quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

“Mao e a China” – Roberto Buggiati

Resenha Livro #97 “Mao e a China” – Roberto Muggiati – Editora Record Livraria



Sobre o autor
Roberto Muggiati, jornalista brasileiro com formação no “Centro de Formação de Jornalistas de Paris”. Trabalhou em órgãos como BBC, Jornal do Brasil, Manchete e foi correspondente da Associated Press.
Uma questão costuma ser suscitada, em geral, pelos historiadores. Ocorre que o livro de Muggiati é um livro da história política e social da China, partindo-se dos primeiros movimentos nacionalistas contra a dominação estrangeira (acentuada pelo imperialismo japonês, britânico, russo e posteriormente norte-americano), passando pela formação do movimento comunista chinês, seus encontros e desencontros com o partido nacionalista Koumitang (KMT) de Chiang-Kai-Shek, a guerra contra o Japão, a guerra civil, a vitória dos comunistas em 1949 e o desenvolvimento do movimento chinês no poder. Mas se trata de um livro de história escrito por um jornalista. O estilo é objetivo e acessível. Parece uma grande reportagem. Do ponto de vista metodológico, pode-se dizer que é uma bem sucedida descrição e análise crítica tanto da história chinesa quanto de seu movimento comunista em particular. As fontes não se resumem aos documentos oficiais, mas trechos de reportagens, entrevistas feitas junto ao próprio Mao Tsé Tung, além de outros depoimentos colhidos por viajantes estrangeiros chineses.
Via de regra, o historiador costuma olhar com reservas os trabalhos empreendidos pelos seus colegas jornalistas na área de história. Neste caso em particular, porém, podemos dizer que Muggiati é um jornalista ou historiador bem sucedido. Sua isenção não implica numa falsa imparcialidade. O jornalista mostra autonomia apontando méritos e deméritos da experiência revolucionária chinesa, buscando aprofundar o seu objeto de estudo e desmistificar algumas versões correntes acerca da China – como aquela que seria propagada até pela aliada URRS, segundo a qual os chineses seriam um povo dedicado à guerra – o que serviria de argumento para os soviéticos negarem o acesso às fontes científicas para a construção da bomba atômica, que seria criada de todo modo pelos chineses, posteriormente.
A China é um país que teve sua história marcada por guerras, invasões estrangeiras e insurreições, quadro acentuado no séc. XIX pelas contradições promovidas pela intervenção imperialista no País. Um primeiro reflexo daquelas contradições seria a guerra dos Boxers, movida pelos chineses contra o imperialismo inglês que introduzira (e muito lucrava com) o ópio. Além do problema externo, havia falta de unidade nacional e territorial. A China durante o séc. XIX e início do XX fora um protetorado objeto de disputa entre ingleses, japoneses e russos. O Imperialismo se servia de um lucrativo comércio e dominava politicamente a China, nas condições mais humilhantes para os chineses. A fúria nacionalista contra a dominação britânica e japonesa era decorrente de uma situação vexatória na qual os estrangeiros eram cidadãos invioláveis no país. Este elemento nacionalista seria uma constante até a vitória definitiva da revolução chinesa.
Outrossim, a Revolução Chinesa tinha como desafio vencer os entraves feudais representados pelos “Senhores de Guerra”, donos de terras e de armas e que dividiam territorialmente o país nas suas áreas de influência. Para o Partido Comunista Chinês, fundado em 1921, a revolução teria de se voltar às duas frentes: à frente externa, contra o imperialismo; e à frente interna, contra os senhores feudais e posteriormente contra as forças do KMT.
A revolução
Um elemento distintivo da revolução chinesa refere-se à sua duração. A luta dos comunistas pelo poder dura nada menos do que 37 anos. Foram quase 4 décadas de uma luta constante e insistente, movida pelo Exército Vermelho, formado por camponeses e comunistas, sem operários, dada a incipiente industrialização chinesa antes da vitória em 1949.
