Resenha Livro #95 - “Movimento
Operário No Brasil (1877-1944) – (Org.) Edgard Carone – Ed. Difel
Engana-se quem procura neste livro uma análise sistemática do
historiador Edgard Carone acerca da história do movimento operário no Brasil e
suas origens em particular. À parte um curto prefácio introdutório, todo o
mérito do historiador reside, aqui, na pesquisa, na organização/sistematização e na publicação das mais diversas fontes históricas relacionadas ao tema. São muitos
e muitos artigos de jornais e revistas, panfletos, cartas e boletins ordenados
numa antologia dividida em duas partes.
A primeira parte, denominada "Condição Humana", cuida dos problemas mais
sentidos pelo nascente movimento operário brasileiro. Por meio dos textos vamos
tendo contato com o trabalho na fábrica, a vida nos sindicatos e associações de
ajuda mútua, além de seleção de diversos manifestos que cuidam de explicitar
quais eram as bandeiras de luta do nascente movimento operário.
Como se sabe, a
abolição do trabalho escravo só ocorreu no Brasil em 1888, sendo mais ou menos
deste período as primeiras manifestações operárias protagonizadas
essencialmente por imigrantes (predominantemente da Itália) que vinham ao
Brasil trabalhar sob o sistema de parceria. E não será à toa que uma das
principais bandeiras de luta dos operários de então será contra a lei de expulsão dos
estrangeiros, lei Adolpho Gordo, estratagema das classes dominantes para
criminalizar e expulsar do país os elementos estrangeiros envolvidos em
movimentos reivindicatórios. Outras frentes de luta importantes: contra o
militarismo (com especial participação dos anarquistas), contra à I Guerra Mundial, contra o tratado de Versalhes, contra os integralistas e o fascismo, contra a carestia da vida que se expressa
pela alta dos preços dos alimentos não acompanhada do aumento nos salários e os
altos preços dos aluguéis. As comemorações do primeiro de maio, em homenagem
aos mártires de Chicago, também aparecem em distintos materiais impressos.
A segunda parte desta antologia denomina-se “Organização e Ideologia”.
Aqui o foco dos textos bem como a sistematização feita por Carone delimitam-se
pelas particularidades das diversas correntes políticas que atuavam dentro do movimento operário de então.
E aqui cabe
um parênteses importante.
A história tradicional do movimento operário
brasileiro costuma acentuar o elemento anarquista como se fosse a única
corrente política existente em nosso movimento sindical, até 1917 (Revolução
Russa) e 1922 (Fundação do Partido Comunista Brasileiro), quando estes
anarquistas de ontem teriam "aderido em massa" ao comunismo. As análises das
fontes primárias vão em sentido contrário. Primeiro porque o anarquismo, antes
de 1922 e 1917, não era a única orientação política de nossos primeiros
sindicatos e obreiros em luta. Havia além dos anarquistas, centros e partidos
reformistas (Partido Operário do RS – 1890; Partido Socialista Brasileiro – 1890;
Partido Democrata-Socialista – 1896, e muitas outras experiências regionais).
Estava muito bem representado um certo sindicalismo “puro-sangue”
que se pautava exclusivamente pela luta econômica e condenava a introdução de
correntes de pensamento político por causarem divisão dentro do movimento operário. Com
algumas variações nos discursos, muitas destas uniões profissionais até poderiam
passar por anarquistas, em especial por também cuidarem de afastar a religião,
também como meio disseminador da discórdia. Mas estes sindicalistas
anti-políticos e anti-religiosos seriam mais bem caracterizados como
coorporativistas do que como anarquistas. E finalmente, havia Centros Operário
Católicos que buscavam conquistar as mentes e corações dos trabalhadores pela
direita. Os centros operários católicos recomendavam aos trabalhadores cristãos
afastarem-se dos "subversivos" anarquistas que “incitam o ódio e a inveja aos
ricos”. Os reformistas, reconhecendo eventualmente as más condições de vida dos
trabalhadores, advogavam soluções de conciliação: em muitos dos programas dos
chamados partidos socialistas há a recomendação para a conformação de tribunais imparciais de arbitragem entre patrões e trabalhadores. Alguns reformistas se colocam
contra a greve. Outros entendem-na como um mal necessário e apenas legítima em
casos extremos. Sintomaticamente, um jornal denominado o Imparcial, advogava a conciliação entre patrão, operário e estado e o "equilíbrio social".
Agora o que certamente podemos oferecer como concessão aos anarquistas
é o fato de que os seus jornais, àquela época, serem os que ofereciam uma
crítica social mais radical e poderosa, destacando-se dois jornais que chamam
nossa atenção para os temas que abordam de modo bastante avançado: Terra Livre
de São Paulo (1905) dirigido por Edgar Leuenroth e o periódico Amigos do Povo
também de São Paulo dirigido pelo anarquista português Neno Vascos (1904). São
os anarquistas que tecem as críticas mais qualificadas à hipocrisia da Igreja
que chama os operários a resignarem-se aos desmandos dos patrões; são os anarquistas
que estabelecem uma distinção importante entre exército e polícia, defendendo a
greve dos primeiros e se posicionando contra os segundos, estando aqui mais avançados daqueles que ainda hoje insistem em falar, no Brasil, em "desmilitarização da polícia"; são os anarquistas
que puxam campanhas internacionalistas de solidariedade, como as de apoio ao
fundador da escola Moderna, Ferrer, preso na Espanha.
O fato é que esta vasta documentação organizada por Edgar Carone
contribui para avançarmos na compreensão das raízes do nosso movimento
operário. Trata-se igualmente de um importante trabalho para aqueles
interessados em estudar a história das ideias políticas do Brasil (em especial
a segunda parte da antologia) bem como a história social de nossa classe obreira (em
especial a primeira parte da antologia).
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