quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

“O IMPÉRIO BRASILEIRO” POR OLIVEIRA LIMA

 “O IMPÉRIO BRASILEIRO” POR OLIVEIRA LIMA




 

Resenha Livro – O Império Brasileiro (1822/1889)  – Oliveira Lima – Ed. Avis Rara

 

SOBRE O AUTOR

 

Manoel de Oliveira Lima foi diplomata, jornalista e historiador, tendo cumprido papel intelectual proeminente entre os fins do século XIX e inícios do século XX. 

Basta dizer que foi membro do IHGB e assumiu a cadeira de Francisco Varnhagen na Academia Brasileira de Letras. Outrossim, participou intimamente da convivência com figuras como D. Pedro II, José Martiniano de Alencar, Rui Barbosa, Afonso Celso e Machado de Assis (com quem trocou cartas), havendo em seus livros a percepção efetiva de quem vivenciou diretamente os fatos políticos e institucionais do Brasil Império.

  

Na diplomacia, ocupou cargos em Lisboa, Alemanha, Venezuela, Bruxelas e Suécia, além de ter sido professor de Direito Internacional da Universidade Católica da América em Washington, para quem doou sua biblioteca sobre a história do Brasil, que conta com 56 mil volumes, além de peças de arte, incluindo os famosos quadros de Frans Post, que retratou em pinturas a história da ocupação (ou diríamos invasão) holandesa no Brasil. 


Esta biblioteca é hoje a terceira maior do mundo no que toca à história do Brasil, perdendo apenas para a Biblioteca Nacional do Brasil e para a biblioteca da Universidade de São Paulo.

 

O historiador nasceu em Recife/PE no dia do natal em 1987, sendo o último filho de Luiz de Oliveira Lima, um rico comerciante português que fez fortuna e garantiu a sua família relativa prosperidade. Contudo, consta que o pai do nosso escritor foi de origem simples, tendo alcançado com o seu esforço sua riqueza, sem que, com isso, fosse parte da tradicional elite pernambucana. 

 

Em 1873, aos seis anos de idade, muda-se com a família para Lisboa onde fará seus estudos secundários junto aos padres lazaristas e, posteriormente, ingressaria no Curso Superior de Letras.


Quando jovem estudante de Letras em Lisboa, era simpática ao republicanismo. Posteriormente, mudaria o seu posicionamento, tanto que em 1913 (14 anos após a proclamação da república) o senado votou contra a sua entrada na embaixada de Londres alegando que Oliveira Lima era monarquista.


Iniciou sua carreira diplomática como segundo secretário da legação de Lisboa (1891). Naquela época, o ingresso nesta carreira não se dava por concurso público, mas por indicação. Sua seleção deu-se, entre outros, após estabelecer relações com Quintino Bocaiuva e o Visconde de Cabo Frio, bem como diante da influência de sua esposa Flora Cavalcanti de Albuquerque que, como o sobrenome indica, pertencia a família firmemente estabelecida entre os proprietários de engenho e tinha boas credenciais junto à sociedade pernambucana.

 

O Império Brasileiro[1] (1927).



 O advento da independência no Brasil conviveu com duas tendências políticas que se protraem ao longo de todo o século XIX: o rancor contra o elemento português e o ideal republicano, sua expressão revolucionária oriunda da Revolução Francesa.

 

Politicamente, o país era dividido por duas grandes correntes políticas: liberais e conservadores, aos quais se pode acrescentar a partir de 1870 os republicanos que, naquele ano, constituíram o seu partido político. 


Os liberais tinham em geral o programa segundo o qual “o rei reina mas não governa”. No apelo dos liberais ao soberano (1869) defendia-se a responsabilidade pelos ministros dos atos do Poder Moderador, reforma do senado para suprimir a inamovibilidade, liberdade em matéria de comércio e garantias efetivas da liberdade de consciência. Os conservadores foram aqueles que maior oposição suscitaram às sucessivas leis que desembocaram na abolição da escravatura e, de maneira geral, mantinham-se mais próximos da ideia de centralização política consubstanciada no poder monárquico.

 

Contudo, não se deve exagerar esta diferenciação entre Liberais e Conservadores. Na prática, cada partido executava um determinado programa que era criticado pela oposição que, ao assumir o poder, restabelecia o mesmo programa e encontravam a mesma oposição do partido apeado do poder.

