando a chamada questão social era vista pelas autoridades políticas da época como “questão de polícia”. O relato destas experiências de luta – algumas exitosas, muitas vítimas da mais brutal repressão – é o ponto alto do livro de Edgar Rodrigues.

Um último e breve comentário faz-se necessário. Em que pese a justa importância do movimento anarquista na conformação do sindicalismo combativo no Brasil, Edgar Rodrigues aponta que, ao contrário do que constantemente se pensa, o início da trajetória do pensamento/movimento libertário brasileiro é anterior mesmo à industrialização dos primeiros anos do séc. XX. Já em fins do sec. XIX, algumas tentativas de organização de associações auto-gestionárias foram tentadas, essencialmente por imigrantes europeus.

Em Assis já em fins do séc. XIX a colônia Vapa institui um regime socialista “composto de refugiados letões”. As residências desta aldeia eram de uso comum, bem como as refeições. Não existia dinheiro nem propriedades individuais. O vestuário e os instrumentos de trabalho eram distribuídos coletivamente. Segundo Rodrigues, as características principais dos membros da aldeia eram “uma saúde de ferro e uma calma extraordinária”.

Mas certamente, de todas as tentativas de empreendimento de sociedades autogestionárias no campo, a mais conhecida e maior em número de habitantes, foi a colônia Cecília, formada por imigrantes italianos na cidade de Palmeira, no Paraná. Em 1891 chegaram à região algumas dezenas de famílias. O projeto de colonização fora realizado na Europa e o grupo que aqui se instalou era formado de anarquistas com pouco conhecimento de agricultura, o que dificultou a vida dos habitantes da colônia Cecília em seus primeiros anos. Interessante ressaltar que anos antes o imperador Pedro II, conhecido por seu esclarecimento político-cultural, doava as terras em abundância para os colonos europeus, sendo até simpático aquelas iniciativas pioneiras.   

Seja como for, seria necessário um exame mais rigoroso daquelas primeiras experiências auto-gestionárias de modo a saber como os princípios anarquistas de colaboração e solidariedade mútua, ausência de postos de mando e total igualitarismo nas relações sociais se desenvolveram nas colônias. É bom fazer uma ressalva aqui. Certamente, Edgar Rodrigues, reivindicando o ponto de vista anarquista, comete alguns exageros,  o maior deles o de tentar equiparar a resistência de Canudos como uma experiência de tipo anarquista, pouco colocando em relevo o fato de se tratar, na realidade, de um movimento de tipo fundamentalmente religioso e que, do ponto de vista político, reivindicava nada menos do que a restauração da monarquia no Brasil. Não queremos com isso fazer frente à certo ponto de vista conservador acerca da história do movimento de canudos: certamente, em que pese suas contradições, foi um movimento social, uma forma de luta dos pobres contra o poder estabelecido. Todavia, daí a dizer que foi uma experiência de tipo anarquista, vai uma longa distância.

À guisa de conclusão, vamos citar um artigo interessante do anarquista brasileiro José Oiticica, citado por Rodrigues. Ele apresenta, em jornal denominado “Ação Direta”, o que ele chama de “esquema da organização social anarquista”. O que importa ressaltar aqui é a riqueza de detalhes com que o anarquista detalhava seu projeto societário alternativo, esforço, talvez, decorrente da tendência natural do senso comum em qualificar como “utópica” a possibilidade de uma vida social sem normas jurídicas, estado e polícia.

1- O território de cada país será dividido em zonas federadas, cada zona em municípios e cada município em comunas.

3- Em cada comuna, os trabalhadores se reunirão em classe, conforme seus ofícios, manuais ou intelectuais.

5- Para coordenação e direção dos serviços e execuções das medidas tomadas nas assembleias, haverá conselhos comunais, municipais, federais e um internacional.

11- Os delegados (dos conselhos) não gozarão de nenhum privilégio, nem serão dispensados de seus serviços profissionais senão quando suas funções de delegado lhes absorverem o tempo.

14- O ensino superior e profissional será ministrado em universidades constituídas em comunas, onde se instalarão laboratórios, usinas, hospitais, escolas modelares, etc.

20- Os serviços repugnantes ou insalubres se farão por turnos entre os trabalhadores sem exceção, de preferência voluntários

21- Os encargos de direção técnica serão confiados aos mais competentes a juízo dos próprios trabalhadores, mas não conferem nenhum privilégio.

24 – As casas serão ocupadas por famílias de acordo com o número dos seus componentes

25- A construção de templos, se houver, e confecção de apetrechos de culto serão trabalho exclusivo dos crentes, fora da atividade comum da produção. Será, igualmente, trabalho extraordinário a formação dos respectivos sacerdócios.

26- A união conjugal, inteiramente livre, se fará por mero registro na sede do conselho comunal, podendo cada casal realizar as cerimônias religiosas que lhes aprouver nas respectivas igrejas.

27- Ninguém poderá eximir-se do trabalho produtivo sob pretexto de religião; não será admissível pois, o sacerdócio profissional.

29- Os loucos serão internados em quintas especiais onde serão tratados cientificamente pelos processos mais brandos e recomendáveis.

José Oiticica redigiu ao todo 30 pontos da nova sociedade anarquista.   
 

 

Um comentário:

  1. Olá, eu estou fazendo uma tese fora do Brasil e preciso muito de algumas cópias do livro Socialismo e sindicalismo, de Edgar Rodrigues. Preciso das páginas referentes à "situação dos colonos". Se for edição de 1969, talvez sejam as páginas de 122 a 157. Preciso também das páginas antes e depois da 300, que parece que fala de greves de colonos. Muito obrigada

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