sábado, 4 de janeiro de 2014

“Movimento Operário No Brasil (1877-1944) – (Org.) Edgard Carone

Resenha Livro #95 - “Movimento Operário No Brasil (1877-1944) – (Org.) Edgard Carone – Ed. Difel



Engana-se quem procura neste livro uma análise sistemática do historiador Edgard Carone acerca da história do movimento operário no Brasil e suas origens em particular. À parte um curto prefácio introdutório, todo o mérito do historiador reside, aqui, na pesquisa, na organização/sistematização e na publicação das mais diversas fontes históricas relacionadas ao tema. São muitos e muitos artigos de jornais e revistas, panfletos, cartas e boletins ordenados numa antologia dividida em duas partes.
A primeira parte, denominada "Condição Humana", cuida dos problemas mais sentidos pelo nascente movimento operário brasileiro. Por meio dos textos vamos tendo contato com o trabalho na fábrica, a vida nos sindicatos e associações de ajuda mútua, além de seleção de diversos manifestos que cuidam de explicitar quais eram as bandeiras de luta do nascente movimento operário. 
Como se sabe, a abolição do trabalho escravo só ocorreu no Brasil em 1888, sendo mais ou menos deste período as primeiras manifestações operárias protagonizadas essencialmente por imigrantes (predominantemente da Itália) que vinham ao Brasil trabalhar sob o sistema de parceria. E não será à toa que uma das principais bandeiras de luta dos operários de então será contra a lei de expulsão dos estrangeiros, lei Adolpho Gordo, estratagema das classes dominantes para criminalizar e expulsar do país os elementos estrangeiros envolvidos em movimentos reivindicatórios. Outras frentes de luta importantes: contra o militarismo (com especial participação dos anarquistas), contra à I Guerra Mundial, contra o tratado de Versalhes, contra os integralistas e o fascismo, contra a carestia da vida que se expressa pela alta dos preços dos alimentos não acompanhada do aumento nos salários e os altos preços dos aluguéis. As comemorações do primeiro de maio, em homenagem aos mártires de Chicago, também aparecem em distintos materiais impressos.
A segunda parte desta antologia denomina-se “Organização e Ideologia”. Aqui o foco dos textos bem como a sistematização feita por Carone delimitam-se pelas particularidades das diversas correntes políticas que atuavam dentro do movimento operário de então. 
E aqui cabe um parênteses importante. 
A história tradicional do movimento operário brasileiro costuma acentuar o elemento anarquista como se fosse a única corrente política existente em nosso movimento sindical, até 1917 (Revolução Russa) e 1922 (Fundação do Partido Comunista Brasileiro), quando estes anarquistas de ontem teriam "aderido em massa" ao comunismo. As análises das fontes primárias vão em sentido contrário. Primeiro porque o anarquismo, antes de 1922 e 1917, não era a única orientação política de nossos primeiros sindicatos e obreiros em luta. Havia além dos anarquistas, centros e partidos reformistas (Partido Operário do RS – 1890; Partido Socialista Brasileiro – 1890; Partido Democrata-Socialista – 1896, e muitas outras experiências regionais). 
Estava muito  bem representado um certo sindicalismo “puro-sangue” que se pautava exclusivamente pela luta econômica e condenava a introdução de correntes de pensamento político por causarem divisão dentro do movimento operário. Com algumas variações nos discursos, muitas destas uniões profissionais até poderiam passar por anarquistas, em especial por também cuidarem de afastar a religião, também como meio disseminador da discórdia. Mas estes sindicalistas anti-políticos e anti-religiosos seriam mais bem caracterizados como coorporativistas do que como anarquistas. E finalmente, havia Centros Operário Católicos que buscavam conquistar as mentes e corações dos trabalhadores pela direita. Os centros operários católicos recomendavam aos trabalhadores cristãos afastarem-se dos "subversivos" anarquistas que “incitam o ódio e a inveja aos ricos”. Os reformistas, reconhecendo eventualmente as más condições de vida dos trabalhadores, advogavam soluções de conciliação: em muitos dos programas dos chamados partidos socialistas há a recomendação para a conformação de tribunais imparciais de arbitragem entre patrões e trabalhadores. Alguns reformistas se colocam contra a greve. Outros entendem-na como um mal necessário e apenas legítima em casos extremos. Sintomaticamente, um jornal denominado o Imparcial, advogava a conciliação entre patrão, operário e estado e o "equilíbrio social".
Agora o que certamente podemos oferecer como concessão aos anarquistas é o fato de que os seus jornais, àquela época, serem os que ofereciam uma crítica social mais radical e poderosa, destacando-se dois jornais que chamam nossa atenção para os temas que abordam de modo bastante avançado: Terra Livre de São Paulo (1905) dirigido por Edgar Leuenroth e o periódico Amigos do Povo também de São Paulo dirigido pelo anarquista português Neno Vascos (1904). São os anarquistas que tecem as críticas mais qualificadas à hipocrisia da Igreja que chama os operários a resignarem-se aos desmandos dos patrões; são os anarquistas que estabelecem uma distinção importante entre exército e polícia, defendendo a greve dos primeiros e se posicionando contra os segundos, estando aqui mais avançados daqueles que ainda hoje insistem em falar, no Brasil, em "desmilitarização da polícia"; são os anarquistas que puxam campanhas internacionalistas de solidariedade, como as de apoio ao fundador da escola Moderna, Ferrer, preso na Espanha.
O fato é que esta vasta documentação organizada por Edgar Carone contribui para avançarmos na compreensão das raízes do nosso movimento operário. Trata-se igualmente de um importante trabalho para aqueles interessados em estudar a história das ideias políticas do Brasil (em especial a segunda parte da antologia) bem como a história social de nossa classe obreira (em especial a primeira parte da antologia).     


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