quinta-feira, 20 de agosto de 2020

NOTAS BIOGRÁFICAS DE ANDREI ZHDANOV

 

NOTAS BIOGRÁFICAS DE ANDREI ZHDANOV

 

 

 

“A popularidade da União Soviética no exterior cresceu consideravelmente durante a segunda guerra mundial. Pela sua luta heróica, cheia de abnegação, contra imperialismo, a União Soviética mereceu o amor e respeito dos trabalhadores de todos os países. A potência econômica dos Estados socialistas e a força indestrutível da unidade moral e política da sociedade soviética foram claramente confirmados diante do mudo inteiro. Os círculos reacionários dos EUA e da Inglaterra perguntam, com afã, como dissipar a impressão inapagável que a ordem socialista produz sobre os operários e os trabalhadores do mundo inteiro. Os instigadores da guerra compreendem muito bem que, para ter a possibilidade de mandar seus soldados se baterem contra a União Soviética, é necessária uma longa preparação ideológica” (ZHDANOV, Andrei. “Pela Paz, a Democracia e a Independência dos Povos”, setembro de 1947).  

 

Andrei Aleksandrovich Zhdanov (1896—1948) nasceu na cidade de Mariupol no leste da Ucrânia. Ingressou no Partido bolchevique em 1915. Assumiu a direção do PC na cidade de Leningrado (atual São Petersburgo) após o assassinato de Kirov em 1934.

 

Participou da defesa da cidade no contexto do cerco de Leningrado na II Guerra Mundial.

 

Teve importância no desenvolvimento da política soviética para cultura e artes, escrevendo sobre temas como música e literatura. Defendia um modelo de arte partidária e associado ao que ficou conhecido como “Realismo Socialista”.

 

Alguns comentadores chegam a considera-lo como o segundo principal dirigente da URSS atrás de Stálin. Inclusive, o filho de Zhdanov casou-se  com a filha de Stálin, Svetlana.

 

Zhadanov teve papel importante também na criação do Cominform, organização internacional liderada pelo PCUS e cujo objetivo era promover o intercâmbio de informações e coordenar as ações dos vários partidos comunistas da Europa. Este organização veio a substituir a III Internacional Comunista. 

 

Milovan Djilas conheceu Zhdanov durante a II Guerra Mundial, dando o seguinte relato: “Jdanov era bastante baixo, com um bigode aparado acastanhado, testa alta, nariz pontudo e rosto vermelho. Ele era bem educado e era considerado no Politburo um grande intelectual. Apesar de sua conhecida estreiteza e dogmatismo, eu diria que o seu conhecimento não era desprezível. Embora ele tivesse algum conhecimento de tudo, até da música, eu não diria que houvesse um único campo que ele conhecesse a fundo - um intelectual típico que conheceu e adquiriu conhecimento sobre outros campos através da literatura marxista."

 

O mais provável é que Djilas subestime em certa medida a autoridade intelectual de Zhdanov. Em todo o caso, nas suas diferentes intervenções que chegaram até nós verifica-se como aquele era um dirigente com um repertório cultural bastante amplo, fazendo intervenções que iam da política internacional à literatura, à música, à pintura, à filosofia e às ciências naturais.

 

Mais do que isso, as suas ideias expressam um momento bastante particular da construção do socialismo na URSS. No contexto do pós II Guerra Mundial a URSS saiu do conflito granjeando o respeito e a autoridade perante os trabalhadores de todo o mundo que tinham ciência do papel do exército vermelho como agente fundamental da destruição militar do nazi-fascismo, com todas as implicações que esta vitória significou para os destinos dos povos.

 

O novo arranjo dos países no contexto do pós guerra envolvia o isolamento militar e ideológico da URSS pelo imperialismo mais fortalecido naquele contexto, o norte americano.

 

Zhadanov sintetiza esta nova situação na divisão do mundo na divisão em dois grandes campos: o campo da democracia e do anti-imperialismo representado pela URSS e os países da Nova Democracia e o campo do imperialismo e anti-democrático sob a liderança Norte-Americana.

 

Mais do que isso, as intervenções de Zhdanov expressam um momento de potência do socialismo, da confiança nas próprias forças do povo soviético que se bateu vitoriosamente contra o fascismo e acumulou vitórias espetaculares no campo da economia, da ciência e da cultura. Uma tradição de um socialismo vitorioso que sintomaticamente busca ser anulada na histórica através do discurso anticomunista e antestalinista.

 

No campo da filosofia, vale ressaltar a intervenção de Zhdanov no debate realizado em 1947 em Moscou em torno do livro de História de Filosofia de Alexándrov.

