Resenha livro # 85- “Partido e
Revolução – 1848-1989” – Marcelo Braz – Ed. Expressão Popular
Este estudo de Marcelo Braz é fruto de sua tese de doutorado na
Faculdade de Serviço Social da UFRJ. Trata-se de um estudo de longa duração
acerca do movimento comunista internacional, tendo como base a forma como as
questões do partido e da revolução foram equacionadas nas diversas experiências
socialistas ao longo da história.
Ressaltamos o aspecto de “longa duração” desta pesquisa, em primeiro
lugar, por ser algo raro de ser observado no meio acadêmico. Observa-se via de
regra análises históricas que privilegiam, cada vez mais, o particular e o
fragmentário, em detrimento de estudos voltados às análises totalizantes e
teleológicas: esta tendência na academia remonta à ofensiva pós-moderna que
encontra seu correspondente político imediato no neoliberalismo. Assim, o
trabalho de Marcelo Braz é um estudo que vai contra a corrente: seja nos seus
pressupostos teórico-metodológicos, seja no seu campo de investigação e também
nas suas conclusões. Em segundo lugar, qualificamos como um estudo de “Longa
Duração” pela enorme diversidade de eventos e processos históricos que envolvem
os anos de 1848-1989, sendo este um bom estudo panorâmico e introdutório da
história do movimento comunista mundial.
Discutir o problema do partido político e da revolução dentro da
história do movimento comunista internacional remete, neste estudo, a mais um
esforço contra-hegemônico de re-afirmação do projeto socialista, bem como da
atualidade da forma partidária como meio que foi para a consecução de todas as
vitórias revolucionárias do séc. XX – seja no sentido de preparar as condições
subjetivas de rupturas, seja no sentido de conduzir os estados pós-capitalistas
rumo a novas experiências societárias.
Com o fim da URSS, a reestruturação capitalista a partir de 1973 e a
posterior ofensiva neoliberal, questões essenciais ao movimento comunista
internacional como partido revolucionário, classes sociais e mesmo a ideia de
revolução passaram a ser contestados quanto à sua atualidade.
Houve aqueles que chegaram mesmo a dizer que chegávamos, com o fim do
socialismo real e a vitória do capitalismo democrático-liberal, ao “Fim de
História”. É nesse cenário geral que se pode falar numa “crise” do movimento
comunista internacional. Marcelo Braz tem esta crise como ponto de partida e ponto
de chegada de seu estudo. Inicialmente, constatando a consolidação do
pós-modernismo, da negação das formas partidárias de luta e correspondente negação
de mobilizações que visem à totalidade das relações sociais em detrimento da
valorização das lutas parciais (ecológicas, de gênero, de sexualidade, etc.)
que quando estão descaracterizadas quanto ao seu corte de classes tornam-se
inteiramente inofensivas à ordem capitalista. Dado este quadro
contra-revolucionário e de crise do movimento comunista, Braz fará um minucioso
resgate histórico da evolução conceitual de partido e revolução na história do
movimento comunista de forma a tornar claro “como” chegamos ao atual impasse.
O ponto de partido data-se de 1848, ano do lançamento do Manifesto
Comunista por Marx e Engels. Existe controvérsia dentre historiadores e
pesquisadores do marxismo se Marx chegou a desenvolver de fato uma teoria de
partido, tal como se observaria com Lênin em seu “O que Fazer” (1902). Não
existe em Marx uma obra específica sobre o assunto, mas apontamentos teóricos
esparços, sendo o manifesto o documento que inicia o trabalho sobre esta
problemática – sendo ainda importantes às críticas de Marx ao programa de Gotha
e os seus textos que discorrem sobre organização na Comuna de Paris, informes
dirigidos à Associação Internacional dos Trabalhadores reunidos em “Guerra
Civil na França”. Para Marx, o partido comunista é mais uma das diversas
correntes que atuam no âmbito do movimento operário – o seu internacionalismo e
sua maior consequência política vai diferenciá-lo das demais correntes
políticas. Aqui observa-se uma diferença entre as noções de partido em Marx e
Lênin. Enquanto para Marx, o partido comunista é um dos partidos (frações) do
movimento operário, em Lênin o partido comunista é O partido dos trabalhadores,
ou, para ser mais exato, é a sua vanguarda. Curiosamente, o modelo mais aberto
de partido em Marx seria posteriormente retomado por movimentos que reagiam ao
monolitismo stalinista, ainda que perdendo a dimensão efetivamente
revolucionária e classista, como o eurocomunismo observado nos partidos
comunistas da Itália, França e Espanha a partir de meados dos anos 1950.
De qualquer forma, importa ressaltar que as contribuições originárias
de Marx e de Lênin foram as que mais influenciaram os partidos comunistas em
todo o mundo. Evidentemente, houve outras contribuições que foram produtos de
momentos específicos da história do movimento comunista internacional. A partir
de Marx e Engels, ressaltando-se que este último depois da morte de Marx fez
elaborações no sentido de pensar o partido mais próximo dos trabalhos legais do
que da perspectiva insurrecional, outras elaborações foram feitas: Bernstein e
seu revisionismo da teoria da revolução em Marx, estabelecendo uma suposta via
pacífica para o socialismo, alimentando o projeto social-democrata; o partido
em Lênin, formado por revolucionários profissionais, os melhores das fileiras
operárias que deveriam dirigir o proletariado para derrotar a burguesia e
instaurar sua ditadura de classe; as críticas de Rosa Luxemburgo, mantendo a
perspectiva revolucionária, mas combatendo a excessiva rigidez e centralismo
bolcheviques e valorizando os momentos espontâneos das lutas como forma
originária de organização; o chamado “marxismo-leninismo” da era Stalinista,
momento em que há uma fossilização da teoria marxista e a adequação da mesma,
sempre de forma tortuosa, aos imperativos relacionados à manutenção do estado
operário e da burocracia soviética; a releitura eurocomunista, por um lado
revigorando a crítica aberta e o pluralismo interno e por outro perdendo a
independência de classes a partir da ampliação do raio de aliança dentre os
comunistas.
Todo este acúmulo de experiências, guerras e revoluções pela qual
passou o movimento comunista entre 1848-1989 passa a ser hoje o repertório a
partir do qual os comunistas devem novamente debruçar-se sobre o problema do
partido, da sua relação com a classe e da sua relação com a estratégia
comunista. Não se trata de voltar-se às fontes para aplicá-las de forma
mecânica sem mediações de tempo ou de lugar: trata-se sim de avaliar os erros e
acertos, bem como apoderar-se desta rica experiência para propor soluções
criativas mas não utópicas – como as que abrem mão do partido e da organização
classista, por exemplo em Negri e Boaventura. Certamente, o capitalismo
contemporâneo, a reestruturação produtiva e as novas tecnologias de comunicação
criaram novos desafios aos revolucionários, bem como exigem uma reatualização
das formas de organização da classe. Entretanto, este momento defensivo (que
aliás podemos perceber que também é provisório na medida em que o capitalismo
já surge mundialmente em crise) não deve nos levar a abandonar os princípios, a
independência de classe, a estratégia comunista e a tática do partido político
revolucionário. Afinal, até hoje não se conheceu na história nenhum processo de
emancipação social da qual se prescindiu da forma partidária para organizar o
movimento, fazer com que o mesmo crie confiança em suas forças e vença.
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