Um elemento constitutivo daquela história seria a longa ou grande marcha, na verdade uma mobilização militar encabeçadas pelos comunistas – tendo Mao Tsé Tung como um dos líderes. O exército popular contava com 100 mil homens e percorreram em um ano quase 10.000 KM. Certamente foi uma mobilização heroica. Diante da inferioridade numérica das forças comunistas contra KMT, o Exército de Libertação Popular tinha como tática pequenos ataques de guerrilha de forma a surpreender o adversário, evitando sempre um confronto aberto e frontal. Moviam-se pelas matas e era ajudados pelos camponeses. Os comunistas tinham o apoio moral da população e cada vez mais ganhavam adesões. Isso porque o exército popular seguia uma estrita disciplina de respeito à população, além de introduzir o igualitarismo dentro do próprio exército – não havia no exército comunista soldados obedientes e subservientes e oficiais arrogantes e autoritários, mas um esforço no sentido da “disciplina consciente”, além de práticas saudáveis como sempre fazer com que os oficiais voltassem tempo a tempo a sua condição de soldado. Enquanto isso o exército nacionalista ia de encontro à desmoralização, diante de um governo corrupto e que logo se mostrou prostrado ao inimigo japonês. Foram justamente as vacilações de Chiang Kai Shek no combate aos japoneses aliadas ao enorme prestígio que ia desfrutando o exército vermelho, os elementos constituintes da vitória da revolução chinesa.
 A história da revolução chinesa não se encerra com a tomada do poder. Muggiati prossegue analisando o processo de industrialização chinês – um fenômeno descentralizado e que, segundo observadores em nada simpáticos ao comunismo, teria sido uma industrialização com inclusão social, em que o interesse da empresa não é apenas econômico, mas social, político e pedagógico.
Um capítulo à parte são as relações tumultuadas entre China e URSS que levaria, após a morte de Stálin, à ruptura sino-soviética de 1963. Stálin certamente cometera erros graves na análise de forças durante a revolução chinesa. Tendia a considerar o KMT como um partido aliado dentro da concepção etapista segundo a qual um país camponês e não industrializado deveria unir-se aos nacionalistas para uma revolução democrático-burguesa: o problema era que o governo de Kai Shek paulatinamente vinha capitulando ao imperialismo de forma a priorizar o combate ao “inimigo comunista” sobre o combate ao inimigo japonês. Outrossim, seria com a desestalinização e com a política de “coexistência pacífica” que viriam os atritos definitivos entre chineses e russos. Um dos efeitos mais graves da ruptura foi a retirada de cerca de 1720 técnicos russos da China, prática com efeitos catastróficos na economia chinesa.
O ensaio se encerra com análises daquele país até o fim dos anos 1960. Mas certamente, o que parece ser mais valioso para os comunistas brasileiros ainda é a heroica história da revolução.
A experiência chinesa ressalta o voluntarismo, a abnegação e o sacrifício do indivíduo em favor do coletivo. “Em determinadas circunstâncias, o subjetivo cria o objetivo”, dizia Mao, e aqui ele bem sintetiza o espírito daquela revolução.  Exemplos de batalhas militares entre vermelhos e brancos, na guerra civil, noticiam eventos em que os soldados vermelhos se destacavam como voluntários em tarefas em que sabiam ser quase certa a sua morte, como na tomada de uma ponte ante cidade ocupada pelo KMT. A própria longa marcha, com seu ascetismo, com caminhadas pela noite, com pouquíssima comida, além de temporadas em montanhas geladas, enfrentando o bombardeio do KMT a partir de aviões americanos, em si, expressa a enorme força de vontade dos comunistas chineses. Vale a pena conhecer esta história de abnegação e heroísmo que paira a história da revolução chinesa. Já os seus desdobramentos e a qualidade da China (hoje, aparentemente, um capitalismo de estado) passa a ser história para uma outra resenha.  
“Sem negar que o humanismo individualista burguês desempenhou um papel positivo durante um certo período histórico, estamos convencidos de que o humanismo proletário desempenhará um papel ainda maior. Certo, a burguesia destronou Deus para colocar o homem no centro do mundo. É o seu mérito. Mas o homem que ela colocou num pedestal é o seu homem, um burguês egoísta, impregnado de valores da sociedade de consumo. Em nossa sociedade um homem bem diferente e bem melhor está sendo formado”
Cheu Yang – dirigente do Partido Comunista Chinês
   


Nenhum comentário:

Postar um comentário