Resenha livro 99# - “Sobre os Sindicatos” – Lênin – Editora
Polis 1979 – Coleção Teoria e História 4
“O princípio
fundamental, o primeiro preceito de todo movimento sindical, consiste no
seguinte: não confiar no “Estado”, confiar unicamente na força de sua classe. O
Estado é a organização da classe dominante”. V. I. Lênin Pravda nº 90 Jun
1917
Tivemos acesso a esta compilação de escritos de Lênin acerca
dos sindicatos (e questões corelatas, como as greves e a organização dos
camponeses) promovida pela Editora Polis.
São mais de 50 excertos extraídos de resoluções de congressos do Partido
Operário Social Democrata Russo (POSDR), trechos de artigos de jornais,
polêmicas dentro do partido operário junto aos economistas, aos mencheviques e
aos liquidacionistas e recomendações pessoais de Lênin aos trabalhos já no
âmbito da construção do socialismo.
É possível arriscar uma periodização dos textos conforme as diferentes fases da evolução histórica do movimento revolucionário na Rússia. Os primeiros artigos, correspondentes a uma primeira etapa nas análises, datam de 1895/1896 e vão até o ano de 1905. A questão premente, que perpassa os artigos, é a preocupação em articular a luta econômica (sindical) com a luta política (contra o tzar, pela República). A organização dos operários russos de então, o POSDR, apresenta como plataforma a unificação entre estas duas dimensões da luta – trata-se de transformar as lutas sindicais em lutas de classe, passar de uma mobilização pontual entre assalariados e patrão a uma união de toda a classe proletária contra os patrões de toda a Rússia. Se os capitalistas em todo mundo rompem as barreiras das fronteiras nacionais e se articulam mundialmente (por meio, por ex., das sociedades anônimas), uma organização de resistência operária deve também passar por um processo de unificação, nacional e internacional, que deveria ser levada a cabo pelo partido operário, o setor mais consciente da classe.
Aqui surge a polêmica com os “economistas”, setores do
movimento operário que descartam a luta política sob o argumento de que a
mobilização partidária “divide” e “enfraquece” os operários. Contra este ponto
de vista, Lênin e seus seguidores relacionam o ponto de vista do “economismo”
com os interesses da burguesia liberal, que acaba defendendo um programa
parecido de reformas de “conciliação de classes”, além de advogarem a
circunscrição dos limites das lutas operárias dentro dos marcos sindicais. É
importante ressaltar aqui que o ponto de vista de Lênin e seus seguidores não é
o de negligenciar ou rebaixar a segundo plano a luta sindical. Os Iskristas sabiam
bem como o incipiente e progressivo movimento grevista na Rússia de inícios do
séc. XX expressava uma possibilidade de revolução: ocorre que justamente para
converter a greve econômica em luta política, torna-se necessária a
participação partidária nos sindicatos, justamente conscientizando e educando
os operários para as políticas do proletariado revolucionário. Lênin advoga a
criação de células do partido dentro de agremiações sindicais, bem delimitando
uma organização da outra – e contra, portanto, um entendimento de “flexibilização”
do partido, no sentido de torná-lo “mais amplo”.
Uma segunda etapa pode ser delimitada das jornadas de lutas de 1905 até a tomada do poder pelos bolcheviques em outubro 1917. Como se sabe, a partir do fatídico ano de 1905, o número de greves expandiu-se rapidamente por todo território russo em escala jamais vista. O próprio Lênin destaca algumas particularidades do desenvolvimento capitalista na Rússia como elementos que irão engendrar as enormes greves do período: na Rússia a ausência de leis sociais sob o tzarismo, a enorme concentração fabril em alguns poucos distritos e a situação de exploração total dos operários (largas jornadas de trabalho, cobrança de multas pelos patrões aos operários, falta de meios de auxílios aos acidentados no trabalho) todos estes elementos criaram um verdadeiro barril de pólvora que estourou em 1905, o denominado ensaio geral da revolução russa de 1917.
