terça-feira, 26 de março de 2013

"A Doença Infantil do Esquerdismo no Comunismo" Vladimir Ilich Lênin


 
Resenha Livro #55 – “A Doença Infantil do Esquerdismo no Comunismo” – Vladimir Ilich Lênin

“O esquerdismo” foi publicado em 12 de maio de 1920, pouco mais de dois anos da tomada do poder pelos bolcheviques na URSS. O livro reúne 10 artigos curtos, discutindo e criticando, particularmente, setores da III Internacional ligados aos movimentos operários inglês e alemão. O que não deixa de ser uma grande ironia da história é que a Rússia, aquele país atrasado, predominantemente camponês e de industrialização incipiente, tendo uma burguesia frágil politicamente, foi a 1ª Nação a assistir a uma revolução socialista vitoriosa, que efetivamente expropriou a burguesia e a classe capitalista, deu terra aos camponeses, instituiu o monopólio do comércio exterior pelo estado e partiu para a socialização da terra e das empresas.

Irônico pois aquele país atrasado sob vários pontos de vistas fizera uma revolução que, segundo Lênin, em muitos aspectos apresentaria traços internacionais ou universais. Os soviets, por exemplo, segundo Lênin seria um destes bastiões universais legados pela Revolução de Outubro.

Fala-se em significação internacional da Revolução Russa: a Rússia deixava de ser o bastião da reação como em 1848, ou mesmo antes, no contexto das guerras napoleônicas, para estar na vanguarda do movimento revolucionário no início do Séc. XX, sendo certo quer sua luta contra o Czar e contra o frágil regime constitucionalista dentre os anos de 1905 e 1917 envolviam também a luta contra os aliados daqueles que estavam no poder, o seja o capital internacional europeu.  O fato é que Lênin fala com a autoridade do maior dirigente de uma revolução que se insurgia contra o imperialismo, contra inimigos externos e internos da construção do socialismo e sua base concreta de experiência como dirigente revolucionário lhe permitia enxergar políticas ultra-esquerdistas do movimento comunista, destacadamente em Alemanha e Inglaterra, talvez os países como maior importância quantitativa e peso da classe do proletariado naquele período e ainda sob forte influência do social-chovinismo, do oportunismo reformista, do método da conciliação e da traição de classes levado a cabo pelos chefes da II Internacional, como Kautsky na Alemanha e Otto Bauer na Áustria.

Lênin desenvolve sua argumentação a partir do balanço crítico da experiência soviética. Dentre as condições fundamentais do êxito dos bolcheviques Lênin ressalta a disciplina partidária férrea, acompanhada do “total” e “incondicional” apoio da massa da classe operária ao partido. Neste ponto, Lênin faz uma crítica ao falso democratismo de críticos que se opõe a centralização incondicional “e a disciplina mais severa do proletariado” no âmbito do partido político, condições fundamentais para a vitória sobre a burguesia.

E como se mantém a disciplina partidária? Lênin responde: “Em primeiro lugar, pela consciência da vanguarda proletária e por sua fidelidade à revolução, por sua firmeza, seu espírito de sacrifício, seu heroísmo. Segundo, por sua capacidade de ligar-se, aproximar-se e, até certo ponto, se quiserem, de fundir-se com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias. Finalmente, pela justeza da linha política seguida por esta vanguarda, pela justeza de sua estratégia e de sua tática políticas, com a condição de que as mais amplas massas se convençam disso por experiência própria”. Ou seja, no que há de mais fundamental, a vitória dos bolcheviques na Rússia diz respeito à capacidade desta organização política – desde seu início em 1903 – em manter um núcleo de revolucionários dispostos a adotarem uma ferrenha disciplina e lutarem pela coesão e centralização do grupo. A disciplina partidária por sua vez, é conquistada pela consciência de vanguarda dos militantes do partido, sua abnegação na luta para derrubada da burguesia; a capacidade de fundir esta vanguarda com as massas proletárias; a justeza das políticas no que se refere à tática e à estratégia.

A questão da intervenção no parlamento burguês

A rica experiência política pela qual passaram os revolucionários russos a partir do final do séc. XIX e início do XX foi ímpar na história mundial. Diz Lênin, “Nenhum país, no decurso desses quinze anos (1903-1917) passou, nem ao menos aproximadamente, por uma experiência revolucionária tão rica, uma rapidez e uma variedade de formas de movimento, legal e ilegal, pacífico e tumultuoso, clandestino e declarado, de propaganda nos círculos e entre as massas, parlamentar e terrorista. Em nenhum país esteve concentrada, em tão curto espaço de tempo, semelhante variedade de formas, de matizes, de métodos de lutas de todas as classes da sociedade contemporânea”.

