A Questão de Raposa-Serra do Sol Por Aldo Rebelo
Resenha Livro – “Raposa-Serra do Sol: o índio e a questão nacional” –
Aldo Rebelo – Ed. Thesaurus
“É o conflito embutido na terra indígena Raposo-Serra do Sol, demarcada
em 1,7 milhão de hectares, para usufruto exclusivo de aproximadamente 11 mil
índios, em prejuízo de não índios que desde a Colônia ali também se instalaram
com a têmpera dos bandeirantes. (...) Como já tivemos oportunidade de afirmar,
o primeiro e maior erro neste debate é escolher um lado e nele entrincheirar-se
para travar uma guerra santa que desconsidera a legitimidade dos demais atores
que adensam o litígio. Forçoso é reconhecer que tal erro vem sendo cometido
além do tolerável pelo partido dos índios, que desenha o debate como um
antagonismo entre humanistas e burgueses – e nesta categoria infame são
enfiados todos os que buscam uma saída encaixada num projeto nacional, sem
ceder ao dogmatismo das facções.”.
A reserva indígena de Raposo-Serra do Sol se situa no extremo norte do
Estado de Roraima, nas divisas do país com a Guiana e a Venezuela.
A querela envolvendo a demarcação das terras indígenas de Raposo-Serra
do Sol ganhou repercussão nacional no ano de 2008 quando o STF garantiu a demarcação
contínua do território, acolhendo a pressão de ONGs e movimentos indigenistas,
em contraposição aos interesses de arrozeiros, das populações caboclas e até
mesmo de parte expressiva dos índios que defendiam a demarcação em ilhas
comunicantes.
Efetivamente, esta decisão acarretou a expulsão de moradores cujas
família lá se situam há mais de cem anos, boa parte deles brasileiros agricultores
voltadas à produção de arroz. A razão pela qual parte dos índios também se opunham
à demarcação contínua era a efetiva diferença de estágios civilizatórios dentre
as diferentes tribos – enquanto parcela dos índios ainda vivem sob estágio
nômade, sobrevivendo da caça e pesca, outras atingiram maiores patamares de desenvolvimento,
havendo índios que desenvolvem a agricultura e a pecuária.
Durante este litígio, Aldo Rebelo, então deputado federal por São
Paulo/SP, foi uma das poucas vozes dentro da esquerda a se opor à referida
homologação contínua das terras de Raposo-Serra do Sol.
Neste livro, o político alagoano nos mostra como esta operação
decorreu de uma campanha ideológica que buscou tratar do problema como um
confronto maniqueísta entre fazendeiros ávidos de dinheiro e índios oprimidos
(e que por esta razão merecem uma tutela não desinteressada de ONGs financiadas
por grupos estrangeiros).
Por fora deste debate ficou temas importes como a questão geopolítica
da Amazônia e os inúmeros precedentes históricos de intervenção estrangeira
direta ou indireta em torno da espoliação das riquezas nacionais.
Em Roraima se situa a maior reserva de urânio do Mundo. E não é de
agora que esta região desperta a cobiça do estrangeiro.
Ainda em junho de 1838, um missionário anglicano de nome THOMAS YOUD chegou
até a aldeia brasileira no Pirara em Roraima e instalou-se um pouco mais acima,
criando uma missão religiosa entre os rios Pirara e Moneca, à margem esquerda
do Guatatá. Atraiu para o local alguns ingleses, que se misturaram com os
índios e com brancos que ali já estavam instalados.
No ano de 1901 foi levada à arbitragem internacional uma disputa
territorial em torno da região do Pirara, igualmente na região fronteiriça de
Roraima. O modus operandi dos ingleses é por nós conhecido: buscaram cooptar aparcelas
de populações indígenas, a quem ensinaram o Inglês, para, então, buscar formar
a ideia de que a região pertencia a uma nação diferente da do Brasil, através
de uma propaganda em que os índios aparecem como vítimas da opressão de
fazendeiros e latifundiários Brasileiros.
Tratando da questão do Pirara, diz LUIZ ERNANI CAMINHA GIORGIS
A arbitragem atribuiu assim, à Inglaterra,
o território entre os rios Mahú-Tacutú e o Rupununi, consagrando a usurpação de
1840, desprezando o divisor de águas – a Serra de Pacaraima – e,
principalmente, trouxe o domínio britânico às ribanceiras do Tacutú, o que
significou abrir aos ingleses o Rio Branco e, através deste, o acesso ao
Amazonas. Em contrapartida, negou à Inglaterra o limite pelo rio Cotingo,
recuando-o até o Mahú, procurando assim equilibrar o resultado.
No caso da questão de Raposa-Serra do Sol, os meios de atuação não
parecem ter mudado a sua forma. Desconsiderou-se os interesses e opiniões de
populações tradicionais e parcela significativa dos índios. Hoje, no Estado de
Roraima, nada menos do que 46% do território corresponde à reserva indígena,
sendo certo que países ricos da Europa e da América jamais se propuseram a
criar reservas indígenas ou ambientais diante destas dimensões. Aos índios ianomânis
foram reservados nada menos do que 9,6 milhões de hectares o que equivale ao
território de Cuba.
Contudo, a existência destas reservas não significa desenvolvimento e
bem estar dos indígenas, sendo relatado por Aldo Rebelo a pobreza, abandona e
as doenças que afligem estas populações.
Ao visitar uma destas tribos ianomâni em Roraima, o político
questionou a razão pela qual não havia fornecimento de luz e água àquelas
populações, onde ainda grassavam doenças como tuberculose, e outras patologias
decorrentes de falta de saneamento. Aldo relata que havia muito fogo dentro da
maloca para as famílias assarem bananas e mandiocas, muita poluição, muita
fuligem e grande incidência de doenças infecciosas. A ele foi respondido por
uma dirigente de ONG que estes equipamentos não são autorizados por mudarem as
referências culturais dos índios.
A despeito de todos os precedentes históricos envolvendo a cobiça
estrangeira em torno da riqueza mineral e a biodiversidade da Amazônia, existe
alguns brasileiros, influenciados por ideologias identitárias que buscam repudiar
o nosso passado, alguns ao ponto de defender a internacionalização da Amazônia.
A Amazônia, além de ser detentora de uma grande biodiversidade detém
importantes estoques de recursos minerais.
Os estudos mostram que a região Amazônica é detentora de grandes
estoques de ferro, manganês, alumínio, cobre, zinco, níquel, cromo, titânio,
fosfato, ouro, prata, platina, paládio, ródio, estanho, tungstênio, nióbio,
tântalo, zircônio, terras-raras, urânio e diamante. Se a escassez de água já é
uma preocupação mundial, temos que na Amazônia se situa a maior bacia
hidrográfica do mundo, responsável pela drenagem de cerca de 7.500.000 km² de
água.
Diante destas premissas, é fundamental a leitura deste pequeno livro
de Aldo Rebelo para reposicionar os termos do problema da demarcação de terras
indígenas, fugindo da superficial querela entre fazendeiros gananciosos e
índios oprimidos e indefesos. O reiterado posicionamento da esquerda alinhado
com interesses estrangeiros se fez perceptível recentemente na discussões sobre
o Marco Temporal.
O primeiro e mais importante direito de um povo é o direito da sua
autodeterminação e de sua soberania. Isto porque se um povo não tem este
direito significa dizer que todos os demais direitos serão determinados de
fora, de acordo com os interesses do imperialismo.