quinta-feira, 14 de novembro de 2013

“História do Marxismo – V. 6” Eric Hobsbawm (Org.)

Resenha Livro # 84“História do Marxismo - O Marxismo na época da terceira internacional: da Internacional Comunista às Frentes Populares – Volume 6 – (Org. Eric Hobsbawm) – Ed. Paz e Terra



Organizada pelo historiador britânico e marxista Eric Hobsbawm, os diversos volumes da “História do Marxismo” reúnem diversos ensaios historiográficos referentes às distintas fases da evolução do movimento comunista e das ideias de Marx. Talvez seja interessante fazer menção rápida aos recortes temáticos e cronológicos dos vários volumes da coleção. Os marcos temporais partem do marxismo no tempo de Marx, o marxismo na época da II Internacional, o marxismo na época da III Internacional e o “Marxismo Hoje”, havendo nestes últimos volumes reflexões mais gerais sobre a importância do pensamento marxismo nos estudos sociais contemporâneos e balanços e perspectiva desta corrente política e de pensamento.

O volume VI a que tivemos acesso aborda o período que vai da conformação do Comitern ou III Internacional, até a conformação das frentes populares de combate ao fascismo, fortalecida, ainda que sempre com algumas hesitações, a partir de meados dos anos de 1930. As reflexões de cada artigo irão abordar: a questão do partido leninista, a origem deste modelo partidário, seus reflexos na revolução russa e suas antinomias em relação aos modelos de organização dos mencheviques, de León Trótsky e de Rosa Luxemburgo; as correntes constitutivas do movimento comunista internacional e, especificamente, da III Internacional; o fenômeno do comunismo de esquerda e debates subjacentes como o problema do “putschismo” (golpismo) ou as distintas políticas leninistas e esquerdistas acerca do parlamento e dos sindicatos; discute-se a revolução socialista abortada na Alemanha, com especial ênfase na percepção daquele levante dentro dos círculos dirigentes soviéticos; a bolchevização dos partidos comunistas europeus, iluminando aqui os reais vínculos e tensões entre o centro do Comitern e as direções locais dos partidos comunistas; a política da internacional quanto ao problema camponês; as táticas do movimento comunista frente ao perigo de guerra que culminou na II Guerra Mundial; a importância da virada na política externa soviética e do Comitern a partir do VII Congresso da III Internacional; e um estudo sintético sobre a composição política das diversas forças republicanas no contexto da Guerra Civil Espanhola.

Um elemento constante na leitura destes artigos refere-se ao esforço científico dos autores no sentido, não de fazer uma história “neutra”, mas de buscar evidenciar a complexidade das situações por meio de uma vasta análise das fontes históricas. Pela vastidão de fontes e pela proposta de analisar as questões em suas complexidades podemos dizer que se trata de uma história crítica do marxismo. Trata-se de textos voltados ao debate historiográfico e que, à medida que aprofundam as análises, os autores conseguem desmistificar algumas passagens da história que são reiteradas sob bases parcialmente ou inteiramente falsas. Um exemplo nesse sentido é o estudo da composição política da terceira internacional e das relações entre o Comitern e as diversas seções nacionais partidárias. Estamos habituados a ler ou escutar como a III Internacional fora um mero instrumento de aplicação mecânica dos interesses soviéticos nas distintas realidades nacionais. Fala-se do monolitismo político da III Internacional e da subordinação dos interesses da revolução mundial aos interesses de estado da URRS.

Uma análise mais detida deste problema revela que, particularmente em seus primeiros anos, a III Internacional tinha uma composição bastante heterogênea. De fato, entre 1918-1919, Lênin elencou em cada nação movimentos, organizações ou partidos que teriam maior compatibilidade com a III Internacional. (Foram cerca de 20 ao todo). Certamente, estas organizações se diferenciavam do reformismo dos partidos social-democratas da II Internacional, muitos tendo origem justamente como cisão no momento em que os velhos partidos de esquerda da Europa capitulavam ante o chauvinismo, entrando em governos ou votando créditos para a I Guerra Mundial. Mas dentro deste espectro de oposição ao reformismo e ao chauvinismo da II Internacional, havia desde movimentos anarco-sindicalistas, até organizações comunistas locais que em muito pouco lembravam (no que se refere à organização, tática e estratégica) o modelo bolchevique.

Outrossim, como não poderia deixar de ser, gradualmente os comunistas soviéticos foram impondo sua hegemonia naquele movimento internacional. Mas mesmo o “internacionalismo” é entendido de forma totalmente distinta entre os últimos anos de Lênin (1919-1924) e o dos anos subsequentes, em especial com a ascensão de Stálin. Aqui caberia uma analogia entre o processo gradual de homogeneização e monolitismo que vai de Lênin à Stálin, no Comitern e na história política da URRS. Nos dois casos, esta inversão representava em primeiro lugar um sentido distinto de internacionalismo em Lênin e Stálin. Ainda entre 1918-1919, Lênin via a vitória da revolução socialista na Europa ocidental como uma questão emergente e que seria decisiva mesmo para a sobrevivência do novo estado operário. A perspectiva leninista via o triunfo da revolução num país atrasado como uma operação “on hold”. E isso implicava no âmbito do Comitern maior liberdade de ação dentre as diversas seções, ainda que as mesmas reconhecessem sempre a deliberação da internacional como linha mestra para conduzir os seus respectivos movimentos. Havia também maior pluralidade política no interior do Comitern, ainda que seja forçoso reconhecer que desde o início o peso dos delegados soviéticos era fundamental. Com Stálin, já se observava na Europa a derrota da revolução na Alemanha, a ascensão do nazismo e do fascismo. Internacionalismo nesta conjuntura envolve a defesa do estado operário soviético do perigo fascista, daí a criação da imagem parcialmente correta de que os partidos nacionais eram correias de transmissão dos interesses do Comitern, que por sua vez reproduzia os interesses dos dirigentes soviéticos no plano das relações internacionais. Mas, insistimos, houve muita luta política e dissonâncias, sendo reducionista a imagem de partidos “satélites” totalmente subordinados ao centro.

Pesquisar a história do marxismo envolve estudar suas manifestações na história ora como corrente de pensamento (filosófico, político, econômico e sociológico) ora como movimento real dos trabalhadores em levantes, revoluções ou guerras civis. Buscar apurar o que há de mais avançado nesta corrente de pensamento, bem como avaliar os erros e acertos do passado certamente conduzirão os comunistas a intervirem na realidade de forma mais qualificada e segura. Daí a importância deste vasto trabalho de pesquisa da História do Marxismo.

  

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