Acerca do Autor
Edgar Rodrigues é o pseudômino do escritor e ativista anarquista Antônio
Francisco Correia, nascido em Portugal em 1921 e morto no Rio de Janeiro em
2009. Edgar Rodrigues foi filho de militante anarco-sindicalista ligado à CGT e
a AIT (conhecida como 1ª Internacional). Seu pai foi preso em 1936 pela polícia
política salazarista e assim o jovem escritor já observava pessoalmente o que
era a repressão aos militantes libertários. Edgar Rodrigues passaria a militar
no movimento anarquista português até 1951, quando, fugindo da repressão,
embarcou rumo ao Brasil. Foi em terras brasileiras que se dedicou à pesquisa de
jornais e periódicos libertários, entrevistou militantes da nossa primeira
geração de sindicalistas, recolheu atas de reuniões e assembleias, e trabalhou
no sentido da preservação da memória do movimento anarco-sindicalista e, de maneira
mais geral, da história das lutas sociais no Brasil. O seu “Socialismo e
Sindicalismo no Brasil” data de 1969.
As origens dos movimentos de
resistência popular no Brasil
De maneira pioneira, Edgar Rodrigues destaca em sua história do
movimento social brasileiro a importância da resistência quilombola.
Ressaltamos o pioneirismo pois ainda hoje faltam na nossa historiografia
maiores esforços no sentido de resgatar a história da resistência dos escravos
africanos no Brasil, não só por meio dos Quilombos – comunidades
auto-organizadas e de caráter igualitário – mas por outras formas de
resistência, como a sabotagem do trabalho organizada coletivamente, a
resistência cultural e religiosa em que pese as proibições oficiais dos jogos
de capoeira e qualquer modo de reunião dos negros, além de ações diretas, como
a destruição de engenhos, dos instrumentos de trabalho e assassinatos dos
capatazes mais cruéis.
Edgar Rodrigues é muito minucioso quando expõe as formas de controle e
opressão tanto dos senhores de escravo, quanto, posteriormente, dos senhores de
terra em relação aos colonos estrangeiros e aos burgueses em relação aos seus
assalariados. No que se refere ao trabalhador africano escravizado, além da má
alimentação e dos espancamentos gratuitos, havia punições bárbaras para os
rebeldes e, denominados, “fujões”.
“Os castigos no ‘Tronco’ de pés
e mãos amarradas e o pescoço imobilizado entre dois pedaços de madeira, o
suplício do ‘Viramundo’, um pequeno instrumento de ferro, que prendia pés e
mãos do escravo, forçando-o a terríveis posições por muitos dias, o Cêpo, um
grande toro de madeira que obrigava a carregar à cabeça e o mesmo preso ao
tornozelo por grossas correntes de ferro”. Havia ainda o “Limbambo” que era uma
argola de ferro em volta do pescoço cheia de chocalhos. A “Golinha” que eram
placas de ferro pesadas com palavras humilhantes, os “Anginhos” que eram anéis
de ferro com parafusos que apertavam até esmagar qualquer parte do corpo e o
velho “Chicote”.
O que é importante ressaltar é que todo o período histórico abordado
por Edgar Rodrigues irá abranger a prática dos castigos físicos, torturas e
espancamentos aos rebeldes, sejam os escravos fugitivos das fazendas, sejam os
pioneiros libertários e operários da república velha. Durante os anos
imediatamente posteriores à abolição (1888) e ao fim do Império (1889) até
1913, a classe dominante brasileira, por meio dos seus jornais e oradores no
parlamento, negava a existência da chamada “Questão Social” no Brasil. Diziam
que a questão social era um problema exclusivamente europeu, onde havia o
excesso de mão de obra e a falta de terras. E daí advém uma primeira e decisiva
importância do movimento sindical anarquista que começa a ganhar força
especialmente a partir do 1º Congresso Operário no Brasil em 1906: por meio dos
seus periódicos, comícios e reuniões, os anarquistas contrapõem as mentiras dos
patrões e do governo, expondo as péssimas condições de trabalho no campo e na
cidade.
No interior a situação era particularmente mais dramática.
