quinta-feira, 28 de novembro de 2013

“Formação Histórica do Brasil” – Nelson Werneck Sodré

Resenha Livro #88 “Formação Histórica do Brasil” – Nelson Werneck Sodré – Editora Brasiliense



Sobre o autor

Nelson Werneck Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 1911. Estudo no Colégio Militar em 1924 e no Colégio Militar em 1930, ambos no então distrito federal brasileiro. Serviu o exército de 1931 a 1962, quando se transferiu para reserva como General. Foi professor-chefe do Curso de História Militar da Escola de Comando e Estado Maior, e chefe do Departamento de História do Instituto Superior de Estudos Brasileiros. O ISEB é importante instituição difusora das ideias nacionalistas e desenvolvimentistas no Brasil de meados do séc. XX.

Acerca do Livro

Este “Formação Histórica do Brasil” corresponde a curso de História do Brasil dado por Sodré no âmbito do Ministério de Educação.  Trata-se de uma análise crítica e materialista dos fundamentos históricos do Brasil, da colônia ao império, da república velha à revolução de 1930, dos dois governos de Getúlio Vargas aos desafios e impasses colocados ao país após a era JK. O materialismo diz respeito aos pressupostos teórico-metodológicos bem como às respectivas conclusões a que chega o autor. Na sua história, há pouca menção aos denominados “grandes eventos”, aos fatos políticos relacionados aos nomes que ocupam os cargos de poder, por exemplo. Estes são relatados de passagem, como aspectos superficiais. O que realmente importa, no método adotado por Sodré, são as alterações processuais e históricas das forças produtivas, os arranjos das classes sociais decorrentes das transformações no modo de produção. Este materialismo leva o autor a ir além justamente das manifestações mais superficiais do problema histórico e buscar dentro do arranjo produtivo delineado no país as fontes originárias do desenvolvimento histórico.

Nesta perspectiva, a evolução histórica do país deve ser menos encarada pela sucessão dos distintos regimes políticos formais (colônia, império, república, ditadura e democracia) e mais pela base econômica e pelo modo de produção dominantes.

Assim, nossa origem histórica está situada nas transformações porque passa a Europa desde a baixa idade média. A precoce centralização política portuguesa engendrada pela Revolução do mestre de Avis criaria as condições políticas e econômicas para o desenvolvimento da navegação. Iniciava-se o processo de transformação do modo de produção na Europa, da fase feudal para a fase do capitalismo comercial. O desenvolvimento do comércio, o metalismo, a prevalência econômica  da circulação de riquezas sobre a produção de bens e o correspondente político dos estados absolutistas modernos são os traços essenciais das nações metropolitanas que se lançarão às grandes navegações: primeiro os países ibéricos, depois Holanda e posteriormente Inglaterra e França. A descoberta de América e do Brasil decorreram de buscas alternativas de rotas comerciais com o oriente, da competitividade dos mercadores pelo comércio das especiarias, portanto.

Os primeiros 30 anos de colonização brasileira seriam marcados pelo virtual desinteresse metropolitano pela ocupação e colonização do novo território. Até porque faltava à Portugal recursos e mão de obra disponíveis para um empreendimento que exigia enormes montantes de capital inicial. Entre 1500-1530, a colonização esteve marcada pelos primeiros contatos entre portugueses e indígenas e pela comercialização do pau Brasil. Será só a partir de meados do séx. XVI que, diante das invasões francesas e do risco da perda do território, que o Império Português irá se mobilizar para o empreendimento colonial.

 E assim, a primeira atividade produtiva para além do extrativismo viria com a produção do açúcar. Sua base produtiva era o plantation: grandes propriedades, monocultura e trabalho escravo africano são os elementos constitutivos da nova produção. As terras eram doadas pela Coroa, que transferia ao particular poderes administrativos e jurisdicionais sobre as terras brasileiras. As dificuldades eram enormes e aqui se torna interessante o retrato social delineado por Sodré de nossa realidade colonial. As capitanias eram isoladas umas das outras e havia extrema escassez de manufaturas e alimentos: inicialmente o colonizador alimenta-se de milho e mandioca, sendo posterior a introdução do gado, com a produção do couro e alimento. Verifica-se um desenvolvimento desigual na região do nordeste e na região de São Vicente e no Planalto de Piratininga, região sudeste. No nordeste consolida-se a grande propriedade fundiária na região litorânea (mais próxima dos mercados europeus), tratando-se de uma colônia de exportação. São Vicente torna-se ao contrário uma colônia de povoamento, com papel destacado das missões jesuíticas, que iriam entrar em conflito com bandeirantes paulistas sempre que a conjuntura pressionasse no sentido de demanda de mão de obra, com captura do indígena.