 

De acordo com Oliveira Lima, os partidos podiam ser definidos como simples agregados de clás. organizados para a exploração em comum das vantagens do poder. Não eram partidos ideológicos amparados no seu programa político: tinham em mira basicamente ganhar as eleições, que não primavam pela lisura.

 

Contudo, da leitura de alguém que vivenciou o período final do Império e conheceu de perto as grandes figuras da época, fazia sentido chamar a atenção de um “espírito democrático” do regime político, o que é particularmente verdadeiro durante o II Reinado de D. Pedro II, que é apresentado como alguém cioso da lisura nos ministérios e nas eleições, extremamente leal e disposto a fazer negociações políticas. Certamente, não se tratava o II Império de uma monarquia absolutista, mas uma monarquia constitucional, cuja principal referencia política era a Inglaterra. O autor dá exemplos de inúmeros jornais que faziam críticas (ou diríamos insultos) à D. Pedro II que as tolerava sem perseguições à imprensa. O que dizer desta postura democrática do imperador quando vemos ministros do STF hoje cassando qualquer voz discordante. 

INSTITUIÇÕES POLÍTICAS  


                Estudo para frei Caneca, obra de Antônio Parreiras (1860-1934) representado o julgamento de Frei Caneca

Como se sabe, o fim do regime colonial no Brasil, diferentemente do que ocorreu nos países da América Espanhola, teve o mérito (muito subestimado) de resguardar o vasto espaço territorial do país, que fora definido em linhas gerais em 1750 com o Tratado de Madrid. 


Havia, certamente, uma superioridade política e militar do Brasil sobre a América Latina, o que se evidenciou particularmente após a sua vitória na Guerra do Paraguai. Esta predominância do país pode ser explicada pelas particularidades de nossa independência que basicamente exportou o regime político vigente em Portugal ao Brasil, através da vinda de João VI ao continente americano em 1808. 

Diferentemente dos países da América Espanhola que começaram política e institucionalmente do zero através da experiência republicana, o Brasil inicia sua trajetória através de arranjos jurídicos e institucionais já estabelecidos, projetando-o, assim, sobre os demais países.

 

Ainda que os governos do Brasil Império (assim como os da chamada “Velha” República) negligenciaram a questão social, a leitura do livro de Oliveira Lima evidencia um país evoluído politicamente, que contava com uma imprensa pujante que influenciava o desenvolvimento histórico, além de contar com lideranças muito bem preparadas, começando por José Bonifácio e os irmãos Andradas, passando ao Barão de Rio Branco, Bernardo de Vasconcellos, Barão de Cotegipe e outros grandes políticos do período.  

 

Trata-se portanto de um livro oportuno no atual momento em que “historiadores” de origem acadêmica parecem estar engajados a denegrir o Brasil, tratá-lo como uma nação presididas “por elites masculinas e brancas”, desconsiderando solenemente a participação popular nos grandes momentos da história do país.



[1] Quando o livro foi escrito, o título era “O Império Brazileiro”, que era a grafia correta da época. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

“O Homem” – Aluísio Azevedo

 “O Homem” – Aluísio Azevedo




 

Resenha Livro - “O Homem” – Aluísio Azevedo – Iba Mendes Editor Digital – www.poeteiro.com

 

 

Aluísio Tancredo Gonçalves Azevedo nasceu em 14 de abril de 1857 na cidade de São Luís do Maranhão.

 

Era filho de um vice-cônsul português, sendo certo que o próprio escritor futuramente abandonaria a literatura aos 38 anos, para virar diplomata, tendo servido na Espanha, Inglaterra, Itália, Japão, Paraguai e Argentina.

 

O nosso escritor, quando criança, não era exatamente de família nobre e abastada, mas certamente nunca passou por privações materiais.

 

No ano de 1871, Aluísio se matriculou no Liceu Maranhense à época dirigido pelo professor Francisco Sotero. No mesmo ano começou a ter aulas de pintura com o artista italiano Domingos Tribuzzi.

 

Em 1876 o escritor mudou-se para o Rio de Janeiro, lá permanecendo por dois anos. Trabalharia na imprensa carioca como caricaturista, se aperfeiçoando no desenho após obter matrícula na Academia de Belas Artes. Chegou a solicitar à Assembleia maranhense uma pensão para estudar em Roma, o que lhe foi negado.

 

Em 1878, com a morte do pai, Aluísio regressa a sua terra natal, onde colaborará nos jornais “Pacotilha” e “O Pensador”.  

