domingo, 25 de fevereiro de 2024

“O Jesuíta” – José de Alencar

 “O Jesuíta” – José de Alencar



 

Resenha Livro - “O Jesuíta” – José de Alencar – Ed.  Iba Mendes Editor Digital

 

“Brasil! ... Minha pátria! ... Quantos anos ainda serão precisos para inscrever o seu nome, hoje obscuro, no quadro das grandes nações? ... Quanto tempo ainda serás uma colônia entregue à cobiça de aventureiros, e destinada a alimentar com as tuas riquezas o fausto e o luxo de tronos vacilantes (Pausa; arrebatado pela inspiração) Antigas e decrépitas monarquias da velha Euroopa! ... Um dia compreendereis que Deus quando semeou com profusão nas entranhas desta terra o ouro e o diamante, foi porque reservou este solo para ser calcado por um povo livre e inteligente” (ALENCAR, José de. “O Jesuíta”).

 

A peça teatral “O Jesuíta” foi a última obra escrita pelo escritor cearense José de Alencar enquanto dramaturgo. Foi redigida em 1861 e apenas encenada no ano de 1875, quando o autor já apresentava os primeiros sinais da tuberculose pulmonar que o levaria à morte em 12 de dezembro de 1877.

 

Consta que o espetáculo não foi um sucesso de público e não obteve os aplausos da crítica.

 

Na opinião do próprio autor, externada no prefácio da obra, o fracasso de sua peça decorreu da sua inadequação perante o mau gosto do público fluminense:

 

“É que o público fluminense ainda não sabe ser público, e deixa que um grupo de ardílios usurpe-lhe o nome e os foros. Se algum dia o historiador de nossa ainda nascente literatura, assinalando a decadência do teatro brasileiro, lembrar-se de atribui-la aos autores dramáticos, este livro protestará contra a acusação”.

 

Na verdade, essa incompatibilidade entre o drama e o público carioca decorria de mudanças no âmbito do pensamento e da cultura: já em 1875 o público letrado fluminense já era mais afeito ao anticlericalismo, ao passo que a peça é um elogio à atuação da Companhia de Jesus e dos jesuítas. Além disso, o gosto teatral deixava de ter apelo ao drama e se voltava ao teatro musicado, de gênero alegre, de influência francesa. O público buscava o teatro cada vez mais para fins de entretenimento e diversão, e aquele drama histórico, que abordava os instantes imediatamente anteriores à expulsão dos jesuítas, já aparecia anacrônico naquele momento.

 

A história contada em “O Jesuíta” se passa no Rio de Janeiro de 1759 ou mais exatamente quatro anos antes da transferência da sede administrativa da colônia de Salvador para o território fluminense, movimento político que acompanhou de forma paralela o movimento econômico de deslocamento do eixo econômico do Brasil dos engenhos de açúcar nordestinos para a busca pelo ouro e diamantes na porção sul meridional da colônia.

 

Tratava-se de um processo de longa duração de interiorização da colonização portuguesa, dentro do qual o Rio de Janeiro servia como um empório natural do comércio, especialmente de escravos, e centro político que servia de anteparo e ponto de partida ao movimento em direção às minas gerais.

 

Tanto a transferência da sede do vice reinado ao Rio de Janeiro quanto a expulsão dos jesuítas se deram no bojo das reformas administrativas levadas a cabo pelo plenipotenciário ministro e estadista português Marques de Pombal.

 

Influenciado pelo iluminismo e pela ideologia política do despotismo esclarecido, o ministro do Rei Dom José I promoveu a expulsão dos jesuítas da colônia portuguesa em 14 de novembro de 1759, o que se deu após uma série de entrechoques entre a Companhia de Jesus e as autoridades régias: os  jesuítas administraram as aldeias através das missões jesuíticas, sendo, desse modo, um obstáculo aos interesses dos colonos de explorar, sem restrições, o trabalho dos povos nativos, o que se deu de forma particularmente intensa na região do norte, onde a mão de obra africana era menos significativa.

