Sobre o Autor
Luciano Gruppi nasceu em 1920, foi dirigente do Partido Comunista
Italiano e autor de alguns livros traduzidos no português e lançados no Brasil.
Dentro do partido comunista, atuou na revista “Crítica Marxista” e promoveu
estudos sobre Antônio Gramsci e Palmiro Togliatti. Gruppi faleceu em 2009. Este
seu “O Pensamento de Lênin” foi traduzido por Carlos Nelson Coutinho.
O Pensamento de Lênin
Como o nome do ensaio sugere, a preocupação de Gruppi não é a de
traçar uma biografia de Lênin, de sua intervenção política durante 30 anos de
atividade, interrompida pela doença e pela morte em 1924. Na verdade, os dados
biográficos de Lênin são secundários e apenas aparecem para delimitar a
evolução singular de seu pensamento.
Este aspecto da obra é particularmente importante por se tratar de uma obra sobre o
pensamento de Lênin.
Se há uma característica mais marcante, mais essencial no pensamento
de Lênin, esta se revela pelo esforço em fazer uma “análise concreta, da
situação concreta”. Nos escritos de Vladimir Ilich há sempre subjacente, de
forma mais ou menos explícita, uma orientação política voltada para ação. A preocupação
de adequar o marxismos às peculiaridades e especificidades da realidade Russa
foi certamente o traço mais elevado do pensamento de Lênin: sem esta capacidade
de mediação entre a teoria revolucionária e a ação revolucionária, não só Lênin
não teria sido o grande teórico do marxismo na era do imperialismo e da
revolução proletária, mas, o mais provável, é que mesmo a revolução russa não
tivesse logrado êxito. Não teria sobrevivido a Revolução Russo sem o aporte e a
liderança do partido bolchevique, sob a liderança de Lênin, tendo, o mais
provável, sucumbido a um dos dois polos antagônicos e constantemente combatidos
por Lênin: o polo oportunista, as vacilações, perceptíveis mesmo no interior da
direção do partido bolchevique, quando, por ex., Lênin afirma a necessidade
imediata da insurreição; e o polo
esquerdista, combatido em diversos escritos, sendo o mais destacado deles, o “Esquerdismo,
Doença Infantil do Comunismo” escrito em 1920.
“O Pensamento de Lênin”,
segundo as palavras do autor, “pretende
ser uma tentativa de esboçar, em seus traços essenciais, o desenvolvimento de
seu pensamento (de Lênin), naturalmente em relação com aquelas situações e
fatos históricos fora dos quais ele seria incompreensível”.
E será mediante este esforço de confrontar as teses de Lênin com as
exigências mais imediatas do movimento revolucionário russo o traço que será olvidado
pelo assim denominado “marxismo-leninismo”, qual seja, a interpretação
stalinista do legado de Lênin. Gruppi faz a crítica em seu último capítulo ao
autor de “Fundamentos do Leninismo”. Stálin, ao contrário de Lênin, busca
sempre o esquematismo, as definições concisas, que importam no sentido de
tornar didático e acessível um pensamento, comprometendo, contudo, a captação
dos fenômenos em sua totalidade – o próprio Lênin se reporta, em seus textos, a
este exato problema das simplificações teóricas. O fato é que em Stálin, vai se
extraindo ideias distintas de Lênin sem a devida confrontação com aquela
evolução política, aqueles fatos a partir dos quais o dirigente bolchevique
vinculava sua teoria. Tal expediente implica na dogmatização do leninismo e, em
certo sentido, na sua total deformação. É o caso por exemplo da significação
que Stálin atribui a Lênin sobre a II Internacional. Gruppi demonstra como a
atitude de Lênin muda radicalmente com a capitulação da social democracia alemã
(a mais importante e influente no âmbito da II Internacional) ao imperialismo e
à guerra mundial. Esta capitulação implica na necessidade de rompimento
imediato dos comunistas com os oportunistas social-democratas – tese que, ao
estilo leninista “não dogmático”, seria mitigada posteriormente a partir do IV
Congresso da III Internacional Comunista com a sua política de frente única,
dada uma nova conjuntura e uma nova avaliação da situação fática. Gramsci seria
um dos poucos a identificar corretamente o fenômeno, colocando que, enquanto no
oriente, predominava a tática da guerra de posição, no ocidente havia de se
lançar à “guerra de movimento”. O fato é que Stalin elimina momentos em que
Lênin ainda estava sob influência da II Internacional, momentos em que Lênin
ainda não identificava Kautsky como um renegado, mesmo quando este já
demonstrava manter maior simpatia política junto aos mencheviques.
Nessa perspectiva, uma coisa é certa, para aqueles que queiram
realmente conhecer as vicissitudes e toda a complexidade do pensamento
lenineano. Não é possível fazê-lo ao modo stalinista, por meio de definições e
esquematismos gerais. Por exemplo, não é possível captar toda a teoria do
imperialismo em Lênin apenas se reduzindo à leitura, todavia essencial, de sua
obra “O Imperialismo, fase superior do capitalismo”, olvidando as análises
posteriores de Lênin acerca do capitalismo de estado como “degrau necessário”
ao socialismo, a partir de seus escritos posteriores a 1918. Da mesma forma,
não é possível captar toda a teoria do partido de Lênin em seu importante “O
que Fazer”, ainda que lá estejam traços essenciais da teoria do partido, que seria
posteriormente aprofundada com o conceito de centralismo democrático. Na nossa
opinião, a situação é ainda mais dramática no que se refere ao problema da
teoria do estado e da transição. Está muito longe de contemplar a rica e vasta
contribuição de Lênin sobre o assunto se basear exclusivamente na leitura de “O
Estado e a Revolução”. Trata-se de uma das obras de caráter mais teórico de
Lênin e houve quem, por não realizar as mediações devidas, viria, nas teses
adotadas por Lênin após a tomada do poder, um oportunismo frente a linha
“libertária” de o Estado e Revolução – esta é a opinião do anarquista
norte-americano Noam Chomsky.
Contra a dogmatização stalinista e esquerdista/anarquista, vale
concluir esta pequena resenha com a conclusão fundamental de Gruppi acerca da essência
fundamental do pensamento de Lênin: a relação indissolúvel/inseparável entre teoria
e prática revolucionárias.
“Do estudo do pensamento de
Lênin, fica-nos a persuasão de que a característica mais profunda de seu
método, de sua mentalidade, é o sentido da concreticidade histórica, a
consciência da historicidade. ‘A análise concreta da situação concreta é a alma
viva, a essência do marxismo’. Essa advertência, que reaparece mais de uma vez,
parece-nos caracterizar o modo pelo qual ele se situa diante do marxismo”.
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