 

Zhdanov é bastante contundente nas criticas revelando a mais alta exigência quanto ao preparo político e teórico da chamada frente ideológica soviética. O CC critica o livro pelo seu academicismo, quando ele simplesmente suscita as diversas escolas filosóficas do passado sem enfrentar de maneira direta as questões mais decisivas, qual seja, o objetivo da história da filosofia como ciência, a fundamentação das conquistas contemporâneas do materialismo dialético e histórico, a exposição não escolástica, mas criadora e que seja conduzida de modo a projetar as perspectivas do futuro desenvolvimento da filosofia. Finalmente, a exposição clara, exata e convincente.

 

É interessante notar como as críticas de Zhdanov sobre a filosofia soviética podem ter uma aplicação aos nossos cursos acadêmicos de filosofia que formam professores de filosofia, mas não propriamente filósofos, que desenvolvam e façam avançar o conhecimento.

 

“Quando se fala sobre uma frente filosófica, imediatamente, por associação, surge a ideia de um organizado destacamento de filósofos militantes, perfeitamente armados com a teoria marxista, que dirige uma decisiva ofensiva contra a ideologia inimiga no estrangeiro, contra as sobrevivências da ideologia burguesa na consciência da unidade soviética, no interior de nosso país; que impulsiona incansavelmente para frente a nossa ciência; que arma os trabalhadores da sociedade socialista com a consciência da justeza do rumo do desenvolvimento da nossa sociedade e da certeza, cientificamente fundamentada, da final vitória de nossa causa”.

 

A mesma crítica incisiva do dirigente bolchevique volta-se ao problema da cultura e da arte.

 

Zhdanov ajudou a estabelecer a política cultural da URSS atuando na criação da União dos Escritores Soviéticos e no estabelecimento da doutrina do Realismo Socialista. A literatura soviética está fundamentada na fidelidade e concretude histórica da representação artística, sob uma base não romântica, não idealista, mas materialista. Na música, Zhdanov critica as tendências formalistas reivindicando a frase musical lúcida que objetiva clareza e rigor técnico. Além disso, na música deve-se rechaçar as composições que não dialoguem com a cultura  popular, não devendo se admitir as inovações acessíveis a meia dúzia de letrados em artes.

 

Infelizmente, não constam publicações de Andrei Zhdanov no Brasil. Seria desejável que as editoras de esquerda do país promovessem as traduções das publicações do dirigente bolchevique considerando este novo contexto editorial em que cresce a audiência para obras do marxismo leninismo, nitidamente Joseph Stálin.

 

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

BREVES NOTAS SOBRE CARLOS MARIGHELLA

 

BREVES NOTAS SOBRE CARLOS MARIGHELLA  

 

 

 

“E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome”. Liberdade  - Carlos Marighella – 1939.

 

Carlos Marighella nasceu em 5.11.1911 na cidade de Salvador, Bahia. Seu pai, Augusto Marighella, era imigrante italiano, oriundo de São Paulo, operário metalúrgico e motorista de caminhão de lixo. Sua mãe, Maria Rita do Nascimento, era ex-empregada doméstica e descendente de escravos.

 

Aos 18 anos de idade Carlos Marighella iniciou o curso de Engenharia na Escola Politécnica da Bahia. Tornou-se militante do Partido Comunista Brasileiro em 1932 e neste mesmo ano foi preso pela primeira vez após escrever um poema contendo críticas ao interventor da Bahia Juracy Magalhães.

 

Em 1934 já era um militante profissional do PCB, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Em 1936 foi novamente preso durante 23 dias quando enfrentou terríveis torturas da polícia do RJ. Esta segunda prisão ocorreu no contexto de perseguição aos comunistas oriunda do fracassado Levante Comunista em 1935 promovido pela Aliança Nacional Libertadora com o apoio do PCB contra o governo de Getúlio Vargas.

 

Carlos Marighella voltaria ao cárcere em 1939, sendo mais uma vez torturado de forma brutal na Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo.  Foi recolhido depois ao presídio de Fernando de Noronha e Ilha Grande pelos seis anos seguintes, desenvolvendo trabalho de educação cultural e política junto companheiros de cadeia.

 

O dirigente do PCB foi anistiado em abril de 1945, participando do processo de redemocratização do país e da reorganização da reorganização do Partido Comunista na legalidade, tendo sido eleito deputado federal na Constituinte de Dutra, pelo estado da Bahia.

 

Analisando os artigos de Marighella por esta época verifica-se um tom político bastante diferente do que depois haveríamos de verificar no seu contexto de rompimento com o PCB e defesa da urbana guerrilha no Brasil.

