terça-feira, 19 de novembro de 2013

“Partido e Revolução – 1848-1989” – Marcelo Braz


Resenha livro # 85- “Partido e Revolução – 1848-1989” – Marcelo Braz – Ed. Expressão Popular




Este estudo de Marcelo Braz é fruto de sua tese de doutorado na Faculdade de Serviço Social da UFRJ. Trata-se de um estudo de longa duração acerca do movimento comunista internacional, tendo como base a forma como as questões do partido e da revolução foram equacionadas nas diversas experiências socialistas ao longo da história.

Ressaltamos o aspecto de “longa duração” desta pesquisa, em primeiro lugar, por ser algo raro de ser observado no meio acadêmico. Observa-se via de regra análises históricas que privilegiam, cada vez mais, o particular e o fragmentário, em detrimento de estudos voltados às análises totalizantes e teleológicas: esta tendência na academia remonta à ofensiva pós-moderna que encontra seu correspondente político imediato no neoliberalismo. Assim, o trabalho de Marcelo Braz é um estudo que vai contra a corrente: seja nos seus pressupostos teórico-metodológicos, seja no seu campo de investigação e também nas suas conclusões. Em segundo lugar, qualificamos como um estudo de “Longa Duração” pela enorme diversidade de eventos e processos históricos que envolvem os anos de 1848-1989, sendo este um bom estudo panorâmico e introdutório da história do movimento comunista mundial.

Discutir o problema do partido político e da revolução dentro da história do movimento comunista internacional remete, neste estudo, a mais um esforço contra-hegemônico de re-afirmação do projeto socialista, bem como da atualidade da forma partidária como meio que foi para a consecução de todas as vitórias revolucionárias do séc. XX – seja no sentido de preparar as condições subjetivas de rupturas, seja no sentido de conduzir os estados pós-capitalistas rumo a novas experiências societárias.

Com o fim da URSS, a reestruturação capitalista a partir de 1973 e a posterior ofensiva neoliberal, questões essenciais ao movimento comunista internacional como partido revolucionário, classes sociais e mesmo a ideia de revolução passaram a ser contestados quanto à sua atualidade.

Houve aqueles que chegaram mesmo a dizer que chegávamos, com o fim do socialismo real e a vitória do capitalismo democrático-liberal, ao “Fim de História”. É nesse cenário geral que se pode falar numa “crise” do movimento comunista internacional. Marcelo Braz tem esta crise como ponto de partida e ponto de chegada de seu estudo. Inicialmente, constatando a consolidação do pós-modernismo, da negação das formas partidárias de luta e correspondente negação de mobilizações que visem à totalidade das relações sociais em detrimento da valorização das lutas parciais (ecológicas, de gênero, de sexualidade, etc.) que quando estão descaracterizadas quanto ao seu corte de classes tornam-se inteiramente inofensivas à ordem capitalista. Dado este quadro contra-revolucionário e de crise do movimento comunista, Braz fará um minucioso resgate histórico da evolução conceitual de partido e revolução na história do movimento comunista de forma a tornar claro “como” chegamos ao atual impasse.

O ponto de partido data-se de 1848, ano do lançamento do Manifesto Comunista por Marx e Engels. Existe controvérsia dentre historiadores e pesquisadores do marxismo se Marx chegou a desenvolver de fato uma teoria de partido, tal como se observaria com Lênin em seu “O que Fazer” (1902). Não existe em Marx uma obra específica sobre o assunto, mas apontamentos teóricos esparços, sendo o manifesto o documento que inicia o trabalho sobre esta problemática – sendo ainda importantes às críticas de Marx ao programa de Gotha e os seus textos que discorrem sobre organização na Comuna de Paris, informes dirigidos à Associação Internacional dos Trabalhadores reunidos em “Guerra Civil na França”. Para Marx, o partido comunista é mais uma das diversas correntes que atuam no âmbito do movimento operário – o seu internacionalismo e sua maior consequência política vai diferenciá-lo das demais correntes políticas. Aqui observa-se uma diferença entre as noções de partido em Marx e Lênin. Enquanto para Marx, o partido comunista é um dos partidos (frações) do movimento operário, em Lênin o partido comunista é O partido dos trabalhadores, ou, para ser mais exato, é a sua vanguarda. Curiosamente, o modelo mais aberto de partido em Marx seria posteriormente retomado por movimentos que reagiam ao monolitismo stalinista, ainda que perdendo a dimensão efetivamente revolucionária e classista, como o eurocomunismo observado nos partidos comunistas da Itália, França e Espanha a partir de meados dos anos 1950.

De qualquer forma, importa ressaltar que as contribuições originárias de Marx e de Lênin foram as que mais influenciaram os partidos comunistas em todo o mundo. Evidentemente, houve outras contribuições que foram produtos de momentos específicos da história do movimento comunista internacional. A partir de Marx e Engels, ressaltando-se que este último depois da morte de Marx fez elaborações no sentido de pensar o partido mais próximo dos trabalhos legais do que da perspectiva insurrecional, outras elaborações foram feitas: Bernstein e seu revisionismo da teoria da revolução em Marx, estabelecendo uma suposta via pacífica para o socialismo, alimentando o projeto social-democrata; o partido em Lênin, formado por revolucionários profissionais, os melhores das fileiras operárias que deveriam dirigir o proletariado para derrotar a burguesia e instaurar sua ditadura de classe; as críticas de Rosa Luxemburgo, mantendo a perspectiva revolucionária, mas combatendo a excessiva rigidez e centralismo bolcheviques e valorizando os momentos espontâneos das lutas como forma originária de organização; o chamado “marxismo-leninismo” da era Stalinista, momento em que há uma fossilização da teoria marxista e a adequação da mesma, sempre de forma tortuosa, aos imperativos relacionados à manutenção do estado operário e da burocracia soviética; a releitura eurocomunista, por um lado revigorando a crítica aberta e o pluralismo interno e por outro perdendo a independência de classes a partir da ampliação do raio de aliança dentre os comunistas.

Todo este acúmulo de experiências, guerras e revoluções pela qual passou o movimento comunista entre 1848-1989 passa a ser hoje o repertório a partir do qual os comunistas devem novamente debruçar-se sobre o problema do partido, da sua relação com a classe e da sua relação com a estratégia comunista. Não se trata de voltar-se às fontes para aplicá-las de forma mecânica sem mediações de tempo ou de lugar: trata-se sim de avaliar os erros e acertos, bem como apoderar-se desta rica experiência para propor soluções criativas mas não utópicas – como as que abrem mão do partido e da organização classista, por exemplo em Negri e Boaventura. Certamente, o capitalismo contemporâneo, a reestruturação produtiva e as novas tecnologias de comunicação criaram novos desafios aos revolucionários, bem como exigem uma reatualização das formas de organização da classe. Entretanto, este momento defensivo (que aliás podemos perceber que também é provisório na medida em que o capitalismo já surge mundialmente em crise) não deve nos levar a abandonar os princípios, a independência de classe, a estratégia comunista e a tática do partido político revolucionário. Afinal, até hoje não se conheceu na história nenhum processo de emancipação social da qual se prescindiu da forma partidária para organizar o movimento, fazer com que o mesmo crie confiança em suas forças e vença.

 

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