São dados relatos de trabalhadores ligados à construção de ferrovias
que morriam aos montes vítimas de doenças tropicais ou mesmo atacados por
índios. Os colonos tinham condições de trabalho equivalentes aos dos escravos:
eram multados por faltas inexpressivas e nunca conseguiam sequer reunir o
montante suficiente para saldar suas “dívidas” com os patrões. Muitos que
tentavam fugir – tais quais os quilombos – eram capturados, espancados e
mortos. Na cidade, mulheres e crianças trabalhavam por 12 ou mais horas de
trabalho. Não havia escolas para os pobres, sendo certo que as pioneiras
organizações operárias anarquistas deliberavam como uma de suas tarefas
justamente a construção de escolas modernas, livres da influência religiosa,
para os operários e seus filhos. O analfabetismo era grande entre os mesmos, fazendo
com que a tarefa da alfabetização fosse encarado como um problema estratégico
para o movimento. Também para suprir esta deficiência, militantes voluntários
realizavam leituras em voz alta dos periódicos anarquistas.
Certamente, assim que começaram a se organizar e propagar a
emancipação dos trabalhadores, os imigrantes (em sua maioria italianos,
portugueses e espanhóis) libertários foram duramente perseguidos pela polícia,
pelos governos e pela imprensa. Esta última sustentava a ideia mirabolante de
que os imigrantes libertários eram agentes das potências estrangeiras que
vinham ao Brasil com o objetivo de conturbar a indústria nacional – omitindo,
conforme Edgar Rodrigues bem observa, que já naquele período muitos dos
industriais eram também estrangeiros.
Outrossim, as bandeiras levantadas pelos anarquistas certamente iam em
sentido contrário aos interesses da classe dominante: pela redução da jornada
de trabalho para 8 horas; pelo fim do serviço militar obrigatório; contra a lei
de expulsão dos estrangeiros, expediente jurídico encontrado pelas classes dominantes
de então para expulsar dos país os imigrantes que estavam na linha de frente da
pioneira organização operária. Outro trabalho importante e internacionalista
dos camaradas libertários dizia respeito à propaganda na Europa acerca das
condições de vida análogas à escravidão dos colonos imigrantes. Por meio de
articulações junto a associações sindicais na Europa, os anarquistas replicavam
as denúncias de trabalhadores colonos endividados junto aos seus patrões de tal
maneira que se viam virtualmente escravizados.
Interessante notar que muitas das atas e passagens de periódicos
anarquistas daqueles anos (primeira década do séc. XX) abordavam
sistematicamente a questão do alcoolismo. Não se tratava de um problema “moral”:
os anarquistas se colocavam contra o alcoolismo pois o álcool era não só um
meio com que os operários super-explorados, com jornadas que iam de 12 a 16
horas de trabalho, encontravam para atenuar o sofrimento, mas meio de
endividamento. No campo, os patrões se serviam da venda da cachaça como meio de
endividar seus trabalhadores e garantir a virtual escravidão.
Os anarquistas, também de forma pioneira, reivindicavam normas de
higiene e indenização por acidentes de trabalho.
Edgar Rodrigues relata a existência de muitas dezenas de greves por
todo o país durante a primeira década do séc. XX, nas mais distintas
categorias. As novas associações operárias concentravam-se nas cidades de São
Paulo, Rio de Janeiro e Santos. Impressiona tanto a quantidade de lutas sociais
que já haviamentão, mesmo quando a chamada questão social era vista pelas
autoridades políticas da época como “questão de polícia”. O relato destas
experiências de luta – algumas exitosas, muitas vítimas da mais brutal
repressão – é o ponto alto do livro de Edgar Rodrigues.
Um último e breve comentário faz-se necessário. Em que pese a justa
importância do movimento anarquista na conformação do sindicalismo combativo no
Brasil, Edgar Rodrigues aponta que, ao contrário do que constantemente se
pensa, o início da trajetória do pensamento/movimento libertário brasileiro é
anterior mesmo à industrialização dos primeiros anos do séc. XX. Já em fins do
sec. XIX, algumas tentativas de organização de associações auto-gestionárias
foram tentadas, essencialmente por imigrantes europeus.
Em Assis já em fins do séc. XIX a colônia Vapa institui um regime
socialista “composto de refugiados letões”. As residências desta aldeia eram de
uso comum, bem como as refeições. Não existia dinheiro nem propriedades
individuais. O vestuário e os instrumentos de trabalho eram distribuídos
coletivamente. Segundo Rodrigues, as características principais dos membros da
aldeia eram “uma saúde de ferro e uma calma extraordinária”.