 

Da pintura, passando pela caricaturista, é certo que a sua literatura teria alguma influência desta espécie de arte e manteria interfaces com suas charges: seja a proposta de uma narrativa objetiva que retratasse a realidade tal como ela é, seja na criação de tipos sociais com uma intencionalidade de promover crítica social e até mesmo humor.

 

“O Mulato” foi o segundo livro publicado pelo escritor maranhense, lançado no ano de 1881, mesmo ano, diga-se de passagem, da publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis.

  

Supracitada obra não guardaria a mais pálida semelhança com o primeiro trabalho do autor, chamado “Uma Lágrima de Mulher” (1880).

 

O primeiro livro ainda se pode caracterizar como romance folhetinesco, todo ele se situando inclusive na Itália, sem referências nacionais.

 

Já o segundo romance é tido por muitos como a primeira obra naturalista produzida no país, o que é discutível desde que o menos conhecido Inglês de Souza com sua proposta de literatura amazônica, já produzia livros naturalistas cerca de uma década antes d’o Mulato.

 

Em todo o caso, temos que o naturalismo literário praticado por Azevedo seria a mais representativa versão dos livros de Émile Zola no Brasil.

 

Dentro desta perspectiva, o homem olha objetivamente a realidade, sem enfeites de imaginação que, frequentemente, resultam da impossibilidade ou da impotência em explicá-la. Tal qual um cientista que analisa os fatos da natureza, o escritor naturalista expressa o mundo onde pousa os seus pés. O individualismo romântico é substituído pela descrição de tipos sociais que se confundem com o meio, o que é nitidamente observado no romance “O Cortiço”: o meio e o homem se fundem em uma única unidade.

 

Já os pressupostos teóricos da escola naturalista envolvem o positivismo de Comte, o intelectualismo de Taine, o determinismo, o darwinismo social e as teorias evolucionistas de Spencer.

 

Boa parte da crítica literária, capitaneada por Antônio Cândido, busca dividir a obra de Aluísio Azevedo entre os trabalhos propriamente naturalistas, que seriam os que alcançariam maior expressão e importância literária e outras obras de menor relevância, de tipo romântico, folhetinesco e mais comerciais.

 

Dentre as ditas “grandes obras” do nosso escritor temos “O Mulato” (1881), “Casa de Pesão” (1883) e “O Cortiço” (1890), este último considerado o melhor livro de Aluísio Azevedo.


O HOMEM  





“O Homem” (1887)  segue a mesma matriz naturalista, sendo um sucesso de público. Além do viés cientificista ligado à descrição de uma personagem acometida de histeria, o romance também envolve algo de experimental, já que a realidade se confunde com os sonhos da protagonista, que culminarão num fim trágico, com o assassinato de duas pessoas perpetrado por aquela que deixou de ser capaz de diferenciar o real das experiências imaginárias.

 

Magdá, a protagonista, é filha do Conselheiro Pinto Marques, reside no bairro de Botafogo no Rio de Janeiro. Lá viviam uma tia chamada Dona Camila e Fernando, um afilhado do patriarca.

 

Fernando e Magdá passaram a infância juntos, cresceram juntos, foram amigos e posteriormente se apaixonaram, fazendo promessas de que se casariam após a conclusão dos estudos do afilhado do Conselheiro.

 

Pouco antes de cumprir a promessa do casamento, Pinto Marques intervém, negando consentimento ao enlace. Neste momento, o Conselheiro foi obrigado a confessar que na verdade Fernando e Magdá são irmãos: o afilhado na verdade fora fruto de uma relação extraconjugal, fato que fora omitido até aqui, para se evitar escândalos.

 

Após a descoberta da verdade, Fernando decide se mudar para a Europa e Magdá fica em estado de prostração e melancolia.

 

Orientado pelo médico, o Dr. Lobão, o pai de Magdá se esforça para encontrar um casamento para a filha, que sistematicamente vai negando consentimento a todos os pretendentes.

 

Gradualmente, a protagonista vai manifestando aquilo que os médicos caracterizavam como histeria: Magdá inicialmente sofre ataques de nervosismo e manias de rezas. Pode-se frequentemente observá-la fazendo monólogos a meio voz e apresentando sobressaltos sem causas aparentes.

 

Em certo passeio com o pai, Magdá observa trabalhadores braçais de uma pedreira (cavoqueiros), com corpos másculos e bem definidos que a estimula a ter sonhos eróticos – nesta passagem, o livro foi particularmente atacado pela crítica.

