sábado, 18 de janeiro de 2014

“A Esquerda Militar no Brasil” – João Quartim de Moraes

Resenha Livro #98 “A Esquerda Militar no Brasil: da conspiração republicana à guerrilha dos tenentes” – João Quartim de Moraes – Edições Siciliano

*Imagem de ilustração. Tivemos acesso ao volume da editora Siciliano. 


Tivemos acesso ao primeiro volume da história da esquerda militar no Brasil de João Quartim de Moraes. O volume vai dos momentos iniciais da formação do exército nacional após a independência, conflitos sociais e a ação do exército durante a regência e o Império,  da  conspiração republicana, do movimento abolicionista, do movimento florianista, da relação entre os militares e as chamadas políticas de salvação nos estados, dos primeiros levantes armados rebeldes como a revolta da armada (pela direita) e a revoluta da chibata (pela esquerda), pela resistência do forte de Copacabana (1922), até o movimento tenentista a partir de 1924.

Ainda que o foco do ensaio seja a especificidade das forças progressistas (“de esquerda”) do exército, como não poderia deixar de ser, esta história envolve a história dos militares brasileiros e a história política brasileira, do Império ao fim da República Velha, até a revolução de 1930.
Existem duas maneiras de se entender as diferenciações entre “esquerda” e “direita”. Como se sabe, esta denominação decorre da revolução francesa: à esquerda as forças progressistas relacionadas a projetos de transformação no sentido do igualitarismo; à direita as forças retrógradas, ou conservadoras da ordem desigual ou francamente reacionárias.

Já desde o ponto de vista marxista, a distinção entre “esquerda” e “direita” assumiria um sentido menos indefinido e vago. A esquerda marxista é revolucionária e alinha-se às classes produtoras e exploradas, que no capitalismo, são eminentemente o proletariado. Já a direita, desde o ponto de vista marxista, é o partido de todas as classes exploradoras, a burguesia nacional e internacional. No que tange a história da “esquerda militar”, como não poderia deixar de ser, estamos nos referindo ao sentido derivado da revolução francesa e não do marxismo.

E aqui aparece o que há de mais original e interessante neste ensaio de João Quartim de Moraes. Trata-se de seus balanços históricos – eventos históricos entendidos como progressista ou retrógrado. O que o autor faz é, na em medida que resgata a história política brasileira e os vários embates envolvendo os militares, o historiador vai delineando as posições progressistas e conservadoras de cada etapa histórica. O sentido marxista de “esquerda” não se enquadraria num país inteiramente agrário, virtualmente sem operariado. Assim, a “esquerda” militar foi, no final do séc. XIX, sintomaticamente denominada “jacobina”.

E os balanços dos vários embates políticos dentro dos quais os militares tomaram parte, ora penderam para a direita ora para a esquerda. Assim, no que tange ao problema da abolição, as forças armadas, e em particular o exército, tomam partido da liberação dos escravos, contra a vontade das classes latifundiárias que lutavam para perpetuar este odioso regime de trabalho. Segundo Quartim de Moraes, foi Nelson Werneck Sodré o primeiro a explicar o espírito abolicionista dos militares: na falta de contingentes para lutar na Guerra do Paraguai, o Império teve de se valer dos cativos, que lutavam heroicamente junto aos praças e oficiais mobilizados. Com o fim da Guerra, o retorno daqueles praças à condição de cativos revoltou seus colegas de farda.

E assim, segue a trajetória da esquerda militar brasileira. Um primeiro levante relacionado às más condições de vida dos Marujos foi a Revolta da Chibata liderada por João Cândido. O movimento teve como estopim justamente a punição de um marujo com 250 chibatadas. A repressão do governo foi brutal – e aqui não é difícil delinear qual era a “esquerda” e a “direita” no âmbito daquele conflito. Mesmo com promessas de anistias, os insurgentes foram presos, torturados e expulsos das forças armadas. Alguns anos mais tardes uma divisão análoga dentro das forças armadas pôde ser observada no movimento tenentista – alta patente em defesa da ordem e do governo e média e baixa patentes, além de voluntários do povo, junto às colunas rebeldes.  

Os tenentes iniciaram o 2º levante em São Paulo (o primeiro fora derrotado nas areias de Copacabana) e, concomitantemente, no Rio Grande do Sul. O objetivo do movimento era a derrubada do corrupto regime oligárquico: lutavam por eleições limpas, queria tirar do poder a elite agrário-exportadora que controlava a República, a valorização do exército e pela modernização do país.  O plano inicial dos tenentes envolvia a rápida tomada de São Paulo e a concentração de forças naquela cidade para a marcha até a capital, na época Rio de Janeiro.

A tomada de São Paulo não foi alcançada, mas os tenentes conseguiram bater em retirada de forma organizada e eficiente, após alguns dias de luta e bombardeio em São Paulo. Duas colunas, uma de São Paulo e outra do Rio Grande do Sul unir-se-iam em Foz do Iguaçu dando início à denominada Coluna Prestes, que percorreu 30 000 KM – mais espaço do que a Grande Marcha da Revolução Chinesa.
Um dos objetivos da obra de Quartim de Moraes delineado já na introdução é justamente desmentir pela história uma suposta inelutável tendência direitista das forças armadas no Brasil. Após o tenentismo, a esquerda militar daria mostras de existência pelo menos até 1964 com a revolta dos sargentos no RJ e sua adesão à campanha pelas Reformas de Base de Goulart.

Com o Golpe Militar direitista, houve sim a virtual eliminação de qualquer núcleo de esquerda dentro das forças armadas. Outrossim, é olhando para a história dos militares que veremos como em outras ocasiões, intervieram pela “esquerda” ou mais precisamente de forma “progressista”.

A doutrina positivista – hoje certamente retrógrada – conferiu aos militares do séc. XIX um elemento ideológico importante para a derrubada da monarquia – e certamente o fim da monarquia a instituição da república (ainda que fosse uma república dominada pelos clãs rurais) corresponderia a um avanço histórico. Hoje, o mínimo que se espera do exército é a sua não intervenção em assuntos internos – e mesmo na chamada “re-democratização” foi vista a utilização do exército para reprimir greves, como no caso de Volta Redonda, que culminou na morte de operários. Dada a nossa história política recente, temos razões para manter desconfiança junto às forças armadas, em especial caso ela opte por retomar o seu papel de interventora política nos momentos de crise – pelo lado da reação conservadora. Por outro lado, é certo que o projeto da Revolução Brasileira envolve uma frente militar, sendo também certo que a atual pecha direitista das forças armadas não signifique que novas intervenções pela esquerda não possam partir dos militares.   

Alto comando da Coluna Prestes em Porto Nacional, Goiás, 1925

Nenhum comentário:

Postar um comentário