Mas certamente, de todas as tentativas de empreendimento de sociedades
autogestionárias no campo, a mais conhecida e maior em número de habitantes,
foi a colônia Cecília, formada por imigrantes italianos na cidade de Palmeira,
no Paraná. Em 1891 chegaram à região algumas dezenas de famílias. O projeto de
colonização fora realizado na Europa e o grupo que aqui se instalou era formado
de anarquistas com pouco conhecimento de agricultura, o que dificultou a vida
dos habitantes da colônia Cecília em seus primeiros anos. Interessante
ressaltar que anos antes o imperador Pedro II, conhecido por seu esclarecimento
político-cultural, doava as terras em abundância para os colonos europeus,
sendo até simpático aquelas iniciativas pioneiras.
Seja como for, seria necessário um exame mais rigoroso daquelas
primeiras experiências auto-gestionárias de modo a saber como os princípios
anarquistas de colaboração e solidariedade mútua, ausência de postos de mando e
total igualitarismo nas relações sociais se desenvolveram nas colônias. É bom
fazer uma ressalva aqui. Certamente, Edgar Rodrigues, reivindicando o ponto de
vista anarquista, comete alguns exageros,
o maior deles o de tentar equiparar a resistência de Canudos como uma
experiência de tipo anarquista, pouco colocando em relevo o fato de se tratar,
na realidade, de um movimento de tipo fundamentalmente religioso e que, do
ponto de vista político, reivindicava nada menos do que a restauração da
monarquia no Brasil. Não queremos com isso fazer frente à certo ponto de vista
conservador acerca da história do movimento de canudos: certamente, em que pese
suas contradições, foi um movimento social, uma forma de luta dos pobres contra
o poder estabelecido. Todavia, daí a dizer que foi uma experiência de tipo
anarquista, vai uma longa distância.
À guisa de conclusão, vamos citar um artigo interessante do anarquista
brasileiro José Oiticica, citado por Rodrigues. Ele apresenta, em jornal
denominado “Ação Direta”, o que ele chama de “esquema da organização social
anarquista”. O que importa ressaltar aqui é a riqueza de detalhes com que o
anarquista detalhava seu projeto societário alternativo, esforço, talvez,
decorrente da tendência natural do senso comum em qualificar como “utópica” a
possibilidade de uma vida social sem normas jurídicas, estado e polícia.
1- O território de cada país
será dividido em zonas federadas, cada zona em municípios e cada município em comunas.
3- Em cada comuna, os
trabalhadores se reunirão em classe, conforme seus ofícios, manuais ou
intelectuais.
5- Para coordenação e direção
dos serviços e execuções das medidas tomadas nas assembleias, haverá conselhos comunais,
municipais, federais e um internacional.
11- Os delegados (dos conselhos)
não gozarão de nenhum privilégio, nem serão dispensados de seus serviços
profissionais senão quando suas funções de delegado lhes absorverem o tempo.
14- O ensino superior e
profissional será ministrado em universidades constituídas em comunas, onde se
instalarão laboratórios, usinas, hospitais, escolas modelares, etc.
20- Os serviços repugnantes ou
insalubres se farão por turnos entre os trabalhadores sem exceção, de
preferência voluntários
21- Os encargos de direção
técnica serão confiados aos mais competentes a juízo dos próprios
trabalhadores, mas não conferem nenhum privilégio.
24 – As casas serão ocupadas por
famílias de acordo com o número dos seus componentes
25- A construção de templos, se
houver, e confecção de apetrechos de culto serão trabalho exclusivo dos
crentes, fora da atividade comum da produção. Será, igualmente, trabalho
extraordinário a formação dos respectivos sacerdócios.
26- A união conjugal,
inteiramente livre, se fará por mero registro na sede do conselho comunal,
podendo cada casal realizar as cerimônias religiosas que lhes aprouver nas
respectivas igrejas.
27- Ninguém poderá eximir-se do
trabalho produtivo sob pretexto de religião; não será admissível pois, o
sacerdócio profissional.
29- Os loucos serão internados
em quintas especiais onde serão tratados cientificamente pelos processos mais
brandos e recomendáveis.
José Oiticica redigiu ao todo 30 pontos da nova sociedade anarquista.
Olá, eu estou fazendo uma tese fora do Brasil e preciso muito de algumas cópias do livro Socialismo e sindicalismo, de Edgar Rodrigues. Preciso das páginas referentes à "situação dos colonos". Se for edição de 1969, talvez sejam as páginas de 122 a 157. Preciso também das páginas antes e depois da 300, que parece que fala de greves de colonos. Muito obrigada
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