 

Contudo, o mais conhecido conflito que opôs os jesuítas e as autoridades régias se deu nas conhecidas guerras guaraníticas ao sul da colônia, quando as Coroas Portuguesa e Espanhola estabeleceram um novo acordo de demarcação territorial através do Tratado de Madrid de 1750.  

De acordo com os novos limites territoriais estabelecidos na convenção, os portugueses cederiam a região de Sacramento, onde hoje se situa o Uruguai, para a Espanha e, em troca, controlariam os Sete Povos das Missões, que correspondia a um conjunto de sete aldeamento indígenas presididos pelos jesuítas que, no seu auge, comportava 30 mil pessoas, situado onde hoje está o Rio Grande do Sul.

 

Pelo tratado, os indígenas e jesuítas que estavam do lado brasileiro deveriam atravessar o Rio Uruguai e se mudar para o lado espanhol. Foi justamente a recusa dos índios e da parcela mais combativa dos missionários em atender a ordem de evacuação forçada o ponto de partida de uma guerra que durou três anos, levou à destruição das missões e  à morte de milhares de índios e religiosos.  

 

Na peça “O Jesuíta”, o escritor faz do seu drama um retrato desse período histórico, quando os portugueses passam a acusar a Companhia de Jesus de corrupção e conspiração contra o Rei, o que foi na verdade um pretexto para expulsá-los do país.

 

O protagonista Samuel vive na cidade do Rio de Janeiro disfarçado de um médico italiano para não despertar a atenção das autoridades, que já estavam em processo de perseguição dos missionários. Esta oposição entre os jesuítas e as autoridades régias apareça na peça como uma forma embrionária de luta pela afirmação da independência nacional e pela superação do jugo colonial.

 

Isto se dava essencialmente pelo papel social ocupado pelo jesuíta, um elemento nobre, racional e prudente, que renega os sentimentos mundanos e rompe os laços que o prendem à sociedade para se dedicar a uma missão lhe designada por Deus.

 

Perseguido pelo Conde de Bobadela, governador na colônia e executor das ordens de Marquês de Pombal, o protagonista granjeia o respeito e admiração do povo, de modo que a sua perseguição pelas autoridades dá ensejo à maior clivagem e oposição entre a população nativa e a Coroa Portuguesa.

 

Além disso, a personificação do movimento de independência nacional na figura do jesuíta Samuel era possível pelo papel social ocupado pelos religiosos da Companhia de Jesus na colônia. Eles foram os pioneiros da educação do país, criaram as primeiras escolas, onde ensinaram moral, religião e letras. Constituíram as primeiras expressões nacionais de teatro, poesia e músicas. Foram os precursores da intelectualidade brasileira e, como cediço, um movimento político nacionalista não poderia nascer sem um movimento intelectual que lhe servisse de substrato.

 

Mas não é só.

 

O jesuíta representava a consciência do povo já que através da sua atividade religiosa e até mesmo pelos segredos que escutavam no confessionário tinha contato e conhecimento do clima político da época e do que pensava a opinião público. A isso se soma, ao menos na peça de Alencar, outros atributos que o colocavam como artífices da independência brasileira: eles tinham o senso de responsabilidade, o sentimento do dever, a capacidade de distinguir o bem e o mal. Já as autoridades régias aparecem como antipopulares e corruptas: a perseguição e prisão dos missionários é acompanhada de atos de extorsão e roubo dos recursos e riquezas da Igreja, arrecadados para o cuidado dos doentes e dos órfãos.

 

Nesta peça histórico, o Dr. Samuel representa a alma da jovem américa. Já o Conde de Bobadela representa o poder da velha Europa.   

 

E além dessa oposição entre nacionalismo e colonialismo, a história, dentro das premissas do romantismo literário, também estabelece a oposição entre o sublime e o mundano, entre os  desígnios da ideia e às exigências do corpo e do amor, entre a renúncia de si para obtenção da glória religiosa e a busca da felicidade através do casamento. Isso se dá através do personagem Estevão, afilhado do Dr. Samuel, que teve sua formação moral e religiosa conduzida para o sacerdócio e que nega sua vocação após apaixonar-se por Constância, esta última afilhada do Conde de Bobadela.