 

Neste contexto, imediatamente posterior à II Guerra Mundial, ainda estava em vigência a estratégia da frente ampla em defesa da democracia e contra o fascismo. No discurso “A democracia Está em Marcha” proferido por Marighella em ato promovido pelo Movimento de Unificação dos Trabalhadores em 18.6.1945, o autor sinaliza bem a política levada à cabo pelos comunistas em defesa da democracia e da paz:

 

“Uma coisa era o dever que tínhamos de impedir a marcha ascendente do fascismo, combatendo-o de armas da mão. Outra, a nossa obrigação de ajudar pacificamente a democracia quando é ela que vai em marcha ascendente no mundo. (...) 1935 representava uma fase em nossa evolução política. Era o ascenso do fascismo. 1945 é o ascenso da democracia. Em 1935 o integralismo estava da legalidade. E o Partido Comunista na ilegalidade. A democracia estava debilitada e ameaçava soçobrar, porque o Partido Comunista – o seu maior esteio – estava perseguido e fora da lei. Em 1945 quem está na ilegalidade é o integralismo. O Partido Comunista está na legalidade. A democracia está se reforçando e será uma realidade, porque o Partido Comunista – seu maior esteio – tem vida legal e está dentro da lei”.

 

Em 1945 a linha do PCB é a de colaboração de classes com a burguesia nacional progressista no esteio da luta antifascista e da constituição de uma frente ampla nacional. O programa dos comunistas também envolve a luta pela revolução democrática contra o latifúndio e o que se entendia como “resquícios do modo de produção feudal” no Brasil.

 

Contudo, pouco tempo depois, já sob a influência crescente da Guerra Fria, Dutra colocaria o PCB na ilegalidade.    

 

Nesse sentido, escritos posteriores de Marighella, como seus artigos na revista “Problemas – Revista Mensal de Cultura Política” dão ênfase ao problema da intervenção imperialista norte americana na política nacional. Dutra é caracterizado nestes artigos como uma governo de “traição nacional”. Vejamos um artigo de Marighella redigido em outubro de 1948:

 

“Nunca é demais repetir, como assinalou Zhdánov, que o principal perigo para a classe operária consiste atualmente na subestimação de suas próprias forças e na superestimação das forças do campo imperialista. (...) Daí por que devemos nos colocar à frente das massas, na sua resistência em todos os domínios ao imperialismo americano e ao governo de Dutra, seja no terreno político, estratégico militar, econômico e ideológico. (...) Reunindo nossas forças às de todos os patriotas, firmemente ligados às grandes massas, seremos capazes de derrotar a política de guerra de Dutra e os planos agressivos do imperialismo americano, e assegurar para o nosso povo a paz e o caminho de sua independência nacional.”.

 

Três grandes eventos certamente tiveram um impacto especial junto a Marighella implicando na sua ruptura com o PCB em 1966/68.

 

Em primeiro lugar, entre 1953 e 1954, Marighella esteve na China,  conhecendo de perto o país a luz da revolução camponesa e popular vitoriosa de 1949.

 

Em 1959 triunfa a Revolução Cubana colocando no centro do debate da esquerda revolucionária a viabilidade das guerrilhas.

 

E, finalmente, o golpe militar no Brasil em 1964 expos a debilidade dos comunistas que vinham até então atuando sob a direção da burguesia nacionalista. A derrota expos a pouca atenção que os comunistas davam ao campesinato, privilegiando a aliança do proletariado com a burguesia nacional. A derrota expos a confiança que os comunistas depositavam ao dispositivo militar, esquecendo a natureza de classes das forças armadas.  

 

A carta à comissão executiva do Partido Comunista Brasileiro foi escrita por Carlos Marighella em 1.12.1966 sob o impacto daqueles três grandes eventos: revolução chinesa, revolução cubana e golpe militar de 1964.

 

Marighella critica a direção do PCB que interditava a discussão no seio do partido. Mas o mais importante era mesma o despreparo ideológico e político dos comunistas diante do golpe. Marighella critica a tese de que a burguesia seria a força dirigente da revolução brasileira, subordinando a tática do proletariado à tática da burguesia. A ditadura busca institucionalizar-se por meio de eleições farsescas em que apenas candidatos coniventes com o regime golpistas podem ser eleitos – neste sentido, Marighella insiste no sentido de que o momento não é de chancelar a farsa eleitora. Diz a carta: “a saída do Brasil – a experiência atual está mostrando – só pode ser a luta armada, o caminho revolucionário, a preparação de insurreição armada do povo, com todas as consequências e implicações que daí resultarem”.