 

Consta, efetivamente que o  Rio de Janeiro se viu escandalizado ao ler os devaneios eróticos da protagonista, descritos para tratar do tema da histeria feminina:

 

“O trabalhador que se ofereceu para conduzir Magdá era um mocó de vinte e tantos anos, vigoroso e belo de força. Estava nu da cintura para cima e a riqueza dos seus músculos, bronzeados pelo sol, patenteava-se livremente com uma independência de estatua. Os cabelos, empastados de suor e pó de pedra, caíram-lhe sobre a testa e sobre o pescoço, dando-lhe uma satírica feição de ingenuidade ingênua.

 

O rapaz passou um dos braços na cintura da Magdá e com o outro a suspendeu de mansinho pelas curvas dos joelhos, chamando-a toda contra o seu largo peito nu. Ela soltou um longo suspiro e, na inconsciência da síncope, deixou pender molemente a cabeça sobre o ombro do cavoqueiro.”

 

Magdá passa a ter sonhos com o cavouqueiro Luís, estimulada pela abstinência sexual, tida como “não natural” dentro das premissas naturalistas. Efetivamente, o médico Lobão insistentemente pressiona o conselheiro a casar sua filha para, objetivamente, fazê-la concretizar o ato sexual: o contrário disso é uma violação das leis da natureza.

 

Sem o casamento, agrava-se a histeria, passando a protagonista a expressar a sua concupiscência sexual quando dorme: através dos sonhos eróticos, o orgulho de mulher decente abre luta contra a degradante lubricidade e luxúria dos sonhos com o cavouqueiro.  

 

A despeito do escândalo causado pelo livro, “O Homem” foi um sucesso de público.

 

O Cidade do Rio (11 out. 1887, p. 1) noticiou que nas mesas das confeitarias na rua do Ouvidor só se falava do novo livro de Aluísio Azevedo. Cinco dias depois do lançamento já estava quase esgotada a primeira edição (A Semana, 15 out. 1887, p. 1), que se referia geralmente ao primeiro milheiro.

 

O sucesso do livro foi um feito excepcional para livros brasileiros, e foi através dele que o escritor foi convidado para integrar a editora Garnier, responsável pela publicação dos livros de Machado de Assis.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

“Vamos Aquecer o Sol” – José Mauro de Vasconcelos

 “Vamos Aquecer o Sol” – José Mauro de Vasconcelos




 

Resenha Livro - “Vamos Aquecer o Sol” – José Mauro de Vasconcelos – Ed. Melhoramentos.

 

“O público foi cativado por Zezé, esse menino que dizia que o céu não era para o seu bico. Solidarizou-se com a sua nostalgia precoce. A intensa afetividade do personagem e da história talvez não agrade alguns críticos, mas pegou em cheio no coração dos leitores. Daí, o sucesso de José Mauro de Vasconcellos em livros, cinema e tevê. Um sucesso que se estendeu para dezenas de países.

 

Merecem muito respeito os livros que conquistam os leitores pelos sentimentos. Mais ainda os que alcançam êxito editorial, contando histórias simples, em termos de elaboração, mas empenhando-se em algo tão difícil de se conseguir: a empatia do leitor pelos seus personagens. É algo que demonstra que o autor acertou, não no sentido marquetológico, mas naquela corda universal, interior e profunda, humana, que faz a literatura entrar na vida da gente. Que nos faz amar a literatura.”. (AGUIAR, Luiz Antônio).

 

José Mauro de Vasconcellos nasceu em 1920 em Bangu, região de subúrbio da cidade do Rio de Janeiro.

 

Além de escritor de renome internacional, foi jornalista, radialista, pintor, modelo e ator. Junto com Jorge Amado e José Veríssimo, foi dos poucos escritores brasileiros que conseguiram sobreviver dos direitos autorais de seus livros.

 

“Meu Pé de Laranja Lima” (1968), certamente a sua obra de maior sucesso, foi publicada em 15 países, entre os quais Hungria, Áustria, Suíça, Argentina e Alemanha.

 

O fato de não ser um escritor muito mencionado e estudado em meios acadêmicos reflete aspectos da vida do escritor. Os seus livros basicamente expressam as experiências pessoais do escritor e se inspiram em sua vida aventureira e errante, mais do que da leitura de livros – a despeito de ainda criança, ter lido José de Alencar, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, e obras estrangeiras as de Alexandre Dumas.