Um artigo redigido por Lênin e publicado no órgão Proletari
faz uma minuciosa descrição da greve política das lutas de rua em Moscou. Vejamos
uma passagem do artigo:
“No domingo, 25 de
setembro (8 de outubro), os acontecimentos tomam feições ameaçadoras. Desde as
onze da manhã começam as concentrações operárias nas ruas. A multidão canta a
Marselha. Improvisam-se comícios revolucionários. São destroçadas as oficinas
gráficas que se recusam a acompanhar a greve. O povo assalta as padarias e os
depósitos de armas: os operários necessitam de pão para viver e de armas para
lutar pela liberdade (exatamente como se diz numa canção revolucionária
francesa). Os cosacos (polícia) só conseguem dissolver os manifestantes depois
da mais tenaz resistência”.
Uma terceira etapa referente à periodização dos distintos
debates sobre o sindicato no movimento russo inicia-se com a tomada e a
consolidação do poder nas mãos dos operários. Num momento anterior, os
revolucionários discutiam a questão sindical inserida num quadro de luta contra
o tzarismo (e o governo provisório, quando a revolução passa de seu momento
democrático-burguês para propriamente socialista). E num estado operário, qual
deveria ser o papel dos sindicatos? O ponto de vista de Lênin é o da assimilação
dos sindicatos ao estado proletário – os sindicatos não se “dissolvem” dentro
do estado, mas sobrevivem e continuam com o seu papel de defesa dos interesses
dos trabalhadores, acrescentando, agora, tarefas relacionadas à direção da
produção, à disciplina no trabalho e a propaganda e agitação política nas
fábricas. Os comunistas devem aproveitar as entidades sindicais existentes,
tirar proveito de uma base operária mais ampla do que o partido, como meio de
efetivar o controle operário sobre a produção – e avançar na socialização dos
meios de produção.
Existe uma diferença crucial, outrossim, entre a atuação do
sindicato combativo no estado capitalista e no estado operário: no estado
capitalista, o movimento sindical (a luta econômica) deve ser um momento específico
de uma luta maior, uma luta política, uma luta de classes envolvendo
proletariado e burguesia – e esta luta volta-se em algum momento contra o
estado dos capitalistas. Quando o proletariado detém o poder político, os sindicatos atuam na defesa dos interessas
trabalhistas e também em defesa do estado proletário, de sua manutenção frente
aos conspiradores e sabotadores. Em Lênin, assim, o sindicato, no âmbito do estado
soviético, é um instrumento político que avança na tarefa de educar o
proletariado a administrar a produção, a liderar o estado. Se há um denominador
comum em todas as distintas fases históricas em que o problema sindical foi
discutido no movimento russo, este denominador refere-se ao papel pedagógico
dos sindicatos. Para utilizar uma expressão de Lênin, os sindicatos devem ser
uma “escola de comunismo”.
Trótsky contra Lênin.
É comum escutar trotskystas argumentando ser o seu
trotskysmo “a” continuação “legítima” do marxismo-leninismo. No que trata ao
problema sindical, eis uma passagem da opinião de Lênin sobre a tese trotskysta
acerca dos sindicatos:
“Conclusões: nas teses
de Trótski e Bukharin há toda uma série de erros teóricos. Uma série de
inexatidões de princípio. Politicamente, toda a análise da questão equivale a
uma absoluta falta de tato. As “teses” do camarada Trótski são uma coia nefasta
no sentido político. Sua política, em suma, é uma política de limitação
burocrática dos sindicatos. Estou seguro de que o congresso de nosso Partido
condenará e rechaçará esta política”.
O que Lênin critica em seu artigo – de 1921 – é a falta da
disposição dos bolcheviques em estudar e analisar a experiência prática dos
trabalhos levados a cabo pelo Conselho Superior de Economia Nacional, os
sindicatos e tribunais disciplinares (para o trabalho). Ao invés de se deter na
experiência prática do movimento, Trótski faz uma discussão abstrata e
meramente teórica, criando divergência onde não há diferenças de fato. Este é o
eixo principal da crítica de Lênin em seu artigo “Sobre os sindicatos, o
momento atual e os erros de Trótski”.
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