 

Em fevereiro de 1968 Carlos Marighella fundou a Ação Libertadora Nacional, organização guerrilheira que defendia a ação direta revolucionária através de assalto a bancos, sequestros e justiçamentos. Neste período Marighella chega mesmo a defender “terrorismo vermelho”. Livros como Por que Resisti à Prisão e Mini Manual do Guerrilheiro Urbano indicam bem a orientação política de Marighella neste último período. Os objetivos políticos das guerrilhas são dois: expulsar o imperialismo norte americano do país e derrubar pela força o regime militar.

    

FIM

 

Quando Marighella foi morto, em 4.11.1969, aos 57 anos, verificou-se que o dirigente comunista estava seguindo as próprias orientações do seu manual do guerrilheiro urbano. Portava um revolver na cintura e duas cápsulas de cianureto.

sábado, 8 de agosto de 2020

Joseph Stálin: Quebrando Mitos


                                Joseph Stálin: Quebrando Mitos 

 

                                         Stálin e sua filha Svetlana

 

Quando Stálin foi eleito secretário geral do Partido Comunista Russo pelo Comitê Central em 3.4.1922 ele já era um velho e experimentado dirigente revolucionário.

 

Seus primeiros contatos com as ideias marxistas se deu de forma clandestina no Seminário Espiritual de Tíflis, instituição da qual foi expulso em abril de 1899 pelo seu comportamento rebelde.

 

Já a partir de 1900 é procurado pela polícia tzarista por sua atividade revolucionária, ingressando por quase duas décadas na clandestinidade.

 

Fazendo jus à caracterização de um velho bolchevista, no ano de 1901, Stálin é eleito para o comitê de Tifílis do Partido Operário Social Democrata Russo, que havia sido fundado em 1898 por Lênin, Plekhanov e outros.

 

Sua primeira dentre várias prisões na Sibéria ocorreria já em abril de 1902.  

 

Segundo o depoimento de Joseph E. Davies (“Como Eu Vi Stálin”, 1943), se por um lado a polícia política tzarista era eficiente para espionar e prender opositores, o regime era desestruturado e desorganizado ao ponto de permitir a fuga com relativa facilidade dos presos remetidos para a Sibéria. Consta episódios cômicos da velha guarda bolchevique exilada na Sibéria, lendo capítulos do Capital para soldados tzaristas que reagiam com bocejos de sono.

 

Além disso, nestes exílios longínquos, Stálin e outros militantes tinham acesso à literatura marxista também com alguma facilidade – o futuro dirigente georgiano intercalava a militância clandestina na prisão com a leitura de obras marxistas e a prática de esportes.

 

No contexto da primeira Revolução Russa de 1905, Stálin organizou e dirigiu milícias operárias para combater os Centúrias Negras. Já em 1906 Stálin era inequivocamente a principal liderança bolchevique na Georgia, sua terra natal. Também ficou conhecida na história a participação do futuro marechal vermelho em ações diretas como assaltos a banco e roubos armados para providenciar fundos ao partido.

 

Neste sentido relata o embaixador Joseph E. Davies:

 

“Entre os métodos violentos a que recorreram os radicais, estava o de obter dinheiro para fins partidários por meio do roubo. O mais famoso desses roubos a mão armada foi levado a efeito pelo próprio Stálin. No dia 26 de Junho de 1907, houve uma súbita explosão de tiros de revólver e bombas no principal boulevard de Tiflis, homens e cavalos ficaram mortos no asfalto e $ 175.000,00, dinheiro do Estado, tinham desaparecido de um auto. Esse processo era conhecido por “expropriação” ou “ex” simplesmente, e já tinha sido praticado, com êxito outras ocasiões. (...) Stálin, que era membro de alta categoria do partido, representou o mesmo papel de um general numa batalha; planejou e preparou o ataque, e levou-o a efeito com oito camaradas, dois dos quais era mulheres e pertencia ao Partido Social Democrático”.

 

Em 1912 Stálin assume a direção do jornal PRAVDA (“A Verdade”) e um ano depois escreve o seu livro mais importante, trabalho elogiado por Lênin à Gorki, chamado “O Marxismo e o Problema Nacional”. Sobre este mesmo tema podemos fazer menção ao artigo “A Revolução de Outubro e a Questão Nacional”, trabalho redigido para o PRAVDA e publicado em 19.11.1918. Aqui, Stálin demonstra como a questão nacional assume diferentes contornos a depender das etapas burguesa e proletária da revolução Russa.