 

De família pobre, nosso escritor mudou-se para a casa de parentes em Natal/RN, onde foi matriculado num seminário. Bom aluno de português e literatura, mal aluno de matemática e ausente frequentemente das aulas que matava para nadar nas águas do cais do porto.

 

A personalidade inquieta de Vasconcellos o fez voltar para o Rio de Janeiro pouco após se formar no seminário, a bordo de um navio cargueiro e portando uma simples maleta.

 

Desde o Rio de Janeiro, iniciou sua peregrinação pelo Brasil. Foi treinador de boxe e entregador de bananas na então capital do país; pescador no litoral fluminense; professor primário num núcleo de pescadores de Recife; garçom em São Paulo, etc. etc.

 

Uma vez ao ano, partia para excursões para o Brasil profundo, onde entrava em contato com populações indígenas, dando ensejo e inspiração para livros como “Rosinha Minha Canoa” (1962) e “O Garanhão das Praias” (1964), ambas obras que se passam na região do Araguaia.

 

Esportista desde a infância (gostava particularmente da natação) representou papel de galã em filmes e novelas.

 

Ou seja, José Mauro apenas não alcançou projeção, sintomaticamente, na academia. Seu espírito livre não era compatível com aquele mundo, sendo, para todos os efeitos, um homem simples, cujos romances foram populares, tanto no seu objeto quanto no alcance do público.

 

Na sua vida, a aversão ao mundo enclausurado da academia se deu ainda jovem, quando abandonou o curso de medicina em Natal, já no segundo ano, para viajar pelo país. Consta que na década de 1940, ganhou uma bolsa de estudos na Espanha, onde frequentou aulas por duas semanas, para depois, largar tudo e viajar pela Europa.


VAMOS AQUECER O SOL 


 



“Vamos Aquecer o Sol” (1974) é a continuação da descrição da infância do escritor, iniciada no mencionado “Meu Pé de Laranja Lima”. Os dois livros formam uma unidade, com a narrativa em primeira pessoa de “Zezé” (ou seja, José Mauro), desde sua infância de penúria material no Rio de Janeiro até a sua adolescência em Natal/RN, quando residiu na casa de um padrinho severo e pouco amoroso.

 

Zezé, quando morava no Rio de Janeiro, vivia em condição de pobreza ao ponto de sua família não ter condições de lhe comprar um presente de natal. A pobreza era agravada pela violência dos adultos, apenas atenuada pela amizade do português Manuel Valadares, que ensinara o protagonista que “uma vida sem ternura não vale a pena de ser vivida”. Esta dura realidade também era mitigada através da imaginação, das fantasias e do mundo lúdico das crianças, que são capazes de brincar dialogando com seres inanimados, do Pé de Laranja Lima, ao passarinho que vive no coração do menino, passando pelo piano chamado “João”.

 

A continuação da vida de Zezé se dá no livro “Vamos Aquecer o Sol”, quando a criança já tem 11 anos de idade e abandona a vida relativamente livre e desregrada do RJ para ser obrigado a se matricular num seminário em Natal, além de ser compelido a passar horas a fio estudando piano, sob a vigilância permanente de sua madrinha, atividade que era odiada pelo menino.

 

Enquanto antes podia brincar na rua, subir em goiabeiras e atanazar vizinhos, era agora obrigado a viver uma rígida rotina imposta por adultos pouco afetuosos – situação provisória, em todo o caso, já que Zezé frequentemente consegue burlar as regras impostas, para matar aula, ir para o cinema escondido, roubar frutas do vizinho e fazer reinações na escola, acarretando punições frequentes.

 

Uma certa nostalgia dá o tom da história à medida que a criança vai crescendo. O sapo cururu que mora no coração do menino serve para estimulá-la a criar confiança em si e coragem para, depois de cumprir a sua missão, deixar Zezé seguir sozinho. Maurice Chavalier, artista de cinema que povoa o mundo de imaginação do protagonista, suscita uma ternura paterna ausente na vida real, deixando de se fazer presente quando a criança passa para a adolescência e descobre o amor. Ao crescer, estes entes fantásticos irão abandonar o imaginário da criança, que passa a ter que confrontar o mundo real, mantendo, por outro lado, alguma saudade de seu passado de criança. Daí o tom nostálgico daquele que gradualmente vai deixando o mundo infantil.

 

“Aquecer o Sol” significava a possibilidade de iluminar a alma, não a deixar triste como um dia nublado de chuva. Uma habilidade tão simples e fácil de ser executada na infância e completamente desaprendida na vida adulta.