Certamente, esta rica e intensa experiência revolucionária é um dos fatores que também explica o êxito dos bolcheviques. Além disso, tal vivência faz com que Lênin discorra sobre a exigência dos revolucionários analisarem as particularidades de cada caso concreto, um esforço de interpretação da realidade muito mais sofisticado e difícil do que a mera retórica revolucionária eivada de princípios sem qualquer mediação com a realidade concreta. Lênin dá como exemplo do ultra-esquerdista da negação como princípio da participação dos socialistas nos parlamentos. No que tange à dinâmica da luta de classes na Rússia antes da vitória dos bolcheviques, o que estava em jogo era fundamentalmente a significação dos sovietes e as reais possibilidades de estabelecê-lo como uma oposição ao poder constituído. Ora, os Soviets foram uma criação que data de 1905. Segundo Lênin, os soviets foram falsificados pelos mencheviques (reformistas) entre fevereiro e outubro de 1917, justamente pelo fato de não compreenderem o que significava aquele instrumento de poder. Enquanto fosse falsificado por estar sob o controle dos mencheviques, os sovietes não serviriam como meio para a superação do parlamentarismo burguês e da sua derrubada.

 Diz, de forma bastante clara e contundente Lênin, “Contrariamente às opiniões que não raro se expendem agora na Europa e na América, os bolcheviques começaram com muita prudência e não prepararam de modo algum com facilidade sua vitoriosa luta contra a república burguesa parlamentar (de fato) e contra os mencheviques. No início do período citado, não conclamamos à derrubada do governo e sim explicamos a impossibilidade de fazê-lo sem modificar previamente a composição e o estado de espírito dos Soviets. Não declaramos o boicote ao parlamento burguês mas, pelo contrário, dissemos – e a partir da Conferência de nosso Partido, celebrada em abril de 1917, passamos a dizê-lo oficialmente em nome do Partido – que uma república burguesa com uma constituinte era preferível à mesma república sem constituinte, mas que a república “operária-camponesa” soviética é  melhor que qualquer república democrático-burguesa, parlamentar. Sem essa preparação prudente, minuciosa, sensata e prolongada não teríamos podido alcançar nem manter a vitória de Outubro de 1917”.

Desta passagem,extrai-se de forma clara as condições para o asseguramento da centralização e coesão partidária sem a qual os bolcheviques não teriam tido qualquer êxito. Há o esforço pessoal dos militantes em propagandear a política correta delineada por Lênin; a indissolúvel ligação entre o partido e as massas operárias que, no intervalo entre fevereiro e outubro de 1917, mantinham ilusões sobre o parlamento burguês, exigindo que os revolucionários lá interviessem; a justeza da linha política adotada pela vanguarda que conduziu efetivamente os bolcheviques à vitória em outubro de 1917.

De outra monta, a política levada à cabo pelos bolcheviques naquele período não deixa qualquer margem para um entendimento oposto, segundo o qual estaria permitido toda e qualquer participação no parlamento sob qualquer  política, sendo aqueles que se opõe a tais táticas desde já caracterizados como ultra-esquerdistas. A passagem de Lênin é límpida ao estabelecer que – dentro do parlamento – os revolucionários não deveria se furtar a afirmar a superioridade dos sovietes e da organização política do estado operário em contra-posição ao parlamento burguês. Esta crítica ao oportunismo parlamentar é efetivamente levada a cabo em “A Doença Infantil”, sendo certo que a participação dos revolucionários em parlamentos reacionários ou sindicatos burocráticos tem como escopo avançar o nível de consciência da massa proletária e não retroagi-lo ao senso comum, como o fazem os oportunistas. Esta íntima dialética que envolve o nível de percepção política das massas de trabalhadores e a definição das táticas políticas, envolve, em Lênin uma luta intransigente também contra os oportunistas que se servem da ação parlamentar ou sindical para reformar o capitalismo por vias institucionais e contra os ultra-esquerdismos que estabelecem confusões entre o que é tática e o que é estratégia ou princípio. Ao contrário de negar o parlamento, o sindicato ou alguns acordos políticos (como o caso de Brest-Litovski) por princípio e ao contrário de atuar nestes fóruns desde uma perspectiva social-chovinista e reformista, Lênin propõe a atuação revolucionária que não tem constrangimentos de dizer em alto e bom som a urgência da luta revolucionária e atuar, mesmo no parlamento mais reacionário, tendo como meta final o socialismo.  