Seguem-se sucessivamente diferentes períodos de nossa história econômica que irão delimitar e explicar as origens do Brasil contemporâneo de Sodré. A elite exportadora agrária, com a independência política de 1822, passaria a deter o controle político do país e dirigi-lo consoante os seus interesses: inicialmente atrelados ao capital comercial português e inglês e posteriormente ao imperialismo norte-americano. Alterações no nosso quadro geográfico, político e social seriam impulsionadas pelo surto minerador (que contribui para um primeiro desenvolvimento de nosso mercado interno), pela produção algodoeira, pela exploração das drogas do sertão amazônico (contando com unidades produtivas desenhadas pelos missionários jesuítas) e finalmente pelo café, a partir de meados do séc. XIX. O que permanece de nosso passado colonial é uma elite política agrário-exportadora sempre subordinada ao capital estrangeiro, a enorme concentração fundiária  e dificuldades de um desenvolvimento verdadeiramente nacional.

Importa aqui observar alguns pontos de vistas particulares de Sodré, bem como especular acerca das razões pelas quais este historiador tem sido eventualmente negligenciado pela historiografia. Em primeiro lugar, há de se destacar que há hoje pouca aceitação dentre os estudiosos do nosso passado sobre a existência de um regime feudal no Brasil. Em Sodré, aquele etapismo característico das formulações do antigo Partido Comunista Brasileiro encontra plena expressão. Nosso passado colonial inicia-se no âmbito do modo de produção escravista. Gradualmente, elementos de servidão irão compor este cenário, particularmente a partir das chamadas parcerias junto aos imigrantes na produção do café. Vejamos mais de perto esta questão do feudalismo no Brasil em Sodré:

“O fenômeno de transição de vastas áreas antes escravistas a um regime caracterizado de servidão ou semi-servidão é possível, no Brasil, pela disponibilidade de terras. Este é um dos fatores fundamentais, mas não deve ser apreciado pelo que apresenta, mas pelo que, realmente, é. A disponibilidade de terras é um fato inequívoco – mas de terras apropriadas, não de terras por apropriar. Há espaços vazios, mas não há propriedades a conquistar: não há transferência de propriedade. Está claro que o problema não é estático: grandes áreas não apropriadas, já objeto de ocupação, são apropriadas, por diferentes processos, entre os quais o da violência pura e simples (...). É nesses vazios que se estabelece a base de regressão. Não se trata assim de uma espécie de “fronteira móvel”, como se pensa às vezes, mas de uma invasão formigueira de pequenos lavradores ou de pequenos criadores que estabelecem as suas roças de mera subsistência e que permanecem no conjunto ausentes do mercado. (...) Trata-se de um quadro feudal inequívoco”.

Mais aceita, todavia, é a perspectiva de Caio Prado Júnior segundo a qual não haveria a rigor feudalismo no Brasil – um modelo, de todo modo, tipicamente europeu, havendo a classificação de sistema colonial. Por outro lado o denominado “sentido da colonização” em Caio Prado coincide com as teses nacionalistas de Sodré. Ambos apontam para a espoliação, a extração da riqueza e a pressão econômica sobre os setores menos expressivos economicamente como elementos fundamentais e permanentes na história do Brasil.

Assim, em que pese eventuais críticas a certo “formalismo” no exame histórico de Sodré – consoante a perspectiva etapista dominante dentre os comunistas brasileiros – sua contribuição ainda nos é muito útil, em pelo menos três aspectos. 1º no que se refere à sua original reconstrução histórica materialista, que é capaz de analisar nossa formação em maior profundidade do que a historiografia positivista calcada nos “grandes eventos”; 2º no vasto acervo de informações, estatísticas e fontes históricas que enriquecerão o repertório cultural do leitor; 3º nas suas conclusões nacionalistas e anti-imperialistas, nas implicações políticas, portanto, deste vasta e profunda investigação histórica de nosso passado.   

 

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