 

Em fevereiro de 1917 o movimento nacionalista russo assumia uma caráter de luta contra o regime tzarista, não resolvendo, mas agudizando os conflitos nacionais:  

 

“O movimento nacional nas regiões periféricas tinha um caráter de movimento burguês. As nacionalidades da Rússia, durante séculos oprimidas e exploradas pelo antigo regime, pela primeira vez tiveram a sensação de sua força e se lançaram à luta contra seus opressores. Liquidação da opressão nacional era a palavra de ordem do movimento. Com a rapidez de um relâmpago, nas regiões periféricas da Rússia multiplicaram-se instituições nacionais. (...) Tratava-se de libertar-se do tzarismo, causa fundamental da opressão nacional, e de formar estados nacionais burgueses. O direito das nações à autodeterminação era interpretado como o direito da burguesia nacional das regiões periféricas a tomar o poder em suas mãos e a utilizar a Revolução de Fevereiro para formar um Estado nacional “próprio”.

 

Contudo, já no contexto da Revolução de Outubro, qual seja, na etapa socialista da revolução, alguns governos nacionais burgueses das regiões periféricas se ergueram junto à  contrarrevolução. Conflitos neste sentido ocorreram na Polônia, na Finlândia e na Ucrânia. O que Stálin realça e conclui é que não é possível ao final a libertação nacional sem o rompimento com o imperialismo e com a dominação burguesa. Neste sentido, a questão nacional do ponto de vista revolucionário envolve a luta contra o imperialismo e pela libertação das colônias.

 

É certo que o internacionalismo dos bolcheviques teve de ser repensado à luz da ruína da expectativa de uma revolução socialista vitoriosa no ocidente. Alguns biógrafos e comentadores, incluindo o diplomata Joseph E. Davies, defendem que Stálin, ao contrário de Lênin e Trótsky, não alimentou grandes esperanças de que o socialismo sairia vitorioso na Alemanha e demais países adiantados, já cogitando de forma prematura a necessidade da URSS evoluir com as suas próprias pernas.

 

Esta pode ser uma forma inicial de se compreender a tão mal falada tese do “revolução de um só país”. Outro mito a ser quebrado. É certo que a oposição entre esta tese e o internacionalismo proletário que decorre pelo menos desde 1848 com o Manifesto Comunista foi, na maioria das vezes, muito mal colocada. Não existe nacionalismo grão russo em Stálin ou se quisermos em Lênin, que, ainda em atividade pelo menos até 1922, teve notícia da derrota da revolução alemã e da necessidade de uma mudança de expectativa.

 

Socialismo num só país significa fortalecer as bases da construção do socialismo na Rússia e desde lá estabelecer um polo que pudesse disseminar a revolução mundial – lutar pela vitória do socialismo na Rússia não se contrapõe na luta pela disseminação mundial da revolução, mas, pelo contrário, se complementa. Vejamos o que diz Stálin em seu “Balanço do XIII Congresso do PC da Rússia” de 17 de Junho de 1924:

 

“Acusam-nos de desenvolver na Europa Ocidental a propaganda contra o capitalismo. Devo dizer que essa propaganda não nos faz falta. A própria existência do Poder Soviético, o seu desenvolvimento, os seus progressos materiais, o seu indubitável fortalecimento constituem a propaganda mais eficiente entre os operários que tenha vindo ao país soviético e observado a nossa ordem de coisas proletária, terá podido ver o que representa o Poder Soviético e do que é capaz a classe operária, quando se encontra no Poder. É justamente esta a verdadeira propaganda, uma propaganda de fatos, que tem eficiência muito maior entre os operários do que a propaganda verbal dos jornais. Acusam-nos de fazer propaganda no Oriente. Isto também são tolices. Não temos necessidade de propaganda no Oriente. Basta que qualquer cidadão de um país dependente ou de uma colônia venha ao país soviético e veja como negros, brancos, russos e não russos, homens de todas as raças e nacionalidades, impulsionam, estreitamente unidos, a obra do governo de um grande país, para convencer-se de que este é o único país onde a fraternidade dos povos não é uma frase mas uma realidade”.

 

Stálin faleceu em 5.3.1953.  Três anos depois, na ocasião do XX Congresso do Partido, teria início uma operação de longo prazo de restauração capitalista na URSS concluída entre 1988-1991. A primeira etapa do projeto anti-comunista era nada mais nada menos do que a campanha antiestalinista. O fato é que, se houve um momento em que os capitalistas estiveram em apuros no último século, isto ocorreu em 1945 com o fim da Segundo Guerra Mundial, com o gigantesco respeito granjeado pelo exército vermelho perante o proletariado mundial diante da destruição militar do nazi-fascismo. Num período mais recente, com o enfraquecimento do discurso anticomunista e uma nova bibliografia da URSS oriunda da abertura de arquivos, cresce o interesse pelas ideias e pela obra de Joseph Stálin.