sábado, 16 de março de 2013

"A Era do Capital" Eric J. Hobsbawm




Resenha Livro # 54 “A Era do Capital” – Eric J. Hobsbawm - Ed. Paz e Terra 

No dia 1º de outubro de 2012, faleceu o historiador marxista britânico Eric J. Hobsbawm. A ampla repercussão midiática da morte revela a importância da produção historiográfica do autor. O fato de Hobsbawm ser certamente conhecido para além do meio acadêmico o diferencia da historiografia tradicional. De fato, os seus livros não foram e não são lidos exclusivamente por historiadores (profissionais e acadêmicos). Sua produção, no campo de história, foi amplamente recepcionada por interessados em aprender algo sobre a história dos últimos três séculos, sobre a história do Jazz ou sobre a gênese do movimento operário e seu desenvolvimento ao longo do século XX. Talvez, o seu livro mais lido e mais lembrado é “A Era dos Extremos”, voltado à análise do século XX. Tratar-se-ia do curto e intenso século que vai de 1914 (primeira Guerra Mundial) até 1991(desmoronamento da URSS).

As Eras de Hobsbawm dão conta de todo um período que vai da derrocada dos Estados Absolutistas e da afirmação da burguesia como nova classe dominante, passando do momento “revolucionário” das burguesias (Era das Revoluções 1979 - 1884) e, no plano econômico, a importante Revolução Industrial que redesenha a conformação do capitalismo, superando sua fase comercial, em direção a sua etapa industrial.  Posteriormente temos a Era do Capital (1884 – 1875), marcado pela consolidação da hegemonia burguesa e sua ressignificação, de uma classe revolucionária sob o signo da Revolução Francesa, a uma classe reacionária, particularmente frente ao desenvolvimento do movimento operário que passaria ao questionamento das bases da sociedade do capital – o massacre da burguesia parisiense aos operários da Comuna de Paris ocorre neste período.

Os trabalhos do historiador prosseguem com a Era dos Impérios (1975 – 1914), descrevendo a fase que Lênin defini como o momento imperialista do capitalismo, que passa cada vez mais a se conformar em grandes monopólios que se serviam da ajuda do estado para explorar novos mercados e dominar desde os principais centros de poder do capital continentes inteiros, destacando-se a partilha da África.

Tivemos acesso à segunda das “Eras” analisadas por Hobsbawm, a Era do Capital – 1848-1875.

O marco inicial, o ponto de partido é certamente mais fácil de se identificar. Trata-se do ano conhecido como Primavera dos Povos, correspondente a uma série de revoluções na Europa que questionavam autocracias que perduravam, apesar do desenvolvimento e fortalecimento de movimentos nacionalistas, liberais e democráticos. Já o marco final do livro (1975)não é facilmente identificável, correspondendo, segundo Hobsbawm, ao encerramento de  ciclo de expansão mais ou menos permanente da economia capitalista para, a partir da década de 1870, o sistema entrar novamente em declínio.

De qualquer forma, a obra de Hobsbawm não se situa nos marcos de certa historiografia de matriz positivista cuja principal preocupação são exclusivamente os grandes eventos políticos de determinada era, tendo como fonte específica documentos e relatórios oficiais, tratando, portanto, de uma história dos grandes eventos meramente descritiva, sem esforços de interpretação e, mais importante, sem esforço de busca de sentidos para os diversos eventos históricos. Certamente, muita coisa ocorreu no mundo entre 1848-1875, destacando-se a conquista do oeste norte-americano, a guerra civil dos EUA que pôs fim à escravidão naquele país, a extinção do tráfico negreiro e a abolição da escravidão na maior porção das antigas ex-colônias latino-americanas (exceções feitas a Cuba e Brasil que aboliram a escravidão após 1875). 