 

O engajamento religioso e a luta desinteressada em torno da liberdade e independência nacional envolvem a glória a que busca o protagonista Samuel. Já o seu afilhado vê no casamento e na tranquila felicidade conjugal a sua verdadeira vocação. Essa tensão levará ao conflito em que prevalecerá o amor terreno entre Estevão e Constância em detrimento do ideal religioso e ascético buscado por Samuel.  

 

Esta última peça de teatro pode ser lido como uma síntese de duas variantes presentes na obra de José de Alencar: o drama histórico pelo qual se busca a constituição de uma identidade nacional,  personificada aqui na figura do Jesuíta, tal qual anteriormente o fora através do índio em comunhão com o português; e o drama de natureza mais sentimental, folhetinesco, convencional e, em certa medida, previsível.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A História de São Sebastião do Rio de Janeiro

 A História de São Sebastião do Rio de Janeiro




Resenha Livro – “História do Brasil Geral e Regional. Rio e Minas” – Ernani Bruno – Ed. Cultrix

“Primeiro, os feitores das plagas solitárias de Cabo Frio e do Rio de Janeiro, abrigados em choças cobertas de folhas de palmeira, açoitadas pelas chuvas tropicais, resgatando o pau-de-tinta com o bugre e plantando alguma cana para terem o açúcar com que combater o escorbuto. Os donatários e povoadores que nas paragens costeiras espírito-santenses e fluminenses, entravam em contato ou em luta com o índio, edificando povoações e engenhos, sem se descuidarem do corsário francês interessado na coleta do pau-brasil e da pimenta nativa. Os padres jesuítas que exilavam nas solidões do Novo Mundo ensinando a doutrina cristã e os ofícios caseiros nos aldeamentos de indígenas e nos colégios e casas cobertas de telha que erguiam nas povoações.”.

Os primeiros contatos do colonizador português com o território onde hoje se situa a cidade do Rio de Janeiro deu-se quase imediatamente após o “descobrimento” do Brasil pela expedição de Pedro Álvares Cabral.  

Ao invés de se falar em “descobrimento”, hoje a historiografia com mais propriedade fala em  “achamento” do Brasil.

O verbo “achar” remete à ideia de algo que sabemos existir, mas não sabemos exatamente onde a coisa está. E todas as evidências documentais revelam que antes de 1500 ao menos já se desconfiava da existência do território onde se situaria a maior e mais importante colônia portuguesa.

A própria data da assinatura do Tratado de Tordesilhas, que se deu em 1494, reforça a tese.

O tratado não só dividiu entre Portugal e Espanha as terras recém descobertas como “terras a se descobrir”. Fato curioso, e pouco ensinado na escola, é que a própria linha de demarcação, feita seis anos antes da expedição de Cabral, já envolvia parte do território brasileiro.

Não faria sentido as duas principais potências marítimas da época firmarem um tratado diplomático sem informações minimamente consistentes sobre os limites e porções territoriais que foram repartidos a cada uma das coroas.  

O conhecimento destas terras pelos portugueses muito provavelmente data dos últimos anos do século XV. Tratava-se de um segredo de estado que seria revelado ao público e sacramentado através da conhecida expedição cabralina.

Já em 1501, uma expedição de reconhecimento da costa brasileira bordejou o litoral da porção meridional ao sul do país e denominou os locais de acordo com impressões e acidentes da própria viagem: Cabo de São Tomé, Cabo Frio e Rio de Janeiro.

O nome da cidade que seria no futuro a capital do Brasil foi dado após os portugueses chegarem na baía da Guanabara, onde se supôs se tratar da foz de um rio. Como a embarcação lá chegou em 1º de Janeiro de 1502, ficaram aquelas terras denominadas “Rio de Janeiro”.

Os primeiros esforços de reconhecimento e povoamento da região foram quase sempre  inviabilizados pela resistência dos índios tamoios, que logo se aliariam aos traficantes franceses que aqui chegaram para comercializar o pau brasil.

