Sobre o autor
Nelson Werneck Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 1911. Estudo no
Colégio Militar em 1924 e no Colégio Militar em 1930, ambos no então distrito
federal brasileiro. Serviu o exército de 1931 a 1962, quando se transferiu para
reserva como General. Foi professor-chefe do Curso de História Militar da
Escola de Comando e Estado Maior, e chefe do Departamento de História do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros. O ISEB é importante instituição
difusora das ideias nacionalistas e desenvolvimentistas no Brasil de meados do
séc. XX.
Acerca do Livro
Este “Formação Histórica do Brasil” corresponde a curso de História do
Brasil dado por Sodré no âmbito do Ministério de Educação. Trata-se de uma análise crítica e
materialista dos fundamentos históricos do Brasil, da colônia ao império, da
república velha à revolução de 1930, dos dois governos de Getúlio Vargas aos
desafios e impasses colocados ao país após a era JK. O materialismo diz
respeito aos pressupostos teórico-metodológicos bem como às respectivas
conclusões a que chega o autor. Na sua história, há pouca menção aos
denominados “grandes eventos”, aos fatos políticos relacionados aos nomes que
ocupam os cargos de poder, por exemplo. Estes são relatados de passagem, como
aspectos superficiais. O que realmente importa, no método adotado por Sodré,
são as alterações processuais e históricas das forças produtivas, os arranjos
das classes sociais decorrentes das transformações no modo de produção. Este
materialismo leva o autor a ir além justamente das manifestações mais
superficiais do problema histórico e buscar dentro do arranjo produtivo
delineado no país as fontes originárias do desenvolvimento histórico.
Nesta perspectiva, a evolução histórica do país deve ser menos
encarada pela sucessão dos distintos regimes políticos formais (colônia,
império, república, ditadura e democracia) e mais pela base econômica e pelo
modo de produção dominantes.
Assim, nossa origem histórica está situada nas transformações porque
passa a Europa desde a baixa idade média. A precoce centralização política
portuguesa engendrada pela Revolução do mestre de Avis criaria as condições
políticas e econômicas para o desenvolvimento da navegação. Iniciava-se o
processo de transformação do modo de produção na Europa, da fase feudal para a
fase do capitalismo comercial. O desenvolvimento do comércio, o metalismo, a
prevalência econômica da circulação de
riquezas sobre a produção de bens e o correspondente político dos estados
absolutistas modernos são os traços essenciais das nações metropolitanas que se
lançarão às grandes navegações: primeiro os países ibéricos, depois Holanda e
posteriormente Inglaterra e França. A descoberta de América e do Brasil decorreram
de buscas alternativas de rotas comerciais com o oriente, da competitividade
dos mercadores pelo comércio das especiarias, portanto.
Os primeiros 30 anos de colonização brasileira seriam marcados pelo
virtual desinteresse metropolitano pela ocupação e colonização do novo
território. Até porque faltava à Portugal recursos e mão de obra disponíveis
para um empreendimento que exigia enormes montantes de capital inicial. Entre
1500-1530, a colonização esteve marcada pelos primeiros contatos entre
portugueses e indígenas e pela comercialização do pau Brasil. Será só a partir
de meados do séx. XVI que, diante das invasões francesas e do risco da perda do
território, que o Império Português irá se mobilizar para o empreendimento
colonial.
E assim, a primeira atividade
produtiva para além do extrativismo viria com a produção do açúcar. Sua base
produtiva era o plantation: grandes
propriedades, monocultura e trabalho escravo africano são os elementos constitutivos
da nova produção. As terras eram doadas pela Coroa, que transferia ao
particular poderes administrativos e jurisdicionais sobre as terras brasileiras.
As dificuldades eram enormes e aqui se torna interessante o retrato social
delineado por Sodré de nossa realidade colonial. As capitanias eram isoladas
umas das outras e havia extrema escassez de manufaturas e alimentos:
inicialmente o colonizador alimenta-se de milho e mandioca, sendo posterior a
introdução do gado, com a produção do couro e alimento. Verifica-se um
desenvolvimento desigual na região do nordeste e na região de São Vicente e no
Planalto de Piratininga, região sudeste. No nordeste consolida-se a grande
propriedade fundiária na região litorânea (mais próxima dos mercados europeus),
tratando-se de uma colônia de exportação. São Vicente torna-se ao contrário uma
colônia de povoamento, com papel destacado das missões jesuíticas, que iriam
entrar em conflito com bandeirantes paulistas sempre que a conjuntura
pressionasse no sentido de demanda de mão de obra, com captura do indígena.