Foi também o momento da abertura efetiva do Japão ao ocidente e a assimilação do capitalismo concorrencial por uma cultura até então extremamente fechada e com fortes valores culturais equiparáveis ao feudalismo. Foi o momento do desenvolvimento das primeiras organizações dos trabalhadores, datando-se 1871 como o ano da Comuna de Paris, primeira experiência de poder operário-popular, um governo sem a burguesia, apoiado em medidas de cunho igualitarista e que foi esmagado pela reação da classe dominante francesa pouco mais de dois meses após o seu início. Como se vê por todo mundo diversas “grandes eventos”,  eventos de importância local, regional ou mesmo mundial ocorriam durante aqueles anos, fazendo como que o autor, a partir da descrição dos fatos históricos, busque encadeá-los e encontrar um certo sentido pelo qual o mundo transformava-se sob a era do Capital, sem se restringir a uma história descritiva ou de tipo jornalística.

Este sentido mais geral da obra está bastante contemplado no título da obra.

Certamente, aqueles anos foram os anos de hegemonia na crença no liberalismo e na racionalidade do capitalismo: ainda que fosse o período que Marx escrevesse seu Manifesto Comunista e organizações embrionárias de trabalhadores aportassem no sentido de criticar a sociedade capitalista e propor alternativas (Ex. socialistas, proudhonistas ou anarquistas), há de se constatar que estes movimentos eram minoritários. Marx em vida não teve mais repercussão e não foi mais lido do que Hebert Spencer e seu racista darwinismo social. Havia, então, a crença em certa naturalização do capitalismo, talvez parecida com a ideologia pós-moderna de “Fim da História” de Francis Fukuyama, como se as relações de produção dominante fossem erigidas a um nível existencial para a justificativa: dentro do jogo livre e igual do mercado, os mais capazes sobrevivem, os mais fracos perecem e assim que deve ser. A vida imitava a economia e a economia imitava a vida.

Com a revolução industrial, o desenvolvimento das estradas de ferro e o aprimoramento da exploração do ferro e do aço na indústria, o capitalismo passava por uma fase de expansão. Novos aportes de investimentos eram levados aos EUA, promovendo um incremento significativo de imigração do velho continente para o Novo Mundo. A promessa do enriquecimento rápido por meio da exploração de jazidas de ouro fizeram muitos aventurarem-se no oeste americano, desbravando e dominando terras em locais sem lei, cuja forma de poder se podia comparar, com seus devidos ajustes, ao coronelismo brasileiro. Em sentido análogo, a expansão da indústria e especificamente das estradas de ferro (verdadeiros símbolos da era do capital) revolucionaram as possibilidades de comunicação, propiciando a troca de correspondência a lugares inacessíveis, reduzindo significativamente os tempos de viagem e o aumentando o turismo, este último apenas disponível às classes mais abastadas, por suposto. Do ponto de vista das ciências, aquele foi um momento de grande desenvolvimento da química, especificamente da química orgânica, por meio do alemão August Kekulé. A física também avançava, superando as bases tradicionais da física newtoniana – que seria, como se sabe, novamente revolucionada com a teoria quântica de meados do século XX. De maneira geral o desenvolvimento da ciência acompanhava a evolução industrial e as descobertas do período são narradas por Hobsbawm dentro deste sentido comum da história, qual seja a era da expansão do capital.

Entretanto, mesmo intuitivamente, é fácil anotar como praticamente nada evolui de forma permanente e infinita, e certamente este não seria o caso do capitalismo (completamente eivado de contradições quanto à sociedade que ele engendra) que seria uma exceção. Entretanto, as turbulências que o desenvolvimento do capitalismo levariam o mundo – do neocolonialismo do final do século XIX às 2 Guerras Mundiais – serão objetos de análises nas demais “eras” de Hobsbawm, a Era dos Impérios e a Era dos Extremos.

Em certa passagem do prefácio do livro, o historiador britânico confessa que o período que passará a abordar não lhe agrada. Como marxista, ele certamente encontra, na análise crítica, boa dose de hipocrisia nos valores daquela burguesia profundamente otimista quanto a sua suposta capacidade de liderar o progresso, além do profundo eurocentrismo e do gritante etnocentrismo na cultura produzida pela Era do Capital. Mesmo desgostoso quanto ao tema estudado, a “Era do Capital” é magnificamente escrita e sem dúvida uma tremenda contribuição para aqueles que querem entender as origens da formação das ideias burguesas e suas bases materiais e idológicas de então, da revolução industrial, do nacionalismo, do liberalismo e da democracia.