Neste primeiro momento, foram estruturadas feitorias em Cabo Frio e Rio de Janeiro, com reduzidas condições de desenvolvimento. A organização da vida econômica dava-se em torno de atividades de coleta, exploração do pau brasil, pesca e criação de mandioca, cana e gado.

A primeira forma de institucionalização do território fluminense deu-se através da criação da Capitania do Espírito Santo por meio de doação por carta de 1535 a Vasco Fernandes Coutinho e da Capitania de São Tomé ou da Paraíba do Sul por meio de doação por carta de 1536 a Pero de Góis Silveira.

Contudo, mesmo após a criação do Governo Geral (1549), quando Portugal implantou um novo sistema administrativo para melhor aproveitamento e ocupação humana da colônia, toda a área costeira do leste meridional brasileiro continuava deserta, ostentando, em um ou outro ponto, alguns arraiais e feitorias insignificantes do ponto de vista econômico.

Os poucos empreendimentos iniciados pelos colonos eram rapidamente atacados e destruídos pelos bugres tamoios. Não foram poucos os colonos portugueses trucidados por índios enfurecidos.

A sobrevivência dos moradores da região estavam condicionadas aos recursos da terra e às roças dos indígenas. Os recursos alimentícios se limitaram à farinha de mandioca e ao pescado.

Neste cenário de vazio populacional, aparece a figura dos traficantes franceses que inicialmente comercializaram o pau brasil e a pimenta e já em meados do século XVI aqui estabeleceriam a França Antártica.

A ocupação francesa e a constituição da França Antártica não decorreu apenas de desígnios econômicos, relacionados ao contrabando francês, mas a razões religiosas. O rei da França e seus correligionários protestantes calvinistas pretendiam reservar para os de sua seita um refúgio seguro no Novo Mundo, confiando a expedição de conquista ao almirante Durand de Villegagnon.

A fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro deu-se no bojo da luta pela expulsão dos franceses.

Tratava-se de certa forma de um movimento de libertação nacional levado adiante por portugueses, mamelucos e índios que encontraria paralelo na heroica luta nacional pela expulsão dos holandeses já no século XVII.

Muito se fala hoje em dia na luta anti imperialista dos vietnamitas contra os americanos ou mais recentemente dos afegãos que se organizaram em torno do talebão para colocar o inimigo estrangeiro literalmente em fuga desesperada.

No caso da mobilização pela expulsão dos franceses e holandeses, tratou-se de uma vitória de maior envergadura. Os mamelucos, mestiços e índios, que constituíam de forma embrionária o povo brasileiro, lutaram contra grandes potências coloniais praticamente sem ajuda da Coroa portuguesa ou qualquer apoio que não fosse os recursos da terra.

Da primeira expedição militar comandada por Mem de Sá em 1560 até a efetiva vitória sobre o invasor francês com a campanha levada adiante por Estácio de Sá, foram quase dez anos de lutas.

A campanha decisiva, levada adiante por Estácio de Sá, teve auxílio de navios oriundos de Bertioga, conduzindo índios, mamelucos e colonos vicentinos. A vitória sobre o elemento estrangeiro seria complementada no ano de 1575 pela guerra vitoriosa travada pelos moradores da região contra os bugres tamoios.

Ainda assim, o território fluminense apenas passaria a se constituir como o principal centro urbano da colônia em meados do século XVIII quando seu eixo econômico deixa de ser os engenhos de açúcar do nordeste para passar a ser exploração do ouro e diamante na região onde hoje se situa o estado de Minas Gerais.

Fenômeno que seria sacramentado com a transferência da sede administrativa colonial de Salvador para o Rio de Janeiro no ano de 1763, ocorrido no bojo das reformas de Marquês de Pombal.   

Desde então, a cidade do Rio de Janeiro se constituiu como o mais importante centro político cultural do país, ao menos até a expansão da economia do café desde o Vale do Paraíba até o território paulista. Mesmo não sendo hoje o centro econômico mais importante do Brasil, o Rio de Janeiro segue sendo um dos ou o mais importante centro de elaboração e orientação nacional em torno do pensamento, das letras e das artes.