Seguem-se sucessivamente diferentes períodos de nossa história
econômica que irão delimitar e explicar as origens do Brasil contemporâneo de
Sodré. A elite exportadora agrária, com a independência política de 1822,
passaria a deter o controle político do país e dirigi-lo consoante os seus
interesses: inicialmente atrelados ao capital comercial português e inglês e
posteriormente ao imperialismo norte-americano. Alterações no nosso quadro
geográfico, político e social seriam impulsionadas pelo surto minerador (que
contribui para um primeiro desenvolvimento de nosso mercado interno), pela
produção algodoeira, pela exploração das drogas do sertão amazônico (contando
com unidades produtivas desenhadas pelos missionários jesuítas) e finalmente
pelo café, a partir de meados do séc. XIX. O que permanece de nosso passado
colonial é uma elite política agrário-exportadora sempre subordinada ao capital
estrangeiro, a enorme concentração fundiária e dificuldades de um desenvolvimento verdadeiramente
nacional.
Importa aqui observar alguns pontos de vistas particulares de Sodré,
bem como especular acerca das razões pelas quais este historiador tem sido
eventualmente negligenciado pela historiografia. Em primeiro lugar, há de se
destacar que há hoje pouca aceitação dentre os estudiosos do nosso passado
sobre a existência de um regime feudal no Brasil. Em Sodré, aquele etapismo característico
das formulações do antigo Partido Comunista Brasileiro encontra plena
expressão. Nosso passado colonial inicia-se no âmbito do modo de produção
escravista. Gradualmente, elementos de servidão irão compor este cenário,
particularmente a partir das chamadas parcerias junto aos imigrantes na
produção do café. Vejamos mais de perto esta questão do feudalismo no Brasil em
Sodré:
“O fenômeno de transição de
vastas áreas antes escravistas a um regime caracterizado de servidão ou
semi-servidão é possível, no Brasil, pela disponibilidade de terras. Este é um
dos fatores fundamentais, mas não deve ser apreciado pelo que apresenta, mas
pelo que, realmente, é. A disponibilidade de terras é um fato inequívoco – mas de
terras apropriadas, não de terras por apropriar. Há espaços vazios, mas não há
propriedades a conquistar: não há transferência de propriedade. Está claro que
o problema não é estático: grandes áreas não apropriadas, já objeto de
ocupação, são apropriadas, por diferentes processos, entre os quais o da
violência pura e simples (...). É nesses vazios que se estabelece a base de
regressão. Não se trata assim de uma espécie de “fronteira móvel”, como se
pensa às vezes, mas de uma invasão formigueira de pequenos lavradores ou de
pequenos criadores que estabelecem as suas roças de mera subsistência e que
permanecem no conjunto ausentes do mercado. (...) Trata-se de um quadro feudal
inequívoco”.
Mais aceita, todavia, é a perspectiva de Caio Prado Júnior segundo a
qual não haveria a rigor feudalismo no Brasil – um modelo, de todo modo,
tipicamente europeu, havendo a classificação de sistema colonial. Por outro
lado o denominado “sentido da colonização” em Caio Prado coincide com as teses
nacionalistas de Sodré. Ambos apontam para a espoliação, a extração da riqueza
e a pressão econômica sobre os setores menos expressivos economicamente como
elementos fundamentais e permanentes na história do Brasil.
Assim, em que pese eventuais críticas a certo “formalismo” no exame
histórico de Sodré – consoante a perspectiva etapista dominante dentre os
comunistas brasileiros – sua contribuição ainda nos é muito útil, em pelo menos
três aspectos. 1º no que se refere à sua original reconstrução histórica
materialista, que é capaz de analisar nossa formação em maior profundidade do
que a historiografia positivista calcada nos “grandes eventos”; 2º no vasto
acervo de informações, estatísticas e fontes históricas que enriquecerão o
repertório cultural do leitor; 3º nas suas conclusões nacionalistas e
anti-imperialistas, nas implicações políticas, portanto, deste vasta e profunda
investigação histórica de nosso passado.
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