segunda-feira, 7 de maio de 2012

Triologia Suja de Havana - Pedro Juan Gutiérrez


Resenha Livro #44 Triologia  Suja de Havana - Pedro Juan Gutiérrez




Triologia Suja de Havana narra a vida cotidiana do povo cubano durante o contexto de grave crise econômica por que passa Cuba durante os anos de 1990.

Como se sabe, Cuba, em 1959, passou por uma revolução popular que pôs fim à ditadura corrupta de Fulgêncio Batista. Inicialmente, a revolução cubana não teve um caráter socialista, tal qual a revolução russa de outubro de 1917. Tanto é verdade que mesmo o governo dos EUA inicialmente (antes das nacionalizações) viu com simpatia aquele movimento, sugerindo eventual adesão da Ilha aos ditames do imperialismo após a fase revolucionária. Na verdade, Cuba, até a revolução, foi um país dominado pelo imperialismo – seja em sua fase colonial por Espanha seja em sua fase independente pelos EUA. Com as nacionalizações e frente ao contexto geopolítico internacional da Guerra Fria, a nação Cubana aderiu ao campo socialista, colocando-se em lado oposto ao imperialismo norte-americano. No âmbito tanto da economia quanto da política, a ilha tinha a URSS como principal aliada: com o fim da URSS a partir de 1990 Cuba viveu uma grande crise econômica, desde que perdera uma parceira comercial que praticamente a sustentava economicamente.

Pedro Juan narra como os cubanos vão sobrevivendo frente à crise.  Seu texto dialoga com o jornalismo, desde que as histórias narradas contêm uma forte carga de realismo e mesmo de objetividade.  Em meio a uma situação de escassez de alimentos, de moradia digna e de acesso a algum serviço público de qualidade, os personagens aparecem como indivíduos abandonados e que lutam pela sobrevivência diariamente: muitas das mulheres (e alguns homens) optam pela prostituição enquanto outros lidam com contrabando, compra e venda de alimentos e outros bens de baixo valor, além dos trabalhos estatais muito mal remunerados.

Do ponto de vista político, a impressão que o leitor tem é a de que a perspectiva da criação de um novo mundo socialista, em que os valores de solidariedade, fraternidade e coletividade sejam hegemônicos, choca-se  com uma realidade de escassez, de fome e de miséria do povo cubano. A luta pela sobrevivência vem antes da luta abstrata por um outro tipo de sociedade. Cada história individual relatada mostra personagens que passam fome e em extrema penúria, passando-se em branco eventual interesse pela grande política por parte da esmagadora maioria dos personagens. Se por um lado há a expectativa de que, num país que reivindica o socialismo, houvesse a percepção crítica da população acerca da realidade e dos problemas pelos quais passam, o que se percebe é uma sensação de indiferença com relação à política: luta pela sobrevivência e o contexto de total escassez criam condições para uma situação que remete à animalização do homem. A sexualidade exacerbada do narrador Pedro e dos demais  aparece repetitivamente no ensaio. São relatadas a todo momento cenas de sexo, como se o ato sexual fosse um mecanismo de compensação à vulnerabilidade da vida.

Raramente, há críticas sutis à burocracia, sugerindo que eventuais indivíduos bem relacionados com o governo não estivessem sofrendo as mesmas agruras que o povo. Entretanto, como afirma José Rubens Siqueira, “os personagens deste livro são sobrevivente que não questionam o comunismo revolucionário do sistema e ao mesmo tempo não acreditam nele”.  Ou seja, os desafios da construção de uma nova sociedade passam longe dos interesses daqueles que a cada dia buscam o mínimo para sobreviver.

Assim, os anos de crise são marcados por desilusão, sem que a mesma se traduza em algum momento em revolta ou rebelião contra a ordem dominante.

A leitura deste livro pode chocar muitos que ainda interpretam Cuba como um país isento de contradições, particularmente frente à consolidação de uma burocracia dirigente em detrimento da conformação de um socialismo “de baixo para cima”, a partir da tomada do poder político pelas massas. Como se sabe, é impossível construir o socialismo em um país só e a tragédia cubana, além do bloqueio econômico, refere-se à ausência da generalização do socialismo em nível mundial.  

Não se pode, por outro lado, perder de vista a existência de inimigos do socialismo que podem tirar proveito dos relatos de “Triologia Suja de Havana” para denunciar a suposta inviabilidade do socialismo de maneira geral. Além do embargo promovido pelos EUA, a crise relatada no livro é parte da crise do socialismo em nível mundial. A incredulidade com relação ao socialismo generalizou-se mundialmente a partir da emergente hegemonia neoliberal, também a partir dos 1990. 

Seja como for, é por meio da contextualização histórica que o livro de Pedro Juan Gutiérrez deve ser visto: como parte de um momento histórico de crise de alternativas societárias ao capitalismo e isolamento geopolítico total de Cuba. As derrotas do socialismo não devem servir de base para uma restauração capitalista, mas pela renovação deste modelo societário, fazendo-se autocríticas e aprendendo